35

118 20 0
                                    

Fernanda e seu namorado Raul tiraram certo dia para visitar Deby a quem não a via quase um mês. Mãe e filha trocavam apenas mensagens pelo Whatsapp, algumas figurinhas de bom dia e cartões com dizeres carinhosos, mas quase nunca palavras de verdade, com sentimentos de verdade.

Chegaram à casa de Deby umas dezoito horas, o sol já estava partindo quando Fernanda tentou abrir a porta com sua chave.

— Que estranho! Não quer abrir.

— Vai vê ela trocou de fechadura. — disse Raul. — E está certa. Essas coisas a gente faz de vez em quando.

O casal bateu a porta chamando atenção de Deby e Narcisio que assistiam um filme de terror como um casal de adolescente.

— Ué, tão batendo aí. — disse Narcisio.

— Caramba! Quem deve ser? — inquiriu Deby.

— Dê uma espiada no olho mágico.

Deby correu para a porta e constatou que era sua filha.

— Puta merda! É a Fernanda. Se esconde, amor.

Narcisio fez uma cara de quem não gostou.

— O que foi, amor? Você precisa se esconder.

— Até quando vou ficar me escondendo, Deby?

— Amor, deixa passar um tempo. Não tem um mês que Frankie morreu. O que a minha filha vai pensar ao ver o meu sobrinho aqui, morando comigo? Isso é loucura. Deixe passar um tempo como planejamos. Você mesmo concordou com isso.

— Só acho meio estranho você querer dar um tempo. Dias atrás me pediu em casamento.

As batidas continuaram mais agressivas na porta.

— Sim. Mas o que decidimos...? Deixa o tempo passar. Prometo que irei assumir você a todos.

— Ótimo! Pois já estou cansado de viver como um refugiado.

— Ó, meu bem. — disse Deby, emocionada.  — Isso tudo vai acabar. Eu prometo.

— Eu sei. Agora abra lá pra sua filha. Irei me esconder.

Narcisio caminhou para o quarto e fechou a porta. Se escondendo. Deby apressou-se para abrir para a garota.

— Fernanda?! Minha filha. Ai que surpresa agradável esta.

— Oi, mãe. Viemos lhe fazer uma visitinha.

— Por favor, entrem, entrem.

— Como a senhora está, dona Deby? — cumprimentou Raul.

— Estou bem, graças a Deus. Levando, não é.

— É, a vida continua.

— Sim. Ela continua, meu filho. Mas vejam só vocês, estão mais lindos.

— Ah, obrigada, mãe. A senhora também. O que anda fazendo pra estar tão bem?

E de fato Deby estava muito bem. A pele mais macia, o rostinho liso, nem percebeu mais aquelas olheiras que tanto irritavam a mãe, mais magra, era notável. Não uma magreza de pessoa doente, mas uma natural, fitness. A mãe estava muita mais em forma que a própria filha, que havia engordado oito quilos só comendo besteiras.

— Ah, minha filha...Terapia. Ando meditando muito esses dias. Descansando mais, assistindo filmes. Essas coisas. Inclusive estava assistindo um filme agora.

— Sim, tô vendo. Que isso, um filme de terror? — perguntou Fernanda percebendo a televisão ligada.

— É...sim. De terror.

— Mas a senhora sempre odiou filmes de terror.

— Ah, esse aí tava em cartaz na Netflix e resolvi assistir. Acho que uma vez ou outra não faz mal.

— A senhora é corajosa. A Fernanda morre de medo de assistir comigo, agora imagina sozinha. — disse Raul.

Mas o que Fernanda pôde perceber, era que a mãe não estava sozinha. Havia dois copos de refrigerante em cima da mesinha no centro da sala e uma panela de pipoca, ainda cheia. A mãe nunca era chegada tanto assim em pipoca.

— Ora, ora, vejo que a senhora está com visitas. — disse a filha.

— Visitas? Que visitas?

— Não sei. — sorriu a garota. — Têm dois copos aí e muita pipoca na panela.

— Não, os copos são meus mesmo. Tomei nos dois, coisa de velha.

— E esse tantão de pipoca aí? A senhora nem curte muito.

— Pois é, filha. A idade vai chegando e a gente vai mudando. Veja só, até filme de terror eu tô assistindo.

— Pois é.

— A senhora quem está certa, dona Deby. — comentou Raul. — A senhora ainda é muito jovem, não pode morrer pra vida.

— É isso aí. — agradeceu a mulher. — Me sinto com um espírito adolescente, cheia de vidas e coisas ainda para descobrir.

— Tá certa. Logo aparece com um namorado. — investiu Fernanda. Deby viu aquilo como um deboche, então retrucou:

— Quê isso, filha. Não. Nem pensar. Eu amava o seu pai.

— Mas ele se foi, mãe. — Fernanda metia a mão na panela de pipoca, saboreando-a. — Infelizmente.

— Sim. Ele se foi. Mas deve ser respeitado.

— Quem sabe um dia, não é, dona Deby?! — se meteu Raul tentando aliviar a tensão das duas.

— Sim. Quem sabe um dia eu não encontre um novo amor para a minha vida, se é o que a Fernanda quer.

— Mãe, que isso! Eu só te quero ver feliz. Também não faz o menor sentido a senhora passar o resto de sua vida trancafiada sozinha nesta casa. A senhora tem mais é que conhecer alguém mesmo que não seja tão bom e honesto como foi o meu pai. Agora vou parar de falar nele senão começo a chorar.

— Tudo bem, filha. — Deby abraçava a filha. Fazia um tempo que não lhe dava um abraço forte. Era tão gostoso. Amava a menina, apesar das indiferenças.

— Posso ligar pra senhora pra gente dar um passeio qualquer dia desses?

— Claro que pode, minha menina. Sempre que quiser, será um prazer.

— Então tá feito, mãe. Ah, vê se responde minhas mensagens no whats, a senhora só visualiza.

— Tá bom. É que tô entrando bem pouco também. Só dou uma olhada rápida e saio.

— Eu sei. Bom, a gente tem que ir, né, amor?!

— Sim. Tá na hora. — respondeu Raul.

— Venham sempre que quiser. A porta está aberta.

— Obrigada, mãe. A propósito, a senhora trocou a fechadura, não é?

— Sim. Por precaução.

— Está certo. Beijos, mãe. Fique com Deus.

— Vocês também. Vão em paz.

Dormindo com o Sobrinho Onde histórias criam vida. Descubra agora