3.2. Mosteiro do Buraco Sagrado

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Ao longo da viagem, Joaquim José conseguiu estabelecer diversas trocas e vendas, o que permitia que progressivamente a carga fosse aliviada. Em uma fazenda produtora de açúcar, enquanto eram negociadas duas lâminas e algumas especiarias, Pedro riu do que via: Joaquim usava sapatos de couro com um leve salto, meias finas de seda, verdes, abaixo do joelho; acima, a calça marrom e cheia de babados terminava em um grosso cinto branco; no tronco, uma jaqueta grossa e verde escura com longas mangas. Gotas de suor escorriam pelo rosto bem barbeado do mascate.

Após concluir a transação, o líder da expedição deu uma dura bronca no escravo amigo:

- Por que ficou rindo, seu idiota?

- Desculpa, chefe. Apenas tava pensando que suas roupas são quentes e desconfortáveis para esta viagem.

- Você não deve pensar, e sim realizar as tarefas que ordeno. Estas vestimentas são importantes porque somos julgados pelos outros e isso influencia no valor final dos produtos. Esta roupa é compatível com a última moda em Lisboa e meus clientes valorizam isso.

O escravo, que usava roupas leves e rasgadas, sorriu e pediu desculpas novamente. Não estamos em Lisboa, ele pensou, mas preferiu ficar quieto. Sentimentos antagônicos inundavam a mente de Pedrinho. Ainda que Joaquim lhe despertasse carinho e cumplicidade, ele se lembrava com dor das condições precárias que os escravos enfrentaram nas senzalas da Fazenda do Pombal. Domingos, pai do mascate, havia em diversas ocasiões açoitado os negros que fugiam ou cometiam erros. E a família recorria a capitães do mato para capturar e punir de forma cruel os fugitivos resgatados. Ainda que o chefe o tivesse prometido alforria para dali a alguns anos, não havia garantias e muito tempo de sofrimento estava pela frente.

***

Prosseguiram viagem até a Vila dos Aimorés, onde montaram acampamento. Com cerca de 700 habitantes, era a maior aglomeração urbana da região e ficava a menos de cinquenta quilômetros do povoado de Cuietés. OS aimorés eram pacíficos e se integravam bem com os brancos, negros e mestiços. O local era bem próximo do destino final da viagem, e para evitar problemas, Joaquim achou prudente deixar os cavalos e mantimentos restantes um pouco distantes do mosteiro.

Naquela noite longa, os cavalos pareciam estar desmaiados de pé, e Pedrinho roncava em volume desproporcional. Joaquim não conseguia pregar os olhos.

No dia seguinte, Joaquim prosseguiu a cavalo sozinho. Finalmente, depois de meses de viagem, ele iria realizar o primeiro passo concreto da missão em busca de seu irmão. Era a visita oficial ao mosteiro em que Domingos Filho estava atuando. O Mosteiro do Buraco Sagrado era considerado a última fronteira entre a civilização cristã e os selvagens, índios botocudos perigosos e pagãos que resistiam ferozmente à catequese.

Ao olhar o mosteiro, Joaquim ficou impressionado com o tamanho da construção. Ponto de encontro de grandes números de religiosos, peregrinos e sacerdotes evangelizadores, tinha características marcadamente barrocas, mas minimalista nos detalhes artísticos e grandioso no tamanho.

Ao lado do mosteiro, uma antiga mina de ouro cujo acesso estava bloqueado por taipas de madeira. A mina, que foi explorada por colonos ingleses por várias décadas, parecia abandonada.

Ele observou à distância e resolveu rodear para entender a dinâmica dos religiosos. Após mais de três horas de caminhadas e observações, ele viu três sacerdotes, cobertos do pescoço aos pés por mantos escuros e túnicas soltas nas costas. Mas a silhueta não o enganou: era seu irmão Antonio! Ele correu e confirmou o rosto familiar.

- Antônio! Irmão! Estou com saudade!

O sacerdote, sério, não disse nada. Correu para uma porta lateral e adentrou a igreja. Outros dois padres, também mudos, ficaram imóveis e com postura ereta, como uma barreira física entre Joaquim e Antônio. Joaquim não insistiu na comunicação, mas reparou que ambos possuíam uma marca no pulso. Parecia uma tatuagem feita com faca, uma estranha cicatriz com a letra A estilizada, em que o traço central era mais longo que o comum.

***

Após entrar na capela principal e efetuar algumas rezas, sempre atento às movimentações no seu entorno, Joaquim procurou o padre que circulava próximo ao altar. Ele usava uma bata tradicional, preta, e não parecia ter tatuagem ou cicatriz.

- Senhor, com licença.

O Padre olhou e deu um longo sorriso para Joaquim, que continuou:

- Peço sua benção, Padre. Ajude-me a encontrar meu irmão, o Padre Domingos Filho. Você o conhece?

O Padre mudou as feições faciais quando escutou o nome que fora pronunciado. Parecia consternado e não demonstrou interesse em continuar a conversa com Joaquim.

- Não conheço, não sei do que você está falando. Peço desculpas, tenho um compromisso agora – disse o sacerdote, com postura corporal de que vai sair da sala.

- Padre, me ajude, preciso encontrar meu irmão. Meu outro irmão, Antônio, também está aqui, mas está muito estranho e não me respondeu!

O Padre não respondeu, e andou rapidamente para sair por uma passagem privativa. Joaquim tentou segui-lo, mas a porta se fechou e ele verificou que estava trancada. O mascate se viu sozinho novamente e dúvidas e escuridão penetraram em sua mente.

Tiradentes Jovem contra os VampirosOnde histórias criam vida. Descubra agora