Chapter 19

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Quarta-feira, 26 de junho de 2013 - Bristol, Inglaterra 

Ele permaneceu calado, apenas olhava para o céu, os seus olhos verdes demonstravam mais tristeza e ódio do que eu podia ver, vê-lo assim partia-me o coração, eu tinha-o magoado apenas com uma simples pergunta, eu tinha-o feito voltar ao passado, talvez um passado muito macabro. Será que os pais o tinham abandonado? O tinham maltratado? Não conseguia imaginar o Harry em pequeno com lagrimas nos olhos e a cara toda marcada, era uma imagem longínqua a qual eu não conseguia alcançar. 

Ele levantou-se e foi ai que eu tive receio, receio que ele se fosse embora. Não queria que ele partisse sem me responder, mas por outro lado não o queria fazer recuar ao seu passado negro. Ele andou em direção aos limites do prédio com as mãos nos bolsos, eu levantei-me e observei a forma como os seus ombros subiam e desciam.  

"Eu tinha dez anos quando tudo aconteceu" ele virou-se para mim "O meu pai bebia muito e por vezes ele descontrolava-se." ele não me olhava nos olhos. 

"Como assim descontrolava-se?" eu dei um passo em frente. 

"Ele quando bebia, ele batia na minha mãe." o queixo dele ficou mais tenso "Ele pensava que ela o traia, então ele batia-lhe até ela admitir, mas ela nunca admitia ela simplesmente desmaiava na sala de estar por horas." 

"Porque é que ela não admitia?" olhei-o confusa quando os nossos olhos se encontraram 

"Porque ela não o traia, porra!" ele começou a puxar o cabelo impaciente. "Ela não o traia" ele sussurrou. "Houve um dia em que o meu pai me fez ver, ele sentou-me no sofá e ameaçou-me que me matava se fugisse." ele olhou para o céu "Mas ele nesse dia estava pior, eu nunca o tinha visto assim, ele apenas gritava e batia, parecia um ciclo, ele não parava." aproximei-me mais dele "Apenas parou para ir a cozinha, eu pensava mesmo que ele tinha parado, eu pensava mesmo" nunca tinha visto o Harry tao triste, falar daquilo era doloroso, mas ele estava a fazê-lo a mesma, eu não sabia o que pensar, apenas imagens de um menino de olhos verdes sentado num sofá a ver algo tao terrível como isto apareciam na minha cabeça. "Eu sorri quando ele desapareceu, mas isso desapareceu, quando ele voltou ele tinha uma faca na mão, eu ao principio não sabia o que ele ia fazer, foi como se tudo ocorre-se lentamente, os seus passos desleixados até ao corpo da minha mãe, ele a gritar o quanto ele a odiava e depois as facadas, eu tentei ajudar, eu gritei e puxei-o, mas foi em vão, ele continuou e continuou. Ele esfaqueou-a 23 vezes até a policia chegar, eu tive que ver cada uma, tive que ver o brilho nos olhos da minha mãe a desaparecer, eu vi-a morrer a minha frente e não pude fazer nada." ele começou a chorar, eu não sabia o que fazer, apenas o queria abraçar, não queria falar, apenas abraça-lo e deixa-lo chorar. Puxei-o na minha direção e abracei-o com força.  

Não podia acreditar, que alguém tinha matado assim uma pessoa, não podia acreditar. Agora percebo porque é que ele não queria falar sobre isto, o porquê de ele fugir ao assunto ou simplesmente ficar de mau humor. Não havia palavras para descrever o que tinha acontecido a esta família. 

Não sei quanto tempo ficamos ali abraçados, não sei por quanto tempo ele chorou, simplesmente ficamos no topo daquele prédio o tempo que quisemos, o tempo que necessitamos, pois naquele momento o tempo era infinito. 

*    *    * 

Ele já estava a dormir quando voltei para o meu quarto, o meu cabelo ainda estava molhado, tentei seca-lo com a toalha quando me sentei no sofá. Ele parecia um anjo enquanto que dormia mas isso não apagava o odio que eu tinha presenciado hoje de tarde, o odio que ele sentia por aquele momento na sua vida, o odio que ele sentia pelo seu pai. As palavras dele ainda ecoavam na minha mente, todas as minhas suposições estavam erradas, nada era comparado com o que tinha ocorrido, nunca tinha imaginado que um deles era um assassino, que um deles tinha morrido tragicamente. 

Eu não o consolei como ele estava a espera, eu não lhe disse que ele ia superar aquilo, pois eu sabia que aquele momento iria estar sempre na sua mente, não lhe podia mentir, não lhe podia dizer o que não sentia e não pensava, não fazia parte de mim e ele sabia disso. Ele ficou desapontado por apenas lhe dar o meu abraço, não lhe dei  a minha opinião pois não tenho nenhuma neste momento, a minha mente está em branco, não tenho nada para dizer simplesmente. Gostava que fosse diferente, mas isto já faz parte da minha natureza, não posso mudar, não posso mentir. É algo intrigante pensar que o ser humano precisa de ouvir mentiras para se sentir melhor mas no fim sai magoado porque lhe mentem. Porque é que as pessoas não encaram a verdade de animo leve? Porque é que a verdade magoa tanto? Porque é que mentem? Porque é que por vezes sentem prazer em faze-lo? Por vezes parece que me comporto como um robô, a tentar perceber todos os sentimentos e comportamentos que o ser humano demonstra.  

Sentia-me cansada, mas não queria dormir, queria desvendar tudo sobre ele, eu tinha a certeza que este não era o seu único segredo, o seu único mistério. Agora a observa-lo apercebia-me que por detrás daquela cara de anjo existia uma alma perturbada por um passado negro e doloroso. Sentia-me em divida para com ele, ele tinha-me contado algo doloroso, no entanto ele não me pediu nada em troca. Deveria ser eu a dar o primeiro passo e contar-lhe algo sobre o meu passado?

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