1.5. Pai

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A principal fonte de renda da Fazenda do Pombal era a mineração de ouro em uma lavra perto do Rio das Mortes. Havia outras atividades no local, como roças e criação de animais, cujos produtos eram consumidos no local ou utilizados para troca com pequenos sítios da região. Já a extração do mineral, motivo maior de colonização da capitania, representava o motor econômico da fazenda e ocupava mais da metade da força laboral dos cativos do Pombal.

Mais de dois anos haviam se passado desde a trágica ocorrência com Antonia e muitos moradores do local haviam se esquecido do que se passara. Alguns atribuíram a morte a causas naturais: súbita ocorrência de tuberculose contagiosa, dizia o sábio Gengibran, negro de Angola, que se lembrava que junto com a sinhá haviam sido contagiados e falecidos quatro africanos.

Nada disso, dizia a velha Nena, cozinheira mãe do pequeno Pedrinho. Ela disse que em alguma viagem eles não comeram as comidas dela, caçaram um animal doente na floresta e morreram por cancro do estômago. Ela relatava lembrar como a patroa e os quatro amigos tiveram dores terríveis, que geraram gritos excruciantes, enquanto tentavam evacuar. Ela recomendou comerem ameixa, mas os cabeças-duras se recusaram...

Joaquim não tinha tal sorte. Ainda que fantasiasse alguns detalhes, como o tamanho das bestas (que em suas lembranças pareciam gigantes), lembrava-se bem do que realmente eram: mortos-vivos disformes, com grandes dentes de felino, que vieram se vingar de sua mãe por motivos injustos.

***

Joaquim, agora com onze anos, ajuda o pai na principal lavra da Fazenda, denominada Mina do Carvão. Localizada ao lado do Rio das Mortes, aquela vala tinha algo especial. Não era o ouro preto de aluvião, coberto por compostos férricos, cuja farta ocorrência na capitania fez de tantos mineiros homens ricos da noite para o dia.

A característica diferencial, raríssima na natureza, era a ocorrência de ligas com significativas proporções de prata junto com o ouro. A prata, o pai havia explicado há algum tempo, era importante não por seu valor econômico, e sim por outro interesse da família Silva Xavier: era utilizada para fabricar algumas armas e possuía propriedades místicas que o menino apenas havia ouvido falar, sem compreender.

Naqueles longos dias de verão, o trabalho nas lavras de ouro era intensificado. O tempo chuvoso podia atrapalhar os trabalhos, mas também ajudavam a mover os moinhos de mineração: a água, como motor, girava os baldes com terra, pequenas rochas e cascalho ricos em ouro. Os baldes eram enchidos por alguns dos negros da operação de mineração. Por meio de canos, águas eram canalizadas para a mina, e a violenta força da gravidade lavava o material e depositava no fundo das caixas de madeira a tão buscada liga metálica. Posteriormente os componentes da liga eram separados por processos químicos.

Antes da morte da mãe, apenas parte da prata resultante era trocada com outras famílias que lutavam pela aniquilação de vampiros, enquanto a maioria desse mineral era utilizado em armas fabricadas por Antonia. Agora, com o falecimento da matriarca, toda a prata estava sendo trocada.

***

Na Mina do Carvão, os dias longos podiam ser utilizados para produtividade maior. Domingos confiou na sagrada luz do sol, que queimava os vampiros, associado à abundância de água, que conhecidamente espantava tais monstros. Aquele dia foi resultado dessa imprudência.

Neste sinistro dia, dezesseis pessoas estavam na operação da Mina. Treze eram escravos, cuja maioria se encontrava na função de encher os baldes de minério; duas crianças, o "escravo" Pedrinho, de doze anos e Joaquim, filho do dono da Fazenda, aprendiz e realizador de serviços gerais; o filho mais velho, Domingos Filho, que realizava tarefas intelectuais do empreendimento: e Domingos, proprietário da Fazenda, chefe e encarregado geral da operação de mineração.

O fim da tarde oprimia as almas, mas a ganância impelia a continuar a atividade.

No final da tarde, nuvens negras pressagiaram chuvas, mas o líder não quis interromper os trabalhos. De repente, Pedro sente um calafrio e diz com voz oscilante:

- Tem algo ali no mato, pessoal, é onça, e tem mais de uma. Vambora daqui!

- Tem nada ali não, menino – diz Jota, um dos trabalhadores que carregavam os baldes com minério na esteira.

Domingos mandou que todos interrompessem as atividades e observassem em volta. – É bom assumir posições defensivas!

Um raio cruza as nuvens chuvosas, que poucos segundos depois é seguido de um estrondoso trovão. O fenômeno meteorológico distrai o grupo, que nem percebe quando um grupo de sete vampiros desce de uma árvore e corre em direção a Domingos.

Um dos escravos grita: cuidado! Mas já é tarde, Domingos foi atingido no braço pelas garras do vampiro que se posiciona à frente, e cai ferido no chão.

Os sete peões se posicionam em fileira, em formato da letra V, com um à frente e três em cada lateral.

Joaquim observa que os sete monstros não são uniformes. Possuem diferentes tamanhos, origens étnicas e até composição mórfica – tamanhos variados de garra e de orelhas pontudas.

Atrás deles surge uma figura humana. Parecia um dândi inglês saído do sarau com o governador. Mas, em seu sorriso sombrio, ressaltam-se dentes que revelam o caráter vampírico. Mas um vampiro de natureza distinta dos que Joaquim tinha visto até aquele momento.

O grande vilão, oculto atrás da formação da estrutura de peões, diz:

- Seus tolos! O que fizeram em Minho nunca será esquecido! Eliminaremos todos que participaram do assassinato do nosso líder! Sua família poderia ter sido aliada dos vampiros, mas escolheu essa traição, esse caminho miserável de se organizar nessas guildas populistas. Domingos, você não terá o direito de virar vampiro, seu sangue será apenas alimento para dois ou três de nossas tropas.

O Chefe da família olha para Joaquim José, escondido perto do fluxo de água que alimenta a planta de mineração, e diz: "Adeus, filho"...

Num movimento rápido, usa o braço restante para tirar do casaco um pequeno objeto cilíndrico, que, ao ser atirado perto dos peões, gera uma explosão. Essa explosão, claramente mágica, afasta dois deles, e quatro caem no chão, consumidos em chamas até desaparecer. Não demorou muito para Joaquim perceber que seu pai também fora mortalmente ferido pelo artefato.

O líder dos vampiros está transtornado, agindo de forma errática, e, com sangue nos olhos, começa a andar na direção de Joaquim. Nesse momento, Pedro, com uma força inédita, derruba uma das escoras da canalização de água, desmanchando a sustentação da maior obra de engenharia da Fazenda. Um volume grande do líquido vital começa a descer, morro abaixo, e os vampiros remanescentes são envolvidos por aquela massa barrosa. Os meninos aproveitam para fugir.

No dia seguinte, organizam-se diversas expedições para localizar Domingos, ou no mínimo o que sobrou do cadáver. Nada foi encontrado. O capataz olha para baixo e anuncia: Domingos foi devorado pelas onças. O filho mais velho dá o veredito: é, foram as onças mesmo, é necessário fazer o registro do óbito e proceder aos trâmites legais.

Tiradentes Jovem contra os VampirosOnde histórias criam vida. Descubra agora