Estou em choque. Todo o meu corpo está trêmulo e eu não tenho controle de nada. Só sinto um peso sobre mim. E algo quente escorre pelo meu corpo. É sangue. Mas eu não sinto dor. Minha mente demora até que eu compreenda o que está acontecendo.
-Flávio? Flávio? - Mal posso ouvir minha voz chamar.
Gritos me cercam, meu celular está preso em minha mão, meus dedos não conseguem se mover, por mais que o meu corpo ainda esteja tremendo.
Lágrimas pinicam e começam a escorrer.
-Ele está morto? - Alguém pergunta e o pânico me consome.
Ele não pode estar morto. Não depois de tudo o que passamos e dos últimos meses. Não depois dele me pedir em casamento. Não depois de eu possivelmente estar grávida depois do esquecimento de dois dias dos malditos comprimidos.
Malditos comprimidos.
Se eu não estivesse tão preocupada em não engravidar nós não estaríamos aqui. Eu não estaria sentindo todo seu peso e seu sangue quente me molhar.
-Flávio? Flávio? Flávio? - Percebo que agora consigo gritar. - Não, amor. Por favor, não agora, você não pode me abandonar de novo.
Então consigo soltar meu celular e me mover o suficiente para me sentar e colocar seu corpo inerte sobre mim. Seus olhos estão fechados, menos mal, mas ele está perdendo muito sangue. Eu vou perdê-lo.
Começo a gritar por socorro, mas todos ao redor tentam me acalmar a única coisa que consigo fazer é me agarrar a ele.
Eu vi no exato momento em que o bandido apontou a arma para mim quando eu levei meu telefone ao ouvido em pânico por algo ter acontecido com o meu filho.
Ian, meu filho.
Cadê o meu celular? Olho ao redor e o encontro ao meu lado. O pego sem conseguir enxergar direito. Tento focar em meu telefone, meu coração em disparada e eu sinto que vou morrer.
-Melissa? Pelo amor de Deus, o que aconteceu? Onde é que você está. Eu ouvi gritos e tiros - é o Júlio.
-Ian?
-Ele está bem, ele está com febre, mas não está tão alta, eu liguei para saber se há algum remédio específico que você dê para ele. Eu lembro que quando ele ficou doente daquela vez teve um que não fez efeito qualquer.
-Eu não sei - respondo sem saber o que estou falando.
-Melissa? - Ouço Júlio gritar do outro lado da linha quando vejo que os paramédicos chegaram.
Eles tiram Flávio de cima de mim e eu fico parada apenas assistindo ele esvair em sangue.
-Não, amor, você não pode me deixar - eu imploro para ele enquanto eles o reanimam.
-Ele se jogou na frente dela quando os bandidos atiraram - a moça atrás do balcão conta. - Ele levou dois tiros. Não sei se foi no peito ou no ombro.
-A moça está em choque - escuto alguém falar.
Alguém se aproxima de mim e começa a me examinar. Eu não consigo responder às perguntas, só consigo olhar para ele sendo colocado em uma maca, enrolado em uma manta térmica e levado para longe de mim.
No mesmo instante meu corpo reage. Me levanto eu corro atrás deles.
-Para onde ele vai? Eu quero ficar com ele.
-A senhora é parente?
-Sou a esposa dele.
Sim, sou a esposa dele, ele me pediu em casamento e por mais que eu ainda não tenha respondido formalmente, era isso o que eu era, sua esposa.
Me deixaram entrar na ambulância. Não sei se deixei minha bolsa na farmácia, se alguém me entregou. Só sei olhar para ele adormecido. Adormecido. Não morto. Apenas adormecido.
Não sei quanto tempo durou a viagem, só sei que todos pareciam agitados. O reanimaram duas vezes dentro da ambulância. Ele perdeu muito sangue e ninguém me dizia nada.
Quando entramos no hospital eles o levaram de mim. Eu fiquei em pé, parada na sala de espera. Alguém me trouxe algo para beber. Eu aceitei, me sentei e respirei profundamente. O oxigênio precisava voltar. O oxigênio precisava voltar. Eu precisava voltar. O meu amor precisava de mim. Ele se jogou na frente dos tiros que iam me acertar.
A realidade bateu e eu comecei a gritar. Um grito de desespero. O choro que estava preso dentro da minha garganta. Alguém se aproximou de mim, me segurou e me levou para uma enfermaria. Vi uma moça baixinha colocar algo em mim. Um acesso? De repente meu coração começou a desacelerar e senti sono.
Acordei assustada, olhando ao redor. Encontrei Júlio ao meu lado.
-Calma, você está bem. Eles precisaram te sedar, você teve um surto, estava em choque.
-Cadê o Flávio. Como você descobriu que eu estava aqui?
-Alguém atendeu o seu telefone quando eu liguei novamente. Me contaram o que aconteceu e eu vim direto para cá.
-E o Flávio?
-Está passando por uma cirurgia. Ele precisa de sangue e eu procurei os amigos dele do clube e alguns estão vindo para cá.
-Eu preciso vê-lo.
-Calma, ele ainda está em cirurgia, você não pode fazer nada nesse momento.
-Cadê o Ian?
-Ficou com a Larissa. Pode ficar tranquila, eles estão bem.
-Ele se jogou na minha frente e tomou dois tiros, Júlio.
-Ele te ama, Mel, você sabe disso.
-Eu também o amo. Mas eu nunca disse isso depois que nos reencontramos. E se ele morrer? Ele nunca vai saber que eu aceito me casar com ele. Nunca vai saber que a gente pode ter um filho quando ele quiser.
-Você vai poder falar tudo isso para ele, Mel. Tenha fé, ele vai sair dessa. Não é possível que depois de tantos desencontros vocês não consigam ficar juntos. Ele é teimoso.
Consegui sorrir com o pensamento de o quanto ele tem sido teimoso e persistente. Ele disse que provaria que me ama, que me reconquistaria. Não precisou de muito esforço, eu nunca deixei de amar aquele cara-pálida.
Depois de muito tempo, me vi de joelhos orando. Pedindo para Deus ter misericórdia. Para que eu pudesse de alguma forma me redimir.
-Eu vou me casar com você - murmurei como se ele fosse capaz de me ouvir de onde ele estivesse.
Os rapazes do clube chegaram, perguntaram o que havia acontecido. Eu contei tudo o que eu consegui me lembrar. Alguns já começaram a se movimentar. Eles querem pegar quem fez isso e eu tenho certeza de que conseguirão.
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Um tempo ao lado dela
RomanceFlávio se encantou por Melissa assim que a viu pela primeira vez. Sua rotina e seu status sempre o fizeram se sentir maior que o mundo, mas Melissa com seu jeito natural e desencanado o desarmou. Após anos de um relacionamento que não saiu do 0 a 0...