Capítulo 55 - Madeleine

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Madeleine

      Eu vou contar...
Quando eu estava no meu quinto mês de gravidez perguntei para a minha mãe como eu ia contar quando a criança perguntasse pelo pai. Ela dizia que iríamos dizer que o pai havia morrido num acidente enquanto eu estava grávida. No meu último mês de gravidez entrei em desespero e falei que não conseguiria contar se um dia precisasse, então, minha mãe pegou na minha mão e disse " eu vou contar". E agora estou sozinha. Ela não está aqui.
Adiei este dia, joguei tudo para debaixo do tapete e torci para ninguém levantar ele. Mas todos os dias passava perto do tapete e sabia o que tinha lá embaixo, algo que só eu posso revelar.
Ontem a noite a Emilia chegou até mim com a testa machucada e um coração magoado. Laura falou coisas sobre mim, coisas terríveis. Não a culpo por está com raiva, mas não quero que ela use isso para afastar Emilia daqui.
Agora, todo mundo está lá na cozinha enquanto estou aqui sentada na grama do quintal com os meus cachorros. Pesquisei relatos de pessoas que tiveram filhos de abuso e também pesquisei  relatos dos filhos. A maioria ficou sabendo quando tinha onze anos e outros com dezoito anos.

Os braços de Lou se envolveu no meu pescoço. Ela está andando mais firme agora, por isso não percebi sua chegada. Virei-me para ela e distribuir beijos em seu rosto.

— Dormiu bem? — Coloquei minhas mãos na cintura dela e a olhei nos olhos. E ela balançou a cabeça dizendo que sim. — O que a mã falou para você ontem?

— Que eu... sou importante. — Lou colocou o dedinho na boca.

— Isso. Você e a Emilia. Vocês são importantes. — Beijei a testa dela.

— Ela é minha irmã, mã? — Lou perguntou olhando para os pés.

— Sim, bebê. Ela é sua irmã. — Puxei ela para o meu colo.

Uma coisa que me dá orgulho é ainda amamentar. E enquanto a amamentação continuar a ser prazerosa para nós duas, não há nada que me impeça de prosseguir. Levantei minha camiseta e permitir que Lou pegasse meu seio direito. Deitada no colinho, olhos nos olhos, Lou me acaricia enquanto mama. É um momento só nosso, ninguém pode me substituir nessa tarefa e internamente eu me sinto cada vez mais especial, sinto o poder de ser mãe.
Olho para o céu, sei que tem pessoas esperando que eu faça algo. Se a Lou já acordou, isso quer dizer que a Emilia também.
O mundo está tão evoluindo hoje, gostaria que alguém inventasse algo para trazer de volta aquelas lembranças profundas que estão por aí, perdidas, vagando. Gostaria de poder lembrar de algo da minha infância. Hoje quero muito apagar de vez da memória algo que me fez muito mau.
Algo dentro de mim grita para eu colocar algo tocado por piano. Meu cérebro pede por isso. Volto a olhar a para Lou e sorrio. Pego meu celular e procuro pela a minha favorita no YouTube. Isso, preciso ouvir Beethoven. Heitor sempre me falou sobre os benefícios de ouvir música clássica. Sinto que estou restaurando a harmonia com meu corpo, minha alma, e até sinto a elevação da minha consciência. O toque e a melodia parecem combater a negatividade, o stress e o desequilíbrios psicossomáticos. A música parece restabelecer a serenidade da minha mente, atuando no ritmo e na frequência do meu corpo. Em ritmos lentos, o meu corpo escuta-o, e pulsa de acordo com ele, reduzindo o ritmo agitado em que estava. Isso para mim parece produzir um efeito de massagem sonora, diminuindo até mesmo as tensões. Sinto uma enorme vontade de tomar uma taça de vinho, talvez duas ou mais.
Tirei Lou do meu seio e olhei-a bem.

— A mã tem que fazer uma coisinha agora. — Arrumei minha camiseta.

Peguei na mão dela e fomos para dentro de casa. Todos me olharam quando eu cheguei. Emilia estava em pé perto de Zalika.

— Já falei que vou ficar aqui. — Emilia olhou para Laura. — Isso não quer dizer que estou deixando vocês.

Soltei a mão da Lou e fui direto para a geladeira. Eles viraram a cabeça para mim, acompanhando meus passos.  Abri a geladeira e procurei por uma garrafa de vinho. Sei que comprei uma faz alguns dias. Na gaveta de baixo acabei descobrindo que tinha não só uma, mas três garrafas da marca Cosecha Tarapaca Merlot. Peguei uma e virei-me para sair.

No Ritmo da Nossa Música{Concluído}Onde histórias criam vida. Descubra agora