Fernanda esperava o ônibus às 13 horas na estação rodoviária. O calor lhe causava coceiras no pescoço. Estava ensopada, cansada. Puta da vida.
— Acho que já vou indo amorzinho. — disse Raul, seu namorado. O cara tinha trinta e três anos de idade e trabalhava como farmacêutico. Promissor, era verdade, talvez por isso Frankie ia com a sua cara pois trabalhavam praticamente no mesmo ramo.
— Ai, fica mais um pouco, amor. — disse a garota
— Tô com muita fome. Você me perdoa?
— Você vai me deixar sozinha aqui?
— Você não vai estar sozinha. Seu primo está para chegar.
— Mas eu nem conheço ele, não sei nem quem é, o que faz da vida, se é pessoa do bem, vem do interior, deve ser um indiozinho asssanhado, você não vai ficar com ciúme?
— Eu confio em você. Você não vai me trocar por um índio do interior não é? — o cara sorriu. Fernanda sorriu também, um riso taciturno. — Não sou do tipo que tem ciúme doentio. Não me olhe assim. Eu amo você, e eu acho que você não ia gostar de um cara ciumento que beira a psicopatia.
— Tudo bem. Agora vai embora. Estou ouvindo seu ronco daqui.
— Eu sei. Além do mais, tenho que pegar o trabalho às três horas.
Raul deu um beijo na testa da namorada e partiu no seu Peugeot 2018.
Fernanda continuou sentada ali. As vezes caminhava para trapacear a fome. Sua mãe lhe devia àquela. Aliás, nem sabe como estava ali. Geralmente não obedecia a mãe, sempre dizia um não bem redondo na sua cara. Mas acontece que não podia ser bem assim. O que reclamava era quando a mãe se metia na sua vida lhe tratando como se fosse uma criança de dez anos. Queria que a mãe fosse mais como o pai, que não se metesse em nada, que fosse arranjar um trabalho ou quem sabe um amante. Bem se lembra da vez que disse isto a Deby. Esta desferiu um tapa no rosto da pequena que deu um giro. "Você me respeita, sua pirralha. Não te dou essas confianças".
Dois ônibus vinham se aproximando da estação. Ele deve estar num desses, ela pensou. Se aproximou no aglomerado de parentes e amigos e estendeu o cartaz com o nome e o sobrenome do rapaz. Narcisio Roberto. Ficou atenta nas pessoas que desciam no primeiro ônibus que encostou, nenhum batia com a descrição do jovem. Aliás nem se lembrava mais das suas descrições pois saiu tão puta da casa que nem ouviu Deby muito menos viu a foto que a mãe mandara pelo zap e nem pegou o número do garoto para ligar para ele. Viu as pessoas levantando os cartazes com os nomes e também foi na onda. Porém no meio de tanta gente com suas valises nas mãos viu um rapaz simpático, um rosto ingênuo e liso, sem vestígios de acnes. Tinha os cabelos médios, crespos, era magro cabia muito bem na roupa que vestia. Uma bermuda jeans azul, as pernas grossas, naturais e uma camisa bege de mangas compridas. Sorriu na direção da garota e se aproximou com a valise na mão.
— Oi. Você é a Fernanda? Filha da tia Deby? — disse com a festa franzida.
— Sim. Você é o Narcisio Roberto?
— Ele mesmo.
— Puxa, não pensei que tivesse uma prima tão gata assim. — sorriu Narcisio, um sorriso sacana.
— Vamos. Pensei que você não viesse mais. — disse Fernanda dispensando íntimas apresentações.
— Onde está seu carro? — perguntou o rapaz.
— Meu carro? HÁ HÁ HÁ! — sorriu a garota. — Quem sabe um dia.
— Mas você não é filha de empresário? — disse o rapaz. Aquilo saiu meio que debochado e a garota respondeu.
— Pequeno empresário. E não somos ricos, se é isso que pensa.
— Não disse isso. É que quase todo mundo aqui na cidade grande tem carro, não é verdade?
— Meu pai tem, mas ele não me empresta porque dirijo mal pra caralho. Deixa eu te ajudar com essas coisas senão não é hoje que a gente chega.
O garoto agradeceu e o casal pegou o primeiro ônibus que chegara, por sinal, bastante lotado. Narcisio parecia assustado pendurado na porta do ônibus. Fernanda ria, pensando: bem feito! Vai ficar um bom tempo pra deixar de ser mala. Conseguiu subir, com muito suor para perto de Deby, entao o garoto começava a conversar, as palavras vinham e ele nem ligava para o automóvel lotado.
— Puxa, que legal! Olha quantos prédios. Muito bonito isso aqui.
As pessoas olhavam pra ele e riam.
— É sempre assim? – disse ele com a cara pra fora, o vento batendo forte sua cara.
— Sempre.
— Ainda bem que vou ficar só por uma semana.
Graças a Deus. Pensou a garota.
— E, aí, o que você faz pra se distrair? — perguntou ainda puxando conversa.
— Eu só estudo.
— Eu sei, mas digo nas horas vagas, ou você não tem horas vagas?
— Eu disse que só estudo. Não tenho tempo pra molecagem.
— Ah, deixa de onda, "qualé". Sei que vocês aqui da cidade adoram uma balada. A não ser que você seja crente, porque cara não tem.
— Aff, você é sempre chato assim?
— Vinte e quatro horas. — sorriu o menino.
— Sim, sim, eu gosto de baladas, mas isso não quer dizer que eu seja uma devassa.
— Nossa! Eu não disse isso, valha-me Deus.
— Eu tenho meus amigos e sempre saímos juntos, mas nunca mais saí com eles pois estou namorando sério.
— Ah, você tem namorado? E como é o sortudo.
— Um homem feito.
— Ui. Mais velho que você?
— O tipo ideal. Agora para de perguntas, não gosto de conversar no ônibus, olha como as pessoas ficam nos olhando.
Narcisio deu uma olhada em sua volta e realmente era verdade. Todos olhavam para ele esperando a próxima pergunta que faria à menina.
— Tá bem. Quando a gente chegar em casa a gente conversa melhor.
— Humpf! — interjeitou a menina, desinteressada.
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Dormindo com o Sobrinho
Mystery / ThrillerDeby é uma mulher madura, de quarenta e quatro anos. Dona de casa, um tanto que solitária. Para tirar o vazio da alma, Deby usa a internet para não se sentir só. É conhecida nas redes sociais como Loba, voraz por sexo virtual. Mas acontece que a vid...