ANTES
Acordei na cama de um hospital, braços e pernas imobilizados, meu rosto doía e eu estava um pouco fora de mim.
-Graças a Deus você acordou – falou uma voz conhecida.
Abri os olhos me acostumando com as luzes.
-Letícia?
-Sim, amor, eu estou aqui, você não está só. Os seus pais foram para o hotel descansar, mas logo mais estarão aqui.
-O que aconteceu?
-Você sofreu um acidente, um carro veio na contramão e bateu na sua moto e na de um outro rapaz.
-O cara da moto japonesa?
-Sim.
-E ele? – Perguntei lembrando do nosso racha.
-Ele morreu no local – Letícia disse com a voz baixa. – Mas graças a Deus você está vivo.
-Eu não me sinto tão vivo.
-Você ficou alguns dias apagado, indo e voltando e sob o efeito de remédios. Uma das suas costelas perfurou o seu pulmão, os médicos te levaram imediatamente para a cirurgia, deu tudo certo, mas agora vamos esperar para ver o que conseguiremos fazer com a sua perna e seu braço.
-O que aconteceu com a minha perna? – Perguntei sentindo dificuldade para respirar.
-É melhor você repousar. Está com dor? A enfermeira já vai vir trocar o seu medicamento.
Tentei colocar a minha cabeça em ordem sobre o acidente. Minha tíbia e minha fíbula foram parcialmente dilaceradas e o meu úmero quebrou em várias partes, sem contar o pulso trincado e alguns dedos quebrados, os médicos estavam esperando a minha recuperação da cirurgia do pulmão para poderem me operar. Eu sabia que ia passar um bom tempo naquela cama de hospital.
Foram dias e eu nem sei o que aconteceu comigo, só sei que acordei e Letícia estava lá ao meu lado. Choramos um pouco com a possibilidade de nunca mais eu voltar a andar direito. Mas ainda assim eu estava agradecido, pois foi por muito pouco.
Meus pais apareceram poucas horas depois e ficaram comigo, eu não conseguia me mover e fiquei completamente dependente de todos. Isso me irritava e me desesperava. Os médicos marcaram as minhas cirurgias para alguns dias depois que eu acordei.
Meu mundo se resumia ao quarto e às pessoas que estavam comigo.
-Cadê o meu celular? – Perguntei quando consegui me lembrar dele.
-Ele foi destruído no acidente, seu pai vai providenciar outro para você – minha mãe disse sentada ao meu lado.
Naquele instante eu lembrei da Melissa, eu estava naquele hospital há quase duas semanas e não falei com ela por todo esse tempo, nem sequer tive como avisar sobre o acidente. Me senti culpado, mas não sabia o que fazer naquela situação, nem sequer sabia como avisar para ela o que havia acontecido.
-Alguém do clube apareceu? – Perguntei na expectativa de enviar notícias por algum deles.
-O Lino e o Sérgio vieram no dia do acidente, mas tiveram que voltar para casa por causa do trabalho deles.
-Que bom, assim eles poderão avisar aos outros amigos.
-Não pense nos outros amigos, filho, agora você precisa focar em ficar bom.
Mas nem tudo é tão simples, se apenas me focar em ficar bom resolvesse alguma coisa teria sido de grande ajuda, mas eu sofri durante quase dois meses, um mexe aqui, mexe ali nos meus ossos e os pós-operatórios infernais. Eu não comia, eu não dormia, o meu bom humor se foi e eu só gritava com todos ao meu redor. Letícia não saiu do meu lado, mesmo quando eu gritei com ela, mesmo quando implorei para ela ir embora, ela simplesmente abandonou tudo para ficar comigo. E eu por minha vez acabei me agarrando a ela, como se ela fosse a minha tábua de salvação.
Quando a fase ruim foi passando e eu estava prestes a voltar para casa, voltei a sentir falta da minha vida de antes do acidente, sentir falta de sair com os caras, sentir falta de ficar sozinho e principalmente sentir falta de Melissa. Foram meses e nenhum sinal dela, recuperei o meu telefone e não recebi uma chamada sequer.
Quando voltei para casa não aguentei e liguei. A primeira vez o telefone caiu na caixa de mensagens e eu deixei um recado.
"Oi, Mel, sou eu, Flávio. Eu não sei se você ficou sabendo, mas eu sofri um acidente e fiquei um tempo no hospital, na verdade eu voltei para casa ontem. Está tudo uma merda, eu só queria saber se você está bem. Beijos".
Naquela noite eu sonhei com ela, com seus beijos e com o meu corpo em pleno funcionamento sobre o dela. Na manhã seguinte eu não resisti e liguei novamente, dessa vez ela atendeu.
-Flávio? – Ela estava ofegante.
-Oi, quanto tempo, não?
-Pois é – ela pigarreou. – Como vão as coisas?
Aquela conversa não parecia uma conversa típica entre nós dois, alguma coisa errada tinha acontecido nesse meio tempo.
-Está tudo uma merda, eu estou todo quebrado, fiquei meses sem poder fazer qualquer coisa sozinho, agora eu estou todo engessado e ainda sinto muita dor.
-Isso é uma merda, Flávio. Eu sinto tanto por tudo isso.
-Não mais do que eu.
A Melissa não tinha culpa de nada e não era justo o que eu descontar minha frustração em cima dela, mas eu queria que ela tivesse me ligado, tivesse ido atrás de mim, queria que ela estivesse ao meu lado quando eu acordei naquele hospital. Mas ela não estava.
-Bom, eu preciso ir, Flávio, estou em um evento.
-Tá. Tudo vem, vai lá – falei irritado e desliguei o telefone.
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Um tempo ao lado dela
RomanceFlávio se encantou por Melissa assim que a viu pela primeira vez. Sua rotina e seu status sempre o fizeram se sentir maior que o mundo, mas Melissa com seu jeito natural e desencanado o desarmou. Após anos de um relacionamento que não saiu do 0 a 0...