Um tempo ao lado dela

38 - UM TEMPO AO LADO DELA

Eu estava cansado de esperar, foram dias tensos, noites mal dormidas, uma bebedeira ou outra, e a sensação de puro vazio. Fiquei tentado a ligar para ela, mas todos ao meu redor me diziam a mesma coisa, diziam para eu dar espaço. Mas eu não podia dar espaço, ela estava se interessando por outro cara. Mel precisava de alguém para cuidar dela, mas dessa vez não como o Júlio cuidou. Ela não queria um amigo, ela queria um homem. Certa noite eu não suportei mais e fui até a casa dela. Nem que eu tivesse que passar a noite inteira em frente ao seu portão, ela me atenderia, eu precisava tê-la comigo por alguns instantes.

Estacionei do outro lado da rua e observei. Sorri quando vi o Júlio saindo acompanhado de uma morena bonita, com certeza era a namorada dele. Embora ele não fosse uma ameaça, sempre era bom garantir. A luz da sala apagou e eu olhei para o relógio, passava das dez e meia da noite, certamente o Ian já estava dormindo. Segurei meu telefone com as mãos trêmulas e apertei o número dela. Esperei. Ele tocou cinco vezes e antes de cair na caixa de mensagens ela atendeu.

-Flávio?

-Oi, Mel.

-Aconteceu alguma coisa?

-Não, eu só queria falar com você.

Ouvi seu riso do outro lado da linha e meu coração doeu um pouco.

-O que aconteceu desta vez?

-Faz quase um mês desde a última vez que nos falamos.

-Sim. E?

-E eu estou morrendo de saudade de você.

Melissa suspirou e eu esperei pela sua dispensa.

-Flávio, por que você tem que dificultar as coisas?

-Você disse que não me impediria.

-Mas não incentivei.

-Eu quero te ver.

-Não.

-Por quê?

-Porque você sabe que isso não vai dar certo, nunca deu.

-Eu te amo.

-Deus do céu, eu sempre quis tanto ouvir você me dizer isso, mas acho que você demorou dez anos para fazê-lo.

-Eu sempre amei, Mel. Eu sempre me senti exatamente como você se sentiu, mas eu só não fui maduro o suficiente para segurar a bronca. Eu fugi de você.

-Você sempre foge, Flávio, isso cansa.

-Deixa eu te ver, por favor.

Senti um fio de esperança quando ela ficou em silêncio, eu sabia que ela estava pensando sobre o meu pedido.

-Eu posso ir até o seu bar.

-Eu estou na frente do seu portão.

-Fazendo o que aí?

-Me enchendo de esperanças.

-Como você é brega – ela falou e riu.

-Acho que sou mesmo. Deixa-me te ver, por favor.

-Me dá um minuto.

Fiquei na expectativa. Vi quando a luz da sala acendeu e ouvi o barulho da porta. Saí da minha caminhonete. Melissa se cobria com um robe grosso e calçava pantufas. Parecia um pacotinho coberto por algodão felpudo, e era o mais lindo pacotinho deste mundo.

-Você está se tornando alguém muito pegajoso cara-pálida.

-Eu senti saudade.

Ela revirou os olhos, bufou e sorriu.

-Uma única xícara de chá e você vai embora, entendeu?

-Eu aceito.

Entramos e fomos direto para a cozinha. Melissa preparou o chá e seguimos para a sala. Ela se sentou ao meu lado.

-Tenho que te falar a verdade – ela falou e assoprou a xícara.

-Fala – respondi sentindo a tensão aumentar.

-Eu dormi com aquele cara de quem eu tinha falado.

A bendita xícara quase caiu das minhas mãos.

-Quando?

-Não te interessa quando. Só estou te contando, pois me senti culpada.

-Culpada?

-Sim. Fiquei muitos anos sem transar com qualquer outro cara, depois você voltou para a minha vida e fizemos o que fizemos nesses últimos meses. Então conheci o Robson, ele é um cara fantástico e temos muitas coisas em comum.

-Sinto que tem um "mas" nessa história.

-Tem sim. Mas não somos compatíveis na cama. Tanto ele quanto eu concordamos com isso. Acho que ele ainda sente algo pela mãe do filho dele. A mulher abandonou os dois, mas a gente não pode controlar o nosso sentimento. Quem dera nós tivéssemos como controlar.

-Aí você não sentiria nada por mim.

-Exatamente.

-Mas ainda assim você sente.

-É uma droga, sabe. Eu não consigo deixar te gostar de você. Temos tantas recordações boas que as ruins nunca as superam, e olha que temos muitas recordações ruins. Bom, temos não, eu tenho.

E eu lembrei daquela maldita noite em que eu fugi como um covarde depois que ela disse que me amava.

-Mel, eu sei que fico repetindo que te amo e que me arrependo de ter sido tão covarde, mas acho que nunca te pedi perdão de verdade. Eu te magoei de tantas formas, fui infiel, fui egoísta e covarde. Aquela noite em que você falou que me amava deveria ter sido a melhor noite das nossas vidas, mas eu fugi. Te deixei sozinha e te decepcionei. E sabe o que é pior em tudo isso? Eu voltei para a minha casa e aquela mulher estava lá, então eu percebi que ela não era a pessoa que mexia comigo de verdade, por isso eu a deixei entrar na minha vida. Sempre soube que você era mulher demais para mim, sabia que se ficássemos juntos de verdade, se fossemos realmente um casal eu seria submisso aos seus sentimentos, e eu nunca admiti ser submisso a mulher alguma.

-Morreu por seu próprio orgulho.

-Tenho morrido a cada dia que passou sem que eu te visse.

-Na teoria é tudo tão fácil e bonito, difícil é mudar a realidade.

-Nada muda a realidade que eu te amo. Mesmo fazendo uma merda após a outra, eu te amo, Melissa. É uma droga, passamos anos separados e eu sempre me vi te procurando entre a multidão. Nos bares, nas festas, nos eventos, mas eu não te encontrei. E você esteve o tempo todo no mesmo lugar.

-Para você ver que as coisas são muito simples. Isso significa que você nunca prestou atenção de verdade.

-Vamos tentar de novo, Mel. Por favor, uma última vez.

-Não dá para continuar de onde paramos, Flávio.

-Então me diz de onde podemos fazer acontecer.

-Do começo.

-Do começo?

-Sim, do começo. Lembro que você correu atrás de mim quando nos conhecemos, insistiu e me seduziu, me levou até a sua toca.

-Quer que eu te seduza?

-Não, quero que me conquiste. Se tiver a sorte de me surpreender como da primeira vez, talvez isso venha a funcionar.

Não consegui conter meu sorriso.

-Eu posso fazer isso.

-Só não ferra com tudo, por favor.

-Eu te juro que não vou ferrar.

-Que bom – ela olhou para sua xícara e se levantou. – Acabou os eu tempo junto com o chá. Até breve, Flávio – ela falou sem esconder que se divertia com a ideia.

Dei um beijo em seu rosto e saí de lá satisfeito, eu sabia que seria capaz de reconquistar o que já era meu, eu faria ela me amar como me amou da primeira vez. E a única coisa da qual eu realmente preciso é de um tempo ao lado dela.