O Acordo

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Com o passar dos céus, o pequeno Guilhermo já dava suas breves passadas, o brilho da curiosidade nos olhos dourados era frequente e encantador a qualquer um que lhe visse.

Bianca gostava de vê-lo brincar no grande salão de gelo de seu castelo, enquanto tomava seu chá frio e doce. Seu humor teve alguma melhora, mas a mágoa por Gottan ter ido embora para não mais voltar ainda era imensa. O esperou sentada por muitos períodos de escuridão na varanda de seu quarto, implorava para que ele voltasse, congelava grandes áreas de terra sem querer, e chorava mais ainda ao ver o fogo vindo do chão derreter tudo.

Apesar de amar o filho, se sentia presa num ponto azul, sozinha e ferida por dentro.

Inconformada com sua atual situação, afinal, seu reino perdeu uma extensão considerável, graças à magnetude da magia de Beatriz, Bianca colocou o primeiro pé na carruagem e se impulsionou para dentro dela, indo rumo ao Baile Celestial da Família; era tradição para eles.

Obviamente, seu objetivo ali não era festejar, já que julgava não ter motivos, e sim reivindicar seu direitos.

No Castelo de Magno e Charlote, o Chapeleiro arrumava a cartola preferida na cabeça, de tom vinho com adornos tribais na lateral esquerda, e Ariela alisava o paletó que parecia um tanto maior que o corpo do amigo.

- Tem certeza de que papai não tem um número menor? Podemos fazer uns reparos para encurtar essas mangas.

- Não se preocupe com isso, Ariela. Eu poderia ter feito isso, mas decidi manter o tamanho maior que eu para que papai veja que ainda crescerei mais, e isso o deixará feliz. Ele diz que já cresci o suficiente e que teme que eu não precise mais dele.

- Oh, Chapeleiro. - Sorriu para ele e lhe deu um beijo no rosto. - Sempre preocupado com os outros, certo? Vamos, temos que descer agora, irmão.

Enlaçaram os braços e desceram com toda a pompa, e Ariela arrancou suspiros de contentamento naquele vestido azul pastel e sorriu para os convidados, já que todos no País das Maravilhas eram bem-vindos.
Os dois lados do salão de piso brilhante e dourado estavam repletos de mesas redondas e rostos felizes, pois aquela festa era mesmo muito bonita.

Magno e Charlote, em seus tronos, acenavam para os dois jovens, que agora corriam na direção da mesa de Maise e seus convidados. Adoravam a companhia dos mais antigos amigos.

As portas do salão se abriram e um frio incômodo se infiltrou com o vento, e Bianca entrou com seu vestido liso e branco, os cabelos longos estavam presos num coque, e os brincos eram como várias pequenas esferas de gelo.

Havia arrogância em seu rosto, e ela caminhou até chegar diante do trono dos pais, fazendo uma reverência generosa.

- Meus pais.

- Bianca, que bom que veio. - Charlote estendeu sua mão para que a filha pegasse, e pôde ver os olhos sem brilho e a falta de alegria no semblante imparcial. - Como está meu neto?

- Em perfeito estado de saúde e ânimo. Cresce com toda a alegria das crianças, minha mãe.

- É o que importa. - Assentiu para a filha e voltou a vista para Magno, que encarava as portas ainda abertas.

Confusa, Charlote seguiu o olhar do marido e encontrou Beatriz ali, vestida de vermelho, um tanto inapropriada, já que suas curvas eram bem evidentes. O sorriso zombeteiro nunca escapa dos lábios finos, e seus passos elegantes e firmes a levavam a caminhar com entusiasmo enquanto acenava e lançava beijos aos mais afoitos com sua presença.

- Mas o que é isso?! - Bianca tropeçou e subiu os degraus do trono com pressa, ficando ao lado do pai rígido.

- Magno? - Charlote murmurou ao ver Beatriz vir até eles com um brilho vermelho nos olhos semicerrados.

- Eu não tive escolha. - A voz dele soou tremida, e desceu a vista para não ter que encarar Beatriz na sua frente.

O sorriso da Rainha Vermelha ficou mais largo ao encarar as três pessoas assustadas no altar, e gostou da sensação de revê-los, era como se tivesse um motivo maior para viver e queimar mais um pouco.

Tinha agora vagas lembranças