7 anos já se passaram, agora não sou mais uma criança inocente de 10 anos, e sim um adolescente de 17, preso em um orfanato de Paris, que não vê a hora de completar seus 18 anos para dar o fora daqui. E mesmo assim, ainda fico me relembrando do que me levou a ser órfão. Odeio quando faço isso. Eu só simplesmente deveria esquecer o monstro e a minha mãe morta no chão. Mas não consigo. É isso que o amor faz, uma droga, não? Pelo menos não cometi o erro de mamãe, eu aceitei que o amor é uma droga, que o jeito que as pessoas falam dele não existe. Não existe esse amor feliz, existe um amor péssimo. O amor é uma grande pilha de merda fedorenta, é isso que ele é.
Minha cabeça está latejando. Toco nela e sinto o suor descer devagar. Meu corpo está fraco e eu provavelmente estou pálido. Odeio quando me faço lembrar dessa coisa.
A porta do quarto bateu. Não respondi nada, porque seja quem for vai entrar de qualquer forma.
Então, como esperado, a porta foi aberta. Mostrando um garotinho de 15 anos, com os cabelos loiros e os olhos azuis, totalmente inocente, desprevenido dos males da vida. Do amor. É Adrien Nicolette, meu colega de quarto.— Oi. — ele falou, de forma educada, enquanto entrava no quarto.
Adrien foi pegando cada coisa sua e jogando dentro das suas malas. Fiquei sem entender.— O que você tá fazendo? Finalmente realizou seu sonho de ser adotado?
— Quem me dera! — exclamou. — Mas meu pequeno sonho ainda não aconteceu.
— E nem vai acontecer — ele fechou a cara. Adrien me odeia e, tecnicamente, eu o odeio também. — Mas então por que está fazendo as malas?
— Vou mudar de quarto — respondeu. — Meu novo colega de quarto é o Louis, muito melhor do que você.
— Agora cabe o Louis a te suportar.
— O único insuportável aqui é você, Maurice!
— Bem, mas o que devo a honra desse milagre? Eu vou ter um quarto só pra mim agora?
— Não.
— Droga! — resmunguei. — Quem é meu novo colega de quarto? Espero que ele não seja sua versão 2.0.
— Alain Morrice.
— Alain Morrice? — ergui uma sobrancelha. — Eu vivo nesse orfanato à 7 anos, não conheço nenhum Alain Morrice.
— É porque ele é novo aqui — explicou. — Os pais morreram em um acidente de carro, e bem, ninguém quis tomar guarda dele na família porque ele é gay.
Fiquei paralisado por um tempo. Tenho dó de Alain Morrice. Olha o que o amor já fez com ele. Paris é realmente a cidade do amor.
Adrien percebeu meu estado de surpresa, e por isso perguntou se eu tinha algum problema com gays. Eu respondi que não, até porque nem eu sei sobre minha sexualidade, mas não quero saber porque eu nunca vou me permitir apaixonar por alguém. Não posso cometer a mesma falha de bilhões de pessoas.
Adrien saiu do quarto um pouco irritado comigo. Ele acha sim que sou homofóbico e vou deixar a vida de Alain Morrice pior do que já estava.
De qualquer forma, estava sozinho outra vez.
Observei o lado do quarto que era de Adrien, agora estava vazio. O guarda-roupa de madeira não tinha mais nenhuma peça de roupa. As paredes azuis estavam vazias, já que antes estavam cobertas de pôsteres de atores famosos. A cama estava feita com lençóis brancos e não tinha mais nenhum par de sapato espalhado pelo chão.
Senti uma sensação de alívio. Agora é torcer para que Alain Morrice não seja algum tipo de Adrien 2.0 mesmo.A porta se abriu tão rápido que se bateu com a parede, me fazendo levar um susto e tirar o fone do ouvido, que tocava a música Amour Plastique.
De repente, vi a Senhora Dubois, com o mesmo coque e os óculos de sempre. Atrás dela vi um garoto, segurando grandes malas. Meu coração deu um pulinho que não consegui explicar, ele é muito bonito, tenho que admitir. Seu cabelo é escuro e está um pouco bagunçado, seus olhos são verdes mas estão um pouco inchados e vermelhos. Provavelmente ainda está arrasado com a mudança radical na vida dele. Pior que consigo entendê-lo.— Senhor Victorine! — a Senhora Dubois começou a falar.
— Sim?
— Esse é Alain Morrice, seu novo colega de quarto — ela saiu um pouco de trás e tive uma versão melhor dele, e realmente, ele é "lindo de morrer", como costumam dizer. — Seja gentil.
Ela o convidou a entrar no quarto e ele entrou. Em seguida, a Senhora Dubois saiu, fechando a porta com a mesma força que a abriu.
— Oi, Alain, seja bem-vindo.
Suas bochechas ficaram vermelhas de repente. Pelo visto, ele é daqueles garotos tímidos. O pior é que isso só o torna mais bonito e um tanto fofo. Não sei aonde eu estou com a cabeça mas eu preciso admitir isso. Ele é bonito e fofo. Porra.
— O-o-obrigado. — gaguejou, sem jeito, e se sentou na sua nova cama, que antes era de Adrien.
— Não vai arrumar suas coisas?
Ele ficou mais vermelho e eu nem sabia que isso era possível.
— Tudo bem se eu arrumar depois?
— Ah, cara, tudo bem, é a sua parte do quarto, faça o que quiser com ela.
Ele assentiu. Parecia um pouco mais relaxado.
Coloquei meu fone novamente, voltando a escutar a música Amour Plastique.
Bem, Alain não é a versão 2.0 de Adrien, e agradeço aos céus por isso. Ele só é muito tímido, mas não me incomoda.
Não sei muito bem a razão, mas dei uma espiada do lado para ver o novato. Ele tinha tirado os sapatos e agora estava encolhido na cama, dormindo. Não duvido que ele esteja bem cansado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A cidade do amor
RomanceÀs vezes eu me pergunto, o que pode ser pior do que viver em Paris, a cidade do amor, mas não conseguir acreditar nele?