Capítulo 37

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Nós caminhávamos lado a lado. Eu e ele sob a fina garoa. Aquela era nossa despedida. Nossos últimos momentos juntos e só nós restaria lembranças.
— O que foi aquilo? – indagou.
Gargalhei enquanto Min Jun me observava quieto. Parecia me analisar em silêncio.
— Ainda tô tentando entender – Ri – Não fica irritado quando dizem que você é o Jackie Chan, pelo simples fato de que você é asiático?
— Até você já fez isso, se lembra?
— Mas foi proposital, eu queria te irritar, é diferente!
— E conseguiu. Mas eu tenho me acostumado com isso, não que esteja tudo bem, mas é como se as pessoas ocidentais não se importassem minimamente em nos conhecer, entender nossas culturas e não tem nada de legal nisso.
— Deve ser um saco.
— Nós asiáticos achamos vocês brancos todos iguais de qualquer forma.
Balancei a cabeça e notei algo que prendeu minha atenção. Eu não via aquilo há tanto tempo.
Caminhei até uma árvore, a árvore.
— Min Jun, veja isso! – Apontei para as letras e talhadas no tronco.
Min Jun olhava aquilo sem entender nada, franzindo o cenho, parecendo concentrado em desvendar o mistério.
— “E+L=❤️”- Li as letras emolduradas em um coração maior e torto – O que seria isso?
— Erick e Lisa ou Liz, como ele me chamava – Sorri de orelha a orelha.
Era uma boa memória.
— Erick e Lisa...
— É, eu e Erick fizemos isso quando tínhamos sei lá, uns 13 anos...
— E quem seria Erick?
— Meu primeiro namorado e meu primeiro amor – Alisei as letras com as pontas dos dedos.
— Pri-Primeiro amor? – Pareceu engasgado.
— Uhum. Eu não o vejo há tantos anos, me pergunto como ele está agora...
— Por que isso importaria?
— Min Jun, ele foi meu primeiro amor, meu primeiro beijo, meu amigo, é claro que eu gostaria de saber como ele está.
— Não vejo necessidade nenhuma disso não... – Cruzou os braços incomodado.
— Será que ele ainda é tão bonito quanto eu me lembro? Erick era o garoto mais bonito do colégio. A maioria das garotas era louca por ele, mas por alguma razão Erick gostava de mim
— Hum...
— Ei, está prestando atenção? Está com ciúmes Min Jun?
— Ciúmes do seu namoradinho de infância? Claro que não, seria ridículo... Mas você gostava muito dele?
— Muito, como eu disse, foi meu primeiro amor e o primeiro amor é inesquecível diferente dos outros, entende?
— Não, não entendo Lisa – Me encarou com olhos entediados.
— Vai me dizer que não se lembra do seu primeiro amor... – Ergui as sobrancelhas e pisquei uma dezena de vezes aguardando sua resposta.
— Você é meu primeiro amor Lisa – Afirmou sem hesitar ou qualquer receio.
— Ah não, isso também. Seu primeiro beijo, sua primeira namorada, sua primeira você sabe o que, seu primeiro amor. Acho que ganhei na loteria – Comemorei irônica – Isso nem é normal Min Jun. Nenhuma garota nunca se interessou por você quando era um garoto? Sabe, você é um cara atraente e acho bem difícil ninguém nesse mundo ter se interessado por você.
— Houveram algumas garotas...
— Viu só!
— Mas eu não me importava com elas...
— Sério?
— Espalharam até rumores sobre minha sexualidade. Foi bem complicado. Eu só tinha medo de me relacionar, porque o relacionamento dos meus pais tinha sido uma droga.
— Entendo.
— Muitos anos depois eu perdi o medo de relacionamentos e encontrei uma mulher realmente legal, mas estraguei tudo.
— Fico feliz que tenha entendido – Sorri sarcástica e voltei a caminhar.
***
Voltamos Para casa sob um incômodo silêncio. Talvez não houvesse mais nada a ser dito. Não tínhamos o que conversar. Talvez houvesse muito a se pensar.
Apesar da recente recaída, não estava tudo bem entre nós. Toda aquela situação ainda me incomodava. Me irritava. Algo em mim me dizia constantemente para socar sua cara e chutar suas bolas, mas minha parte racional me trazia de volta à realidade, e na realidade essa não era uma opção viável, mesmo desejando muito aquilo. Outra parte de mim sabia que eu não conseguiria fazer isso, seria mais provável que eu segurasse sua mão e corresse para Deus sabe onde, longe de tudo e todos, e ali seríamos felizes de para sempre.
