3.4. O Bispo - Parte 2

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Corredores estreitos e em geral vazios levavam a salas com portas que, após abertas, davam em novos corredores. Eles subiam e desciam escadas. Em pontos estratégicos havia sacerdotes e monges posicionados, fortemente armados. Aquilo o lembrou uma organização militar. Mas não havia opção. Os religiosos continuavam conduzindo-o pelo interior do mosteiro.

Ainda bem que vampiros não podiam pisar em solo sagrado, pensou ele. Se pudessem, aquela situação seria ainda mais suspeita. Ele tentava ficar atento ao caminho seguido, mas percebeu que não encontraria sozinho a saída.

Joaquim sentiu-se aturdido com o alto som de seus próprios passos. O sapato batendo no chão o lembrou, por um instante, de ferraduras de cavalos batendo em um chão de pedras portuguesas. Os padres caminhavam em silêncio.

Subiram uma longa escada. Ao final de extenso corredor, sem bifurcações, havia uma larga porta, feita de pedra. Parecia a guarda de um cofre e duas pessoas estavam em guarda nas laterais da porta. O padre bateu sete vezes, em uma sequencia que parecia um código. Outro sacerdote abriu a porta, e Joaquim foi convidado a entrar, e após dar dois passos ouviu a sólida entrada sendo fechada atrás de si.

O sacerdote se posicionou à esquerda da porta, em posição de guarda. A sala era grande, cheia de estantes coalhadas de livros. Também chamava a atenção a presença de tubos de ensaio, vidros, caixas e outros elementos atípicos, que lembravam a ele um dos proibidos laboratórios químicos que ele visitou no centro de Vila Rica. – Alquimia - pensou ele - A igreja não aceita isso...

Ao centro da sala, atrás de ampla janela de vidro, havia um sacerdote com uma roupa especial. Era o bispo, fazendo leituras, com uma caneta tinteiro, alheio à presença do jovem ali.

- Senhor, aqui está o jovem da família da Silva Xavier. – pigarreia e anuncia o sacerdote.

- Senhor, eu vi procur... – começou a dizer Joaquim, quando foi interrompido por um som gutural que o assustou.

O Bispo Silva finalmente levantou a cabeça, sorriu sem mostrar os dentes e olhou para o mascate. Joaquim o encarou e avaliou que seu rosto transmitia serenidade, bondade, calma. Aquele homem não parecia comum, tinha uma aura de santo mesmo, conforme explicado no guichê de entrada

- Boa tarde, meu filho.

A voz grave e doce ecoou pela sala. Joaquim respondeu com um gesto de cabeça, mas não conseguiu dizer nada.

- Sua família é bem recomendada. Sebastião Leitão, um valoroso doador da igreja, recomendou seus irmãos, que se tornaram bons padres. Mas os monges me disseram que você andou incomodando pessoas em diversas partes do mosteiro. É verdade?

Joaquim abriu a boca, fez força para falar, mas não saía som de sua garganta.

- Calma, meu filho. Respire fundo e me conte.

- Senhor Bispo – finalmente o som se tornou audível, ainda que a voz do Tiradentes estivesse anormalmente estridente -, em primeiro lugar, agradeço à honra de ter me recebido. Vejo em sua aura, e também nas grandes obras dessa igreja, a sua santidade e devoção à causa do bem. Mas minha busca é justa. Preciso falar com meus irmãos, Domingos Filho e Antonio da Silva Xavier. Sei que eles estão aqui.

O sorriso do bispo se desfez, e um ar de tristeza tomou seus olhos. Ele virou a cabeça e olhou pela janela, por onde alguns pássaros voavam apressados. Voltou-se para Joaquim e disse:

- A notícia não é boa, meu filho. O padre Domingos Filho saiu do mosteiro faz cerca de dois meses. Ele adotou práticas pecaminosas. Nós tentamos acolhê-lo, pois aqui todos são iguais e o perdão é uma dádiva de Jesus. Mas ele não aceitou se confessar. Fui informado que ele viajou ao Mato Grosso, para construir uma nova vida. Parece-me que ele abandonou o sacerdócio e está vivendo práticas do diabo.

- Que práticas de pecado, senhor Bispo? Ele não faria isso... Por que não me mandou mais cartas? Algo sinistro aconteceu!

- Você terá que encontra-lo e perguntar, mas seu caminho está longe deste Mosteiro. Não me cabe julgar, mas posso lhe garantir que ele saiu voluntariamente.

Joaquim aquiesceu, apesar de notar que a história era estranha. Perguntou:

- Encontrei o Antonio, mas ele não quis falar comigo.

- Meu filho, você não pode obrigá-lo a falar. Antonio me disse que você foi autoritário com ele. As pessoas são livres.

- Antonio falou com vossa santidade?

- Sim, não é preciso abrir a boca e falar com sons para se comunicar. Seu irmão Antonio me transmitiu essas ideias por pensamento.

- Como? Pensamento?

- Você não entenderia, meu caro. Somente quem jejua e estabelece uma relação mais íntima com o divino sagrado consegue perceber a cumplicidade e a comunicação mental que nós estabelecemos aqui.

- Bispo... – ele hesitou e continou – Eu vi umas tatuagens estranhas em alguns monges. O Antonio...

- Basta! – o bispo bateu na mesa - Não há tatuagem alguma, entendeu? De onde tirou essas coisas? Você está bêbado?

- Mas eu...

- Não! Você me depeciona com esses delírios. Vá se recompor e vá trabalhar! – O bispo parecia bravo e encarava duramente o jovem Tiradentes.

- Tenho uma última pergunta. – Joaquim encarou de volta o líder religioso e disse – Domingos e Antonio te contaram como nossos pais morreram?

- Não, mas não tenho mais tempo para ouvi-lo. Veja quanta papelada ainda tenho que analisar hoje, e depois ainda abençoarei dezenas de botocudos que aceitaram a verdade.

- Foram... – a voz de Joaquim descresceu, mas ele reuniu todas as suas forças para exprimir – foram monstros, vampiros!

Os músculos faciais, da bochecha e abaixo dos olhos do bispo, tremeram, e por um átimo as feições dele pareceram animalescas. Em menos de um segundo, ele se acalmou e respirou fundo.

- Você está maluco? Essas lendas só têm eco em mentes fracas. Vou mandar uma equipe te analisar e retirar estes demônios de seu corpo agora! – O bispo gritava, enquanto largas porções de saliva caiam de seus lábios.

Joaquim sentiu muito medo, mas fingiu segurança ao afirmar:

- Será um prazer, caro bispo, mas pode ser amanhã? Tenho uma equipe de comércio de armas me aguardando do lado de fora do mosteiro, e já está tarde. Se eu não chegar logo eles virão me procurar.

- Claro, meu filho. Você está confuso com o sumiço de seu irmão, e vejo que não aceitou a morte de seus pais. Saiba que Deus tem um plano para todos, até você. - A voz e o rosto do bispo pareciam ter voltado ao normal - Irmão Cláudio, você pode guiar este jovem para fora do mosteiro? Certifique-se que ele encontrou sua equipe.

Joaquim sentiu um alívio. Padre Cláudio abriu a pesada porta. Os padres brutamontes ainda estavam lá, e todos escoltaram o comerciante para fora da igreja.

Tiradentes Jovem contra os VampirosOnde histórias criam vida. Descubra agora