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  Eu abro meus olhos e me esforço pra tentar me levantar e saber onde estou, resposta que eu ainda não tenho de forma precisa.

  Tento me lembrar como fui parar ali, da mesma forma que fiz nas vezes anteriores em que acordei, com uma diferença desta vez: agora quando tento me sentar meu corpo responde.

  Estou um pouco tonta, me sento encostada na parede estofada, olhando em volta.

  Há duas portas no quarto, mas como todo resto elas também são revestidas com um estofado branco.

  Olho para o teto e a luz branca quase me cega, desvio o olhar rapidamente para as minhas pernas enquanto pisco rápido tentando aliviar a sensação de ter olhado direto para a luz.

  Sinto minha testa se franzir, minhas pernas estão nuas dos joelhos para baixo, trocaram minhas roupas por uma espécie de camisola creme com pequenas bolinhas azuis.

  Um arrepio percorre minhas espinha e eu passo minhas mãos por meus braços arrepiados, não consigo ir além do meio do meu braço esquerdo por que tem algo atrapalhando o caminho.

  -Ai!- viro a cabeça para ver o que é e me deparo com um acesso.

  Droga!

  Encosto a cabeça na parede de novo com o rosto voltado para cima, respirando fundo e engolindo a saliva.

  Fecho meus olhos e enquanto respiro pausadamente tento também manter minha mente acordada, tento encontrar um sentido em tudo isso.

  Engulo a saliva devagar, tem um suor frio escorrendo pelas minhas costas.

  Nesta hora a porta começa a fazer barulho e uma mulher entra.

  Ela está acompanhada, pede pra esperarem do lado de fora.

  Olha ao redor, ela dá alguns passos em minha direção, os saltos agulha afundando no estofado a cada passo, ela não parece se incomodar com isso, mantém a coluna tão ereta quanto antes.

  Quando chega perto o suficiente ela se agacha.

  -Hm- diz ela analisando meu rosto.

  Eu também a analiso, não com a mesma prepotência e dignidade com a qual ela o faz, uma vez que estou jogada no chão de um quarto de contenção, sim essas são as palavras: quarto de contenção, mas o faço.

  Ela é jovem, não passa dos vinte anos, talvez tenha até menos que isso, seu cabelo loiro, um loiro que não aparenta ser natural, quase platinado, está com as raízes repartidas ao meio e amarrado em um rabo de cavalo baixo, o tipo de penteado q não fica bem em qualquer uma, ela tem olhos azuis e uma fileira de brincos em cada orelha.

  Depois de um minuto de observação atenta ela se levanta e dá as costas para mim.

  - Ela está pronta, podem levá-la- diz para quem quer que esteja no corredor a sua espera.

  Sinto a adrenalina correr em minhas veias como aconteceu antes de eu parar neste lugar idiota.

  Dois homens vestidos de preto entram no comodo, cada um me pega por um braço para me levantar, nesse momento percebo que qualquer tentativa de luta seria falha, por mais que não esteja dopada a ponto de adormecer não estou desperta ao ponto de conseguir socar alguém de fato.

  Eles me retiram para o corredor extenso a frente, a mulher lidera o grupo indo a frente.

  Ela também está vestida de preto, camisa social em crepe e com abotoaduras nos pulsos, ela parece bem tranquila caminhando com as mãos nos bolsos, tranquila demais pra alguém que faz parte do mercado negro de orgãos.

 Na metade do caminho uma pessoa se junta à nossa pequena procissão e eu me surpreendo com o cinismo: Max se junta a nós, se é que esse é o nome dele.

  Ele lança um breve olhar para trás, para mim, enquanto caminha ao lado da loira, os dois seguem em silêncio.

 Quando chegamos ao final dos corredores brancos demais damos de cara com uma porta balcão que se abre assim que a Oxigenada dá duas batidinhas leves, ela acena levemente com a cabeça para os homens que as abriram.

 A partir daí a paisagem muda completamente e as coisas ficam ainda mais estranhas, por trás das portas balcão está um grande salão.

 Gigantescos lustres pendendo do teto e tudo parece brilhar e refletir, a quantidade de dourado e espelhos me choca.

Ela tira uma venda do bolso da calça, eu viro o rosto tentando dificultar o trabalho dela, é o máximo que posso fazer diante da situação.

Ela dá uma risadinha e suspira.

 - Você tem sorte de ser quem é sabia?- ela vira meu rosto para o lugar de antes, seu toque gentil me deixa tão chocada que não reajo- Vamos fazer o seguinte, eu prometo que você estará segura e que respondo qualquer pergunta sua depois, e acredite em mim, você terá muitas a serem respondidas e você me promete que vai colaborar e me deixar por isto aqui- ela segura a venda com a ponta dos dedos, a deixando suspensa na minha frente- em você.

 - Ótimo- responde ela quando eu fico em silêncio.

 Eles me conduzem pelo breu que se restringe apenas a minha visão coberta.

 Depois de andar uns bons dez minutos nós paramos e a venda é retirada, ela abre a porta branca à nossa frente e entramos apenas nós duas no quarto, eu primeiro e ela em seguida, a luz do sol entra pelas janelas, depois de fechar a porta atrás de si ela se senta na cama.

 - Você tem quinze minutos, para tomar um banho e se vestir- ela aponta para a porta ao lado da penteadeira- Eu lhe daria mais tempo, mas nosso cronograma está meio apertado.

 Eu olho ao meu redor, reparando nos tons pastéis usados na decoração do quarto, até penso de ir até a janela pra tentar saber onde estou, mas não sei se tenho autorização para isso, esse pensamento me faz querer revirar os olhos.

Ela suspira.

 - Bom...agora são quatorze- eu a olho- Eu posso sair se quiser, volto apenas quando seu tempo tiver acabado.

E depois de não sei quanto tempo de silêncio as palavras que saem da minha boca são:

- Tanto faz- pego na maçaneta da porta do banheiro e a abro.


AbandonadaOnde histórias criam vida. Descubra agora