Mas o mundo real é bem cruel. A realidade é o tipo de coisa que bate bem na sua cara, com um daqueles golpes mortais que tiram sangue do teu nariz e deixam seu rosto todo deformado, enquanto você clama por misericórdia pela sua vida.
A realidade gosta de pregar peças e criar situações inesperadas. Talvez ela seja sarcástica demais para o meu gosto.
Ele estava lá quando chegamos. Sentado no sofá, conversando amigavelmente com meus pais, segurando uma caneca com café nas mãos.
— E-Erick? – Indaguei incerta.
Poderia ser coisa da minha cabeça. Estávamos falando sobre ele há pouco e talvez eu só estivesse bem louca. Ou algum parente loiro aleatório que ainda não havia conhecido.
A conversa e as risadas pararam. Os olhos azuis ele me encontraram sob o batente da sala. Eu conhecia aqueles olhos.
— Liz! – Erick sorriu e saltou do sofá florido.
Ele ainda se parecia com o que eu me lembrava. Cabelos loiros, um pouco mais escuros que antes, os mesmos olhos azuis, mas claramente mais alto, o mesmo porte magro com poucos músculos que contornava seus braços.
Ele veio até mim com o mesmo sorriso que me conquistou na sétima série.
— Liz, achei que não conseguiria te ver antes que fosse embora!
— Parece que conseguiu!
— É, eu consegui – Concordou sem jeito – Você... Uau, você está linda, melhor do que na televisão e melhor do que eu lembrava.
— Eu usava aparelho, uma franja ridícula e tinha o rosto salpicado de espinhas. Não sei nem como você gostava de mim.
— Eu te achava linda, francamente ainda acho – Sorriu e senti as pernas bambas.
Ouvi um pigarro do meu lado. Min Jun não parecia nada satisfeito com a situação.
— Ah, sim... Esse é Min Jun, meu “marido”- Fiz aspas no ar- No programa, é claro.
— Prazer em conhecê-lo Min Jun – Estendeu a mão e com um olhar incomodado Min Jun retribuiu o aperto – Sou Erick Wheeler. Adoro seu reality show, sou um fã.
— Isso é sério? Você me assiste?
Erick segurou uma risada e depois gargalhou.
— Não, não, isso foi uma brincadeira, eu nem sei o nome desse programa. Me desculpe, é que não é exatamente o tipo de coisa que eu sou ligado, e eu trabalho o dia todo, então quase não tenho tempo pra televisão. Não entendo nada desse mundo de celebridades.
— Não perde nada! – Sorri amigável – Não vai dizer nada a ele Min Jun – O cutuquei com o cotovelo.
— O que quer que eu diga? – Resmungou mau humorado.
O coreano ranzinza estava de volta.
— Só seja gentil e simpático, parece até que entrou num funeral...
Então entendi.
Ciúmes
Mais uma vez, ciúmes.
Ridiculamente enciumado.
— Erick, pode nos dar um momento, eu já volto!
— Claro!
Puxei Min Jun pela manga da camisa e o arrastei para outro cômodo
Cruzei os braços, tentando parecer intimidadora enquanto tentava encará-lo com cara de poucos amigos.
— Eu não acredito que você está com ciúmes Min Jun!
— Não estou com ciúmes.
— Você é inacreditável, nós terminamos!
— Não foi bem o que pareceu naquele prédio abandonado! – Pontuou e com razão.
— Foi... Foi uma despedida e... E você sabe muito bem disso. O que nós conversamos sobre o direito de não ter ciúmes de mim?
— Eu sei Lisa, eu sei. É que...
— Apenas se contenha, pelo menos finja ser educado. Erick é um cara legal, pelo menos era, até onde me lembro. Você vai sorrir e tratá-lo bem. Ele é um amigo, então só não seja um babaca!
Marchei irritada de volta a sala de estar.
— Está tudo bem Liz? – Erick indagou preocupado.
— Sim, tudo ótimo, quero dizer... Min Jun não estava se sentindo muito bem, ele vai ficar sozinho por um tempo, mas eu posso ficar e conversar com você, podemos ir até meu antigo quarto se não se importar.
— Não tem problema?
— Não, claro que não – Ri e recebi um lindo a sorriso em troca.
— Tudo bem então.
— Nós vamos conversar lá em cima – Anunciei num grito para quem pudesse ouvir.
Subi os degraus o conduzindo pelo corredor até meu quarto.
Felizmente não havia ninguém por ali, estavam todos se embebedando até cair no quintal.
