Capítulo 41 - Zalika

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Zalika

    Uma folga em plena sexta-feira era algo que eu realmente precisava. Preciso resolver algumas coisas sobre o casamento e realmente preciso sentar para conversar com Madeleine, eu sei que ela esta amando a vida perto da praia, mas eu preciso contar que vou morar em outro lugar com Paulo e não na nossa antiga casa e vamos precisar decidir o que fazer. Estivemos bastante ocupadas nesses últimos anos. A gravidez não planejada de Madeleine mudou a vida dela e ela teve e ainda tem desafios que enfrenta por ser mãe solteira, e eu tento ajudar de todas as formas. Quando você se torna mãe inesperadamente, você começa a viver um novo mundo. Isso assusta, eu lembro o quanto isto assustou Madeleine. Só eu e Maddie sabe o quão difícil foi a gestação, ela entrou em uma depressão profunda, apesar que hoje em dia ela apenas quer esquecer isso. Para Madeleine, descobrir que tinha engravidado de uma pessoa que conhecia há poucos meses não foi nada fácil.

 Noite passada ficamos acordadas por um bom tempo, já que a Lou estava com febre. E Madeleine desviou de qualquer assunto que envolvesse o nome Theodoro. Pelo o que parece os dois dormiram juntos, e ela até trouxe ele para conhecer Louise.

 Peguei uma cadeira e fui para a varanda da frente da casa. O dia estava quente, mas com um vento gelado vindo do oceano. Eu precisava de descanso, paz, sossego, novos ares, e achei tudo isso aqui... Eu sei que muita gente tem o sonho de largar tudo e ir morar na praia. Gosto da calmaria, da cultura do surf...tudo muito simples, mas com um certo charme. Realmente gosto de morar aqui, mesmo trabalhando, ainda consigo aproveitar a praia. Eu sei que a Madeleine também precisava disso, já que o ego inflados das pessoas a consumiam e como ela é muito pra cima, empolgada e cheia de vida, acabou que isso a deixava cansada. Madeleine sempre fala que a mudança para a praia era porque ela precisava de um sopro de inspiração, precisava descansar e repensar a vida. Nós duas precisamos disso.
 E como é ótimo acordar com o barulho dos pássaros, ver o sol nascer, ver o sol se pôr.  A vida começa cedo, sempre estou ligada a natureza, a mudança do clima, e amo sentir meus pés na areia. Até estou comendo melhor. O melhor é ir todos os dias na praia, correr, caminhar, fazer duas horas de yoga. É claro que eu comecei a me sentir um pouca presunçosa e agora o melhor som do mundo é o das ondas quebrando.
 Madeleine se mexeu um pouco na rede e me levantei para ver se Louise esta bem. As duas estão dormindo aqui a horas, foi o único lugar que a Lou pegou no sono. Chega ser encantador a forma como as duas dormem na rede, já que a Lou sempre se deita em cima da Madeleine e encosta o rosto ao dela. 
Coloco minha mão na testa da Lou e verifico se ela ainda esta com febre, mas pelo jeito o remédio fez efeito.
Voltei para a cadeira e continuei a minha leitura, tentando não me perder nos barulhos da natureza. A leitura é uma atividade muito recorrente na vida do médico legista. Na faculdade, incontáveis são os artigos e livros solicitados pelos professores. Querendo ou não, acabei me envolvendo no mundo da leitura. Minha livro atual é O Físico do jornalista Noah Gordon que conta a historia de uma barbeiro que após notar que seus conhecimentos como barbeiro eram muito poucos e que poderia aprender muito mais na Pérsia ele decide se tornar físico custe o que custar. E além disso, o livro reúne muito romance, sensualidade, aventura, fatos históricos como o cenário da Idade Media e das Cruzadas. Acho bom este livro porque o protagonista enfrenta dificuldades comuns que mostram a realidade da medicina em qualquer lugar do mundo e período histórico.
 Para mim, ler um romance é algo sensível. Sinto saudades do Paulo e conto cada minuto para vê-lo novamente, estivemos  juntos há três meses atrás e foi mágico. Apesar de todas as nuances encantadas que o apaixonar-se desperta, é preciso muito empenho, doação, sacrifícios e uma renovada capacidade de recriar-se com as asperezas que o convívio e o dia a dia podem gerar. 

Enquanto estou sentada lendo meu livro, acabo avistando Theo chegando, ele vem caminhando devagar e esta usando uma bermuda verdadeiramente horrível e uma camiseta regata da cor vermelha, e até seu óculos esta extremamente ridículo. Será que essa é a roupa de praia dele. Qual é. Estamos em Fernando de Noronha.
 Quando ele subiu as escadas logo percebi que seu rosto já tinha sido queimado pelo sol. Peguei o protetor solar que fica sempre dentro de uma bolsinha pendurada perto da porta do lado de fora.

