Deby acordou excitada no dia seguinte. Frankie não fez daquela vez, mas provavelmente voltaria para a garagem para terminar o seu serviço.
— Bom dia, amor. Dormiu bem? — perguntou Deby, com sarcasmos.
Frankie, com horríveis olheiras na cara, respondeu:
— Sim, amor. Quer dizer, mais ou menos. Ando sem sono, como sempre. Mas não se preocupe. Acho que enfim sei como pagar estas nossas dívidas. A noite toda acordado me ajudou muito nisso.
"Nossas dívidas o cassete", resmungou Deby, para si. E, como assim? Que solução é esta que tinha encontrado?
— Sério, amor! — fingiu contentamento, frustrada.
— Eu acho que sim. Quer dizer, como eu não sou um homem de decidir tudo sozinho, eu preferi reunir a família para contar. Onde está Fernanda, quero que ela participe com a gente nisto.
— Ela está se arrumando. Já tá vindo.
— Muito bem. Deby, você sabe que eu ando endividado, devendo até mesmo pessoas que nem conheço direito e que podem ser perigosas.
— Como assim, Frankie?
— Não, não, não, não, não! Não perigosas de verdade. Quero dizer pessoas que podem nos processar e fazer com que perdemos tudo que temos. E tem a justiça também, os encargos trabalhistas que devemos, tudo isto pode nos levar a ruína.
— Sei. Mas o que isso tem a ver?
— Calma. Ah, Fernanda, meu amor, aí está você. Então, estamos numa pequena reunião para decidir o futuro desta casa.
— Futuro da casa? Como assim Frankie? — questionou Deby, não entendendo nada.
— Não vai querer me dizer que o senhor vai querer vender a casa?! — disse Fernanda. Aquilo saiu despreocupado, com a moça engolindo o café.
— Vender a nossa casa? Sério isso, Frankie?
— Bingo! Veja bem, Deby... É a melhor hora para isso. A casa nunca valeu tanto assim como está valendo agora. E temos que aproveitar esta supervalorização a negociando. Só deste jeito saímos do buraco que nos encontramos.
— Você quer vender a nossa casa, que construímos com tanto amor e carinho todos estes anos, para pagar dívidas? Veja bem o que você está falando, Frankie! Casa não se vende.
— Mas é o único jeito de quitarmos o que devemos, amor!
— O que você deve, Frankie, não a gente!
— O quê? Como você pode pensar deste jeito, Deby?! O que eu devo é o que vocês devem também. Comemos e bebemos com o fruto do nosso trabalho.
— Seu trabalho.
— Que seja. Do meu trabalho. Pronto! Se é assim que quer ouvir. Somos uma família, então me vejo no direito de incluir vocês também nesta.
— Não venha nos incluir nos seus fracassos, Frankie.
— O quê?
Nem Fernanda acreditava no que estava ouvindo. Nunca vira a mãe tão desonesta daquele jeito. Bufando ódio nas palavras.
— Meus fracassos? Você não entende nada, Deby. Nem está comigo para saber o que realmente está acontecendo na farmácia. Você tem o seu dinheiro todo certo que lhe dou semanalmente. Sou mais pontual com você do que com meus funcionários. Estou muito desapontado com você, Deby.
Naquele instante, Frankie lagrimava de tristeza. Deby realmente lhe decepcionou muito.
— Mãe, o que a senhora está dizendo? Papai tem razão, temos que chegar numa solução.
— Mas não vender a casa. E vamos morar onde, debaixo da ponte? Casa hoje em dia está difícil e Frankie sabe muito bem disso.
— Deby, é a única saída. Não encontro mais remédio pra sair dessa.
— Pois venda a farmácia, Frankie. Podemos arrumar outro emprego, eu ajudo você no que posso. Trabalho até como diarista, mas nem pense em vender nossa casa.
— Nossa! Até que enfim a senhora agiu com sensatez.
— Fernanda, e você? Quando vai começar a ajudar nesta casa trabalhando para pelo menos pagar a sua faculdade. Você está vendo como o seu pai está, mesmo assim você não procura nada. Não acha que já tá bem grandinha pra procurar um emprego?
