29.

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— Os meus pais se preocupam muito comigo, e eu aprecio demais tudo que eles fazem por mim, mas... Bom, eu li uma vez que o que compõe o amor, acima de tudo, são as coisas pequenas, sabe? E os meus pais são ótimos com as coisas pequenas! Minha mãe sempre me liga pra perguntar como eu 'tô, meu pai me manda mensagem assim que sai do trabalho, mesmo que ele saia às três horas da manhã, e os dois sempre perguntam se eu 'tô precisando de dinheiro ou de literalmente qualquer coisa e eles me apoiaram muito quando eu decidi vir pra São Paulo, mas, às vezes... Às vezes eu queria que o amor deles saísse das palavras, entende? Que fosse algo mais palpável, algo que eu pudesse olhar e dizer "isso é amor!". Mas eu não tenho isso. Não tem fotos minhas nas paredes da minha antiga casa porque eles nunca lembravam de tirar fotos quando eu era pequena, e, quando eu cresci, eu era a responsável por tirar as fotos das minhas irmãs, então eu não apareço em nenhuma delas. Depois que eu vim pra cá, o meu quarto foi pra Luiza e as minhas coisas que ficavam lá foram pro lixo ou estão guardadas em gavetas aleatórias da casa. Eu amo eles dois e sei que eles me amam, mas o amor deles por mim é muito mais um amor de coisas pequenas e de palavras do que qualquer outra coisa.

Ela suspirou. Ele a ouvia com atenção, e sentiu o coração apertar quando ela proferiu suas próximas palavras, com a voz trêmula, pequenas lágrimas se acumulando no canto de seus olhos.

— O verdadeiro amor pode até ser composto de coisas pequenas, mas essas coisas pequenas não valem de nada se as coisas grandes são ignoradas. Rafael, desde que a minha mãe começou a trabalhar, quando eu tinha uns sete anos, ela e o meu pai se esquecem do meu aniversário e, e eu me digo que não é por mal e que eles só esquecem porque são muito ocupados, e eu sei que isso é verdade, mas dói tanto — ela inspirou, e uma única gota d'água escorreu por sua bochecha. — Eu sinto que é egoísta pedir pela atenção deles ou confrontá-los em relação a tudo isso, então eu tento ignorar a situação, mas eu não... Antes eu tinha a minha avó, mas agora ela esquece o próprio nome de tempos em tempos e eu não consigo lidar com tudo isso sozinha, e dói, e eu não sei o que fazer, e aí eu surto com umas coisas que não fazem sentido nenhum e eu... Ah, Rafael, desculpa.

Ele foi rápido em segurar as mãos dela quando ela tentou esconder o rosto nas mesmas, as lágrimas finalmente caindo de seus olhos.

— Ei, ei, 'tá tudo bem — praticamente sussurrou, soltando as mãos dela para que pudesse limpar as lágrimas que escorriam por seu rosto.

Maria Vitória tomou um tempo para se acalmar, entrelaçando seus dedos aos de Rafael e respirando fundo. Pouco menos de dois minutos depois, ela voltou a falar, com a voz controlada, porém baixa, quase que num sussurro:

— É a primeira vez que eu falo sobre isso com alguém. Eu... Eu agradeço. Muito mesmo. E eu sinto muito por jogar tudo isso em você. Eu entendo se você preferir ficar longe de mim por um tempo, eu... Ninguém é obrigado a lidar com a bagagem emocional dos outros e se você preferir—

— Maria Vitória. — Ele a interrompeu, com um leve sorriso, apertando as mãos dela com carinho, sorrindo ainda mais quando ela fez o mesmo. — Você não tem que me pedir desculpas por nada e eu já te disse, mas vou dizer de novo: eu fico onde você estiver.

Lágrimas voltaram a se acumular nos olhos dela, e então ela pulou em cima dele num forte abraço.

Horas depois, já no meio da madrugada, encontrariam-se emaranhados no sofá, na frente da televisão, enquanto passava uma série qualquer, e ela sussurraria, já de olhos pesados, com a cabeça encostada no peito dele:

— Eu gosto muito de você, Rafael. Muito mesmo.

E ele responderia, quase caindo no sono, com um sorriso bobo:

— Eu também gosto muito de você, Mavi. Mais do que você imagina.

elevador • [r.l.]Onde histórias criam vida. Descubra agora