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Por volta das dezesseis horas daquela tarde, Narcisio acordou limpando a baba que escorria pelo ombro. Olhou ao redor e viu que tinha dormido bastante. Olhava agora fixamente para frente e se deparou com Deby de pernas cruzadas costurando uns tecidos. Não pôde deixar de perceber que a tia tinha umas belas pernas.

— Acordou, não é, menino! — ela disse oferecendo um agradável sorriso.

Narcisio limpou a visão cumprimentando Deby educadamente.

— Desculpa, tia Deby! Acho que peguei pesado no sono.

— Tudo bem. Com certeza estava cansado. Você já almoçou?

— Ainda não.

— Fernanda não chamou você pra comer?

— Não. Na verdade nem sei, peguei forte no sono aqui que nem sei o que aconteceu nas últimas horas.

Deby sorriu, era um agradável menino. Nem parecia mais com aquele moleque catarrento que vivia com curuba na mão e chamando palavrão quando cortavam sua pipa.

— Que menina mais mal educada. Vou chamar atenção dela agora mesmo.

— Não, tia. Não se preocupe. Ela pode ter vindo me chamar. Acontece que eu apaguei de verdade neste gostoso sofá.

Deby sorriu do jeito do garoto e levantou-se para esquentar novamente o bife acebolado para servi-lo. Pediu para que o menino desfizesse suas malas apresentando a ele o quarto de hóspedes e um pouco da casa como o banheiro e outros compartimentos. Narcisio tirou sua toalha e algumas roupas e foi tomar um banho. Se sentiu muito bem no banheiro da casa. Bem diferente do banheiro da sua onde a descarga mal funcionava. Sempre tinha que jogar um balde de água para as fezes descerem. Os buracos na parede levavam para uma visão panorâmica de um terreno invadido pelo povo sem teto. Perdeu o número de amigos que morreram por entrar no mundo do crime, e outros que morreram por bala perdida pela guerra de polícias e traficantes. Sempre dizia a sua mãe que um dia sairia daquela merda de lugar e iria para os estados unidos. Odiava a favela onde vivia; as pessoas bebendo na rua, os moleques de dez anos de idade prometendo matar o outro por cortar seu papagaio, a garotinha que amava mais que tudo na vida dando para todos os moleques do time do bairro. Tudo aquilo era demais pra ele. Odiava. Mas nada que se comparasse ao seu padrasto. Aquele canalha filho da puta! Dizia toda noite antes de pregar os olhos, a costa ardendo de tanta cintada, os dentes pendendo, as lágrimas secas resplandeciam na face.

Deby serviu o rapaz que como um cão faminto devorava a comida. Repetiu três vezes e ainda saboreou uma deliciosa torta de morango feita especialmente para o visitante. Narcisio agradeceu efusivamente e foi se instalar no quarto cedido pela anfitriã.

— Fique a vontade. — disse Deby. — Tem televisão pra você se enterter quando quiser e aqui a escrivaninha pra você estudar melhor. Qualquer coisa estou por aqui. Sinta-se em casa.

— Muito obrigado, tia. Vai ser só por uns dias. Não quero incomodar de forma alguma vocês.

— Que isso, menino. Não é incômodo nenhum. Você é da família também.

— Agradeço muito , tia.

Dizendo isto, Deby saiu deixando o sobrinho à vontade. Parece mesmo um bom garoto, não nos trará problema algum.

Narcisio pegou suas coisas e saiu jogando para tudo quanto era lado. "Preciso estudar", monologou. "Ah, que se foda. Mais tarde estudo. Vou conhecer melhor o meu quarto".

Então vasculhou as coisas do quarto que parecia mais um compartimento da casa onde jogavam tudo que não presta. Debaixo da cama achou uma caixa velha e nela cheio de DVDs piratas.

Dormindo com o Sobrinho Onde histórias criam vida. Descubra agora