Me sentei no chão, recostada à cama e Erick fez o mesmo.
De uma certa forma era estranho estar sozinha naquele quarto com ele. Não havia mais qualquer intimidade entre nós. Não éramos mais melhores amigos. Éramos quase dois estranhos a sós em um quarto sentados no chão, encarando o chão num silêncio desconfortável.
— Então... O que tem feito da vida durante esses anos? – Tentei quebrar o gelo.
— Não é nada glamuroso como o que você faz...
— Ah pare com isso – Bati meu ombro no seu.
— Lembra que meus pais tinham uma pequena loja de ferragens? – Acenei me lembrando de quando acompanhava meu pai até a loja dos Wheeler apenas para ver Erick fazendo a lição de casa no balcão – Bom, eu estou à frente da loja agora, na verdade desde que desisti da faculdade de direito.
— Abandonou a faculdade?
— Seria loucura se eu dissesse que sou realmente feliz tocando uma loja de ferragens e não dentro de um escritório com paletó e gravata?
— Não, não seria. Você fica bem nessas camisas de flanela xadrez e na verdade eu acho isso bem legal – Me olhou com uma incógnita – Eu vivo cercada por toda essa coisa fantasiosa que é Hollywood e show business. É bom conversar com alguém do mundo real. Alguém real, você é real.
— Fico feliz em saber disso.
— Eu estou apenas tão cansada de mentiras, cansada de pessoas falsas, de ser enganada. Alguém real não é uma opção ruim.
— Devo considerar como um elogio?
— Deve, claro que deve. É bom te rever depois de tanto tempo Erick.
— Digo o mesmo Liz.
— Ninguém me chama de Liz há séculos – Ri sozinha.
— Porque eu era o único que te chamava assim.
— Verdade.
— Mas Lisa é um bom nome artístico, não é tão longo quanto Elisabeth, nem tão curto quanto Liz, um bom meio termo. Embora eu sempre vá preferir Liz.
Sorri feito uma idiota.
— Gosto de Liz – Ele sorriu e por um instante me esqueci do resto do mundo.
Eu gostava do sorriso dele. Seus lábios eram bonitos, bem definidos e formavam um tipo de sorriso perfeito, o tipo de sorriso de comercial de creme dental. Mas o melhor de seu sorriso, era a parte que me trazia um conforto familiar.
— Eu acabei de ver a nossa árvore... – Comentei voltando aos meus sentidos.
— Nossa árvore? – Pensou por um momento – Ah, você diz aquela onde escrevemos nossas iniciais?
— Onde demos nosso primeiro beijo, é essa mesma – Rimos num misto de nostalgia e embaraço – Aquilo me trouxe tantas memórias.
— Boas espero – Brincou.
— Ótimas, sinto falta dessa época, de quando as coisas eram mais simples.
— De quando era minha namorada... – Assinalou brincando e dei um tapa em seu ombro.
— Pode ser. Eu adorava a ideia de ser a namorada de Erick Wheeler. Me sentia incrível. As garotas me invejavam sabia?
— Era por isso que namorou comigo, pras garotas te invejarem? – Soou desapontado.
— Isso era apenas um bônus, eu realmente gostava de você Erick. Muito. Você foi meu primeiro amor.
— Gostei de ouvir isso. Lembra de quando seu pai nos pegou se beijando aqui na varanda da sua casa?
Gargalhei com as lembranças de meu pai furioso colocando Erick pra correr e me deixando de castigo.
— Eu nunca corri tanto e tão desesperado em toda a minha vida.
— Eu fiquei uma semana de castigo.
— Bons tempos.
— Bons tempos. Eu era feliz.
— Era?
— Sim.
— É não é mais?
— Eu não sei.
— Posso perguntar uma coisa Liz? – Concordei em silêncio – Esse seu casamento, como funciona exatamente? Há algo de real nisso?
— Nós basicamente vivemos sob o mesmo teto por alguns meses, brincando de casinha e no final descolo uma grana. Por alguma razão os americanos adoram assistir à essa porcaria armada.
— Se é uma porcaria armada porque aceitou participar?
— Preciso de dinheiro. Eu tenho dívidas, um monte delas. Eu provavelmente já perdi minha casa pro banco a essa altura e nem posso resolver essa situação, Brie está cuidando de tudo agora.
— É quem é Brie?
