1.4. A verdade

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Dias depois do enterro, a família é novamente reunida, e ao lado da cruz que marcava o local do enterro, é colocada uma placa, com o nome completo da mãe, a data do óbito e a frase Amorem vincet genere mali. Após a deposição da placa de madeira, o pai discursou apenas para o núcleo familiar.

De forma emocionada, explicou a frase em latim: "meus filhos, isso que está escrito na placa significa que o amor familiar vencerá o... o"... Engasgou, passou a mão esquerda nas lágrimas dos dois olhos, e continuou: "vencerá o mal". Tomou fôlego e continuou: "Rogou que consigamos nos unir para derrotar a manifestação terrível e inaceitável de uma corrupção humana".

Nos dias seguintes, lentamente a rotina da Fazenda é retomada, e passam-se as semanas e os meses. Em Joaquim José, cresce uma revolta interna, que só é aplacada muitos meses depois, quando finalmente o pai o chama para uma conversa. Também participam os três irmãos seniores: Domingos Filho, o mais intelectual, e oito anos mais velho; Maria Vitória, quatro anos mais velha, e Antônio, apenas um ano mais velho que o menino.

- Filhos, não espero que compreendam, mas de certa forma eu sempre soube que este momento trágico chegaria - disse Domingos.

Após pigarrear, ele toma fôlego e engata uma explicação há muito engasgada:

- Nossa família não é comum. Viemos do Minho, no Norte de Portugal, onde seu avô, pai de sua mãe, era um grande líder na luta contra esses monstros. Nós os chamamos de vampiros, os maléficos, terríveis, corruptos, inumanos. Eu também, desde cedo, fui criado nesta tradição de luta contra esses vermes malditos. Muitas tragédias assolaram a Europa, e a verdadeira razão são estas criaturas dentadas que precisam nos matar para viver.

Ele para por alguns segundos, e se retifica:

- Viver, não, pois nossos estudos indicaram que estes... Estas criaturas... já estão mortas.

Domingos Filho, que já conhecia a maioria dos elementos dessa história, não presta muita atenção e olhava de forma vaga para nuvens cinzas no céu. Antônio, apavorado, olha para baixo e tenta não se focar no discurso assustador do pai. Joaquim e Maria Vitória estão vidrados na explicação, absorvendo cada gota de valiosa informação, pela primeira vez derramada neste seio da família. Os dois possuem sentimentos misturados, mas a raiva e confusão direcionava sentimentos negativos ao pai. Agora chega o momento em que a verdade será compartilhada para eles!

Domingos encostou a palma da mão no ombro de Joaquim, e finalmente conseguiu afirmar um sorriso: - Sintam orgulho! Numa operação comandada pelo pai de sua mãe, nossos antepassados conseguiram matar um dos reis destes monstros. Ele era conhecido como Rex Portus, e estava no Minho a tentar expandir território. Essa vitória está a repercutir em nível mundial, e nossas organizações estão otimistas com a possibilidade de remover outros vampiros e afirmar uma era de luzes. Porém a morte de hoje mostra que eles querem nos retaliar, nos fustigar. Nós viemos afirmar a pureza das boas ideias humanas nestas terras brasileiras, mas há alguns meses, quando atacaram sua mãe, esses vampiros nos mandaram um recado.

Maria Vitória perguntou: Papai, esses monstros ficam mais fortes se pegarem a gente e transformarem a gente em criaturas do mal, né?

- Filha, você tocou no ponto crucial, que gera um paradoxo. Nós chamamos essa contradição de implosão demográfica. O número de monstros na península ibérica cresceu demais, gerando um problema populacional – ou como alguns vampiros dizem, uma questão ambiental. Se eles precisam matar humanos para viver, não podem acabar totalmente conosco. Quanto mais dizimada estiver a população de humanos vivos, menos habitável será um território para grandes tropas vampíricas, pois há menos fonte de alimentação.

Antônio, pálido e até então calado, arriscou - Eles comem sangue de escravos e de humanos? – perguntou, com voz baixa e rápida.

- Não seja tolo – falou lentamente, com voz grave, Domingos Filho, o filho mais velho, estudioso, que até então estava calado. - A experiência demonstra que os negros, europeus e índios são pessoas iguais, somos todos gado para esses monstros. Nosso Glorioso Deus vai nos fornecer armas para aniquilar aquilo que já está morto e continua praticando o mal.

- E a mamãe? – Joaquim perguntou, pela primeira vez com alteração na voz. Seus olhos ficaram úmidos, como os de papai poucos momentos antes. O garoto gritou: Ela estava bem, e você fez aquilo com ela!

- Ela não estava bem, meu filho. Você reparou alguns como algumas das nossas peças, nossos escravos, foram mortos na fazenda. Os vampiros se alimentaram deles. No caso da sua mãe, eles iniciaram um processo para transformá-la em besta. Em poucos instantes, ela viraria uma daquelas criaturas sem vida, sem vontade, e poderia nos atacar. Ela já estava preparada para este momento. Tivemos que examinar também o corpo do Antônio, mas como ele não foi mordido, não foi contaminado.

Faziam alguns meses do ataque à mãe, e sua memória estava fresca na mente do patriarca. O pai naquele instante foi tomado pela ideia da possibilidade de haver hóspedes indesejados rondando a fazenda. Ele engatou a última explicação, como se demonstrasse pela postura corporal que a conversa precisava acabar logo:

- Nossa experiência mostrou que a melhor forma de interromper o processo, e de matar qualquer vampiro, é pela decapitação.

"Quando o seu avô concluiu a última operação que resultou na dissolução do Rex Portus, perdemos mais de duzentos valorosos guerreiros cristãos nesta batalha em solo lusitano. Restaram no mundo apenas seis reis vampiros. Até hoje os monstros estão a perseguir os descendentes daqueles bravos guerreiros que mataram um rei. Mesmo com o deslocamento da nossa família para um continente diferente, a perseguição ainda nos abate."

Neste momento, Domingos Filho ficou em pé e tomou a palavra.

- Como irmão mais velho - ele disse com voz forte e contundente - quero seguir a carreira de Padre. Meus estudos e rezas para alcançar o estado de pureza mística começam em poucos dias. Hoje começo a arrumar meus materiais, e infelizmente vou ter que sair da Fazenda do Pombal.

O frágil Antônio esperou o mais velho terminar e disse: tenho o mesmo desejo, vou te acompanhar na Igreja, quero seguir o mesmo caminho que você, você me ajuda a arrumar minhas malas?

- Eu aprovo este caminho, a Santa Igreja tem recursos para que lutemos contra os vampiros. Saibam, porém, que todas as instituições humanas podem ser corrompidas.

- Papai, eu quero ser um guerreiro de campo. Vou ser um soldado incansável para nos vingar desses vilões! – afirmou o resoluto Joaquim José.

- Sim, meu filho, é uma luta honrosa, mas os custos nos fazem derramar lágrimas e nos dão um aperto no coração. Se nossa família formar uma unidade, como uma valiosa liga de prata e ouro, nós venceremos qualquer coisa. Também nunca se esqueçam, meus filhos, da verdadeira razão para qual viemos para cá. Não fugimos da Europa. O último informe é que nossos coletivos anti-vampíricos estão muito próximos de identificar um dos reis monstruosos que atua nos Estados Unidos da América do Norte.

Ele respirou fundo antes de finalizar:

- Além disso, há muito tempo temos evidências que o outro rei vampiro das Américas está no Brasil. Nossa missão é limpar esta terra, todas as terras, dessas deformações.

Tiradentes Jovem contra os VampirosOnde histórias criam vida. Descubra agora