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Narcisio não reclamou nem um pouco do ambiente. Muito pelo contrário, dizia que era perfeito pois tinham bastante livros para ler e que não seria incomodado pela luz do sol como o outro quarto.

— Não se preocupe com os ratos, logo eles não estarão mais aqui. — comentou Deby.

— Tem ratos aqui?

— Sim. Vários.

Deby percebeu a carinha de asco do rapaz, mas logo acudiu.

— Mas não tem por que se preocupar, amor. Vou ligar agora mesmo para a senhora da limpeza, ela ficou de dar uma geral com chumbinho, inclusive está me devendo essa. Dei o dinheiro a ela e até agora não apareceu. Vou ligar pra ela agora mesmo.

— Tudo bem, amor. Lá em casa eu também convivia com ratos.

— Não, não, mas vou dar um jeito nisso agora mesmo. Vou ligar pra ela.

Deby fez a ligação para a senhora Rute que se desculpou com Deby, afirmou que já tinha em mãos o veneno, é que andava um pouco ocupada trabalhando como cuidadora de idosos mas que no outro dia estaria ali, as oito em ponto.

— Não, Rute. Sinto muito. Estou precisando com urgência do sótão limpo ainda hoje.

— Mas tenho compromissos, Deby.

— Eu entendo, mas não posso mais esperar. Frankie está pra surtar com o barulho desses ratos à noite.

— Tá bom! Ok! Assim que me desocupar aqui eu apareço aí, tá bom?

— Tá bom. Eu vou aguardar você.

E não demorou nada para que a mulher chegasse à casa de Deby. Fez este sacrifício pois Deby já lhe ajudou muito.

— Eu vou espalhar o veneno por aqui e ele ficará no máximo um dia mesmo. Basta isso pra matar essas pragas. — dizia Rute com uma máscara cobrindo a face.

— E como é que eles morrem?

— Envenenados.

— Ora, Rute, isso eu sei. Eu quero saber se eles morrem na toca deles, se levam o veneno com eles pra intoxicar os outros.

— Eles morrem só com o cheiro, dona Deby. É o que basta. Nunca mais eles poem a pata aqui.

— Que legal.

— Não tem veneno melhor que esse. Tem gente ruim que usa pra matar desafeto, vê se pode.

— Pra matar pessoas?

— Sim. Já li vários casos nos jornais.

— Meu Deus!

— É. Tem gente pra tudo, não é?

— E como tem. Pois é, Rute, então é só isso né... — disse Deby querendo que a mulher caísse logo o fora dali pra ver o seu novinho.

— Sim, é só isso mesmo. Amanhã venho pra fazer mais uma faxina no lugar, vai ficar tão arejado que vai dá até pra morar aqui.

"E é pra isso mesmo".

— Ok então, Rute. Mais uma vez obrigada por sempre estar disponível pra mim.

— Que isso, dona Deby. Devo muita coisa a você. Sempre que der venho logo correndo, por isso apressei as coisas por lá pra vir pra cá.

— Ok. Bom então até amanhã.

— Se Deus permitir.

— Prontinho. — disse Deby na porta do quarto de Narcisio, onde ainda se encontrava. — Amanhã ela vai vir pra fazer uma geral lá em cima, disse que vai ficar tão arejado que dará até pra dormir. Acertou a bobinha.

— Que bom, amor.

— O que houve, está bem?

— Tô sim.

— Tá não. Você está tristinho. Eu lhe conheço.

— Pra falar a verdade estou um pouco sim. Acabei de conferir o gabarito e foi como eu pensei. Me lasquei na prova. Acertei vinte e quatro questões de sessenta. Nossa, me dei muito mal.

— Ah, amor. Esquece essa prova. Não deixe ela lhe abater. Novas virão, você ainda é muito novo. Fará inúmeras provas, de cargos melhores, e vai passar porque és muito dedicado.

— Obrigado, amor. Só você mesmo pra levantar minha autoestima.

— Eu te amo, farei de tudo pra que você fique sempre bem.

— Mas também tem outra coisa.

— O que é? Você pode me dizer, nunca esconda nada de mim, tá bom?

— Com certeza. Serei sempre sincero com você.

— Muito bom. É assim que eu gosto. Então pode falar.

— Sei lá. É morar aqui escondido. Eu acho perigoso, e se o tio Frankie descobrir? É bem capaz dele matar nós dois.

— Frankie? Há, há, há, Frankie não mata nem as moscas que pousam na mesa quem dirá uma pessoa. Não se preocupe, amor, ele só chega à noite, não vai suspeitar de nada.

— Tomara. Mas e a Fernanda? Ela é mais esperta não é...

— Se julga mais esperta. Mas não passa de uma boboca.

Os dois riram juntos.

— Não tem por que se preocupar, amor. — continuou Deby. — Volto a repetir. O sótão é um lugar que ninguém pisa, só está sendo limpo por causa dos ratos que andam pra lá e pra cá. Lá será a sua casa.

— Até quando? — perguntou o menino, taciturno, sabendo que um dia sairia da casa.

— Até quando eu quiser.

— Sei. Mas nunca se sabe. Também não posso passar a minha vida morando escondido, como um fugitivo na sua casa.

— Calma amor. Um passo de cada vez. Logo a Fernanda sai de casa e teremos mais espaço.

— Eu sei amor. Mas o tio Frankie mesmo assim não iria permitir minha moradia aqui. Eu não sou nada pra ele pra que ele possa ter consideração por mim. E no fundo ele está certo, é difícil pra ele aceitar isso.

— Frankie está se tornando um calo no nosso sapato.

Narcisio deu um passo pra trás com aquele comentário da tia.

— Mas ele é o dono da casa, amor. Eu sou um intruso aqui, você e ele são casados, não represento nada aqui.

— Narcisio, você representa tudo pra mim. Esquece o Frankie. Eu nem sequer o amo mais.

Narcisio deu mais dois passos pra trás. O que? A tia não mais amava o esposo? E, na verdade, será que um dia amou?

— Você não o ama mais?

— Eu amo você, meu amor. Como posso  amar duas pessoas ao mesmo tempo?

— Não sei, pelo menos consideração por ele. Você tem?

— Como posso ter consideração por uma pessoa que despreza outra, podendo sim ajudar ela? Acho, amor, que Frankie merece tudo que está passando. E, conhecendo como o conheço, ele sempre foi avarento, é capaz de por uma corda no pescoço e se matar.

— Nossa! A este ponto?

— A este ponto. Daí seríamos só nós dois. — concluiu Deby, pensativa, imaginando aquela possibilidade.

Dormindo com o Sobrinho Onde histórias criam vida. Descubra agora