— Minha melhor amiga e empresária, aliás eu também devo a ela, mas ao contrário do banco, ela não vai tomar minha casa. No máximo ela pode vender algumas informações privadas minhas pra algum tabloide e ganhar algum dinheiro. Mas eu confio nela. De qualquer forma, eu devo milhares de dólares à muitas pessoas. Uma estrela Pop gasta muito e quando as coisas ficam difíceis, tudo o que temos é um amontoado de dívidas e pessoas virando as costas pra você, porque você já não é mais tão interessante sem toda a grana e coisas que pode oferecer à elas.
— Isso é péssimo Liz.
— Ah, você não faz ideia.
— Me lembro de quando de quando você saiu de casa em busca do seu sonho de estrelato. Eu fiquei tão abalado, chorei por dias, não queria que partisse. Mas no final você ficou bem, conquistou seus sonhos.
— Consegui? – O encarei com tristeza – Eu só queria fazer minha música e consegui um amontoado de decepções. Francamente um Grammy não cura essas frustrações. Não cura um coração machucado.
— Parece que temos alguém com um coração machucado – Não neguei – O que aconteceu? Esse idiota é famoso, eu o conheço?
— Acabou de conhecer.
Ele me olhou sério. Piscou algumas vezes.
— Ei, aquele cara lá embaixo, esse tal de Min Jun. Esse cara?
— Então...
— Pensei que o relacionamento fosse profissional.
— Era, mas acabou se tornando bem real – murmurei – Levamos pro lado pessoal.
— E ele quebrou seu coração?
— Em milhares de pedaços.
— Por que ele faria isso com você?
— Não seria a primeira vez... E agora estou melhor e bem, ele vai até se casar em breve.
— Espere, espere – Me olhou confuso – Como esse cara vai se casar se estava num relacionamento com você durante o programa e esse programa ainda nem acabou?
— Sim, eu era a outra de novo e dessa vez eu não fazia a menor ideia.
— Teve outra vez?
— Longa história envolvendo um babaca com o nome do meu pai.
— Que merda Liz – Balançou a cabeça de um lado pro outro, indignado – Esse Min sei lá o que, esse cara é um escroto, um tremendo de um babaca, um merda. Não se faz esse tipo de merda Liz. Olha eu posso quebrar o nariz dele agora se quiser, é só falar – Apertou os punhos e cingiu a mandíbula.
Embora a ideia fosse extremamente tentadora, me vi forçada a recusar. Seria péssimo para todos os lados.
— Por favor não, não é como se eu não quisesse ver ele levando um belo soco na cara, mas você não vai querer um astro coreano milionário com um processo na sua cola, vai por mim – Coloquei uma mão em seu ombro – Mesmo que seja recente eu vou superar.
— Eu nunca, nunca faria algo assim com você Liz... Nunca. É egoísta, é apenas ruim demais pra se fazer com alguém.
— Eu sei que não faria – Sorri amigável.
— Depois que você foi embora, eu nunca me perdoei por não ter confessado meus sentimentos. Nós fomos breves namoradinhos durante a adolescência, mas mesmo depois que crescemos eu nunca deixei de gostar de você. Te ver partir foi terrível.
— Deveria ter me dito. Deveria ter me impedido de ir. Coisas ruins não teriam acontecido e quem sabe nós dois não estaríamos casados com umas crianças correndo pelo quintal?
— Você odiava esse lugar Liz. Sempre foi seu sonho sair daqui e conhecer novos lugares, novas pessoas, fazer sucesso. Se eu te segurasse aqui, só te faria infeliz. E isso é a última coisa que eu quero.
— Acha que sou feliz agora?
— Nunca vai poder dizer que não tentou. E talvez eu possa dizer agora – Me olhou dentro dos olhos – Talvez você possa ficar dessa vez.
— Erick.
— Eu ainda gosto de você Liz. Nunca deixei de gostar. Eu realmente gosto de você e esse momento que estamos tendo agora. Eu sonhei com isso tantas vezes, mas você parecia tão inalcançavel, nesse mundo dos famosos. E a verdade é que estou me segurando pra não roubar um beijo seu – Aproximou seu rosto à poucos centímetros do meu.
Não era como se eu não quisesse aquilo. Eu só não sabia se deveria ou se aquele era o melhor momento.
—Erick eu preciso de um tempo pra pensar no que disse.
— Entendo – Apertou os lábios visivelmente frustrado – Eu devo ir pra casa. Mas foi bom te ver. Foi uma conversa legal.
Se levantou e caminhou até a porta.
Girou sobre os calcanhares, deu meia volta e me beijou num rápido impulso.
— Pra eu não me arrepender.
Então me deixou ali sozinha, desaparecendo porta afora.

Recém Casados [Reta Final]Onde histórias criam vida. Descubra agora