— Ei!? — Chamei a atenção dele. — Você não tem isso?

— Estou tão queimado assim? — Theo passou a mão no rosto.

— Você deveria ter ligado para ela. — Falei apenas para ele ouvir. — Você viajou e não deixou notícias. Se eu soubesse que você ia sumir para...

— Preciso conversar com você. — Theo tirou os óculos. — Lá dentro.

Quero mesmo saber o que ele tem para falar, então entramos. Levei ele para a sala. É um lugarzinho cheio de coisas do Raul, tem uma televisão antiga, um sofá antigo e uma mesinha cheia de fotos da Madeleine de quando ela era pequena. As fotos chamou a atenção do Theodoro.

— Parece a Louise. — Theo pegou a foto de quando a Maddie tinha quase um ano. — É a Madeleine?

Balancei a cabeça concordando.

— Então, o que era que você ia contar? — Perguntei.

— Não quero que a Madeleine saiba. — Theo virou-se para mim.

— Péssimo jeito de começar. — Sentei-me no sofá.

Por dois anos vi Madeleine chorando por causa dele e isso me deixava brava, por não saber o que fazer. Agora ele esta na minha frente querendo que eu esconda mais alguma coisa da minha prima.
Eu não sei como e nem quando comecei a ter um amor materno pela Madeleine. Sou só três anos mais velha que ela, mas isso não impede que eu a proteja como se fosse a minha própria filha. E ela me ver como uma segunda mãe, tem gente que considera a avó, a madrinha ou no caso da Madeleine a prima mais velha.

— O que ela contou a você sobre a minha viagem? — Theo perguntou.

— Tudo. — Balancei a mão.

— Jorman não morreu em um acidente de carro. — Theo começou. — Eu atirei nele... — Minha boca abriu e Theo fez sinal que ia continuar contando. — Fiquei preso por um ano e depois sair e ajudei a polícia a destruir a empresa de Jorman. Não ache que eu tenho orgulho disso, me arrependo todos os dias. E eu sei que você não esta feliz comigo. Eu não fiz o que prometi.

— Eu falei para você ligar para ela, eu falei. — Comecei a andar de um lado para o outro. Não acredito que ele matou alguém. — Fingir que não sabia onde você estava e o que você estava fazendo, mas só fiz isso para protegê-la.

— Só contei meus planos porque eu sabia que você protegeria ela.

— Quero que você saia daqui.

— Eu amo a Madeleine.

— Eu sei que você ama. — Falei. — Por favor, você precisa ser sincero com ela. Madeleine não é uma pessoa que briga por motivos bobos, e ela sempre tenta perdoar todos.

— Eu sei. — Theo caminhou para a porta e saiu.

Aprendi a ouvir o coração, ou a intuição com a minha mãe. E eu conheço o Theo a muito tempo, e nos ajudamos com problemas. E ao contrário do que parece, ouvir o coração é uma decisão sensata. Geralmente sei o que é melhor para mim lá no fundo, mesmo que camadas de racionalidade tentem me confundir, fazendo com que eu relativize tudo.
É claro que ele ama, eu percebi isso.
Mas a pior coisa é esconder algo de alguém. E principalmente quando é a Madeleine.
Theo e Madeleine sempre se dão bem, e conseguem resolver um problema que se tornaria um grande problema em outros relacionamentos.
Pensei em Lou, que logo saberá o que é um pai e vai querer ter um. Eu sempre estive com as duas desde o dia que descobri a  gravidez até o dia que a bolsa de Madeleine estourou. A previsão para o nascimento de Lou era dia 16/05/19, mas ela acabou chegando no dia 13/05, e foram mais de oito horas de contrações, se nenhum avanço de dilatação e acabou que optaram por uma cesárea e a recuperação foi longa e dolorosa.
Me lembro de como eu fiquei sentimental já que eu também esperava uma menininha e eu a perdi, e logo Raul e Ben estavam com a criança Dinesh em casa, então, eu comecei a me sentir vazia já que todos ao meu redor parecia esta sendo presenteados com bebês e eu não. Mas criei coragem, bati no peito mais uma vez e encarei a situação.

Minha cabeça agora doía. Theo tinha jogado uma bomba em meu colo, e eu não sei o que fazer. Talvez se eu nunca contar a Madeleine, vou evitar brigas e ela nunca saberá disso, talvez até se case com Theo e tenham uma vida felizes. Minha mãe Cecilia sempre disse que fazer as pazes era a melhor coisa, e que amigos de verdade brigam, seja por erros cometidos ou mesmo divergências. É engraçado ela sempre falar isso, mas não se lembra que tinha cinco anos que não conversava com minha tia Louise quando a mesma morreu em um acidente de carro. Família é complicado.

No Ritmo da Nossa Música{Concluído}Onde histórias criam vida. Descubra agora