— Vixe! Sabia que a coisa ia feder pro meu lado também.
— Não é isso. Tantos jovens trabalham para pagar suas dívidas, porque você não paga pra pagar as suas?
— E a senhora trabalha por acaso, mãe?! A senhora nunca trabalhou na vida. Então fique de boca calada também!
— O quê! Olha aqui, você me respeita, sua moleca! Quem é que prepara o seu café da manhã, seu almoço, quem é que lava as tuas calcinhas, sua ingrata, hein!
— Não faz mais que a sua obrigação de dona de casa.
— Minha obrigação lavar calcinha podre de mulher de vinte e poucos anos? Me poupe, Fernanda! Você tinha era que tomar vergonha nessa cara.
Fernanda se levantou da mesa arrastando a cadeira para trás que caiu com tudo.
— Meninas, parem! Santo Deus! Eu não vou vender a casa, pronto. Vou arrumar outro jeito de sair dessa. Deby tem razão, eu estava louco. Aliás ando enlouquecendo muito esses dias. Estou não nervoso com tudo isso. Por favor parem de brigar se não vou acabar tendo um treco aqui.
— Eu vou tomar vergonha na cara, papai. Hoje mesmo eu vou me mudar para casa de Raul. Foda-se. Estamos praticamente casados. Não vou ficar aqui ouvindo merda da minha mãe, não. Como ela disse, já sou mulher o suficiente pra trabalhar e viver minha vida.
— Que isso, filha. Você não precisa sair de casa. Calma que as coisas vão melhorar pra gente. Além do mais, Deby está muito nervosa, por isso disse aquilo, não é, amor... peça perdão para nossa filha, peça.
— Não, pai. Nem que ela me peça perdão. Como eu disse, ela tem razão e eu tenho que viver minha vida. Vou ligar pro Raul e arrumar minhas coisas.
Deby mantinha a cabeça baixa, roendo uma bolacha Cream Craker.
— Filha, por favor, não! — suplicava Frankie. Da fresta do forro, Narcisio ouvia e enxergava tudo, atribulado. — Deby, por favor, fale com ela!
Mas Deby nada disse e nada fez. Tomou seu café e foi para a sala ver TV.
Frankie continuava na mesa, desacreditado, vendo a família se desfazer, vendo a única filha indo embora de casa para morar com um homem. Os pais pensam que os filhos são como animais domésticos, que irão morar sempre com eles.
A dor de cabeça torturava Frankie, "por que não fiz o que tinha ser feito, meu Pai?! Por que não tirei a minha vida? Já não quero mais viver! Não nessas condições".
Frankie estava com a esperança de vender a casa para pagar a dívida. Até tinha um comprador, um cliente com a intenção de comprar a casa para um de seus filhos morar. O adiantamento já estava certo, e seria o suficiente para sanar suas dívidas. Se o seu comércio estivesse à venda antes, anunciado em classificados, quem sabe não teria um comprador. Sim, a ideia de Deby era ótima, mas precisava de grana para ontem. E a oportunidade estava ali, mas Deby era o grande entrave.
— Se não tiver outra solução, eu estou frito.
Mas acontece que a morte estava flertando o pobre do Frankie. Nos últimos dias, era o que mais sonhava. Atravessando a rua, um carro lhe partindo ao meio. Voando pela janela do carro, após bater numa mureta. Com os atiradores invadindo sua casa e metralhando ele e a família. Eram pesadelos insanos demais para um homem até religioso, como se achava, apesar de não ter religião. Para ele, religião era algo frustrante, então a sua única religião era fazer o bem, lendo uma vez ou outra um trecho da bíblia e amar sua família, seu bem maior.
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Dormindo com o Sobrinho
Mystery / ThrillerDeby é uma mulher madura, de quarenta e quatro anos. Dona de casa, um tanto que solitária. Para tirar o vazio da alma, Deby usa a internet para não se sentir só. É conhecida nas redes sociais como Loba, voraz por sexo virtual. Mas acontece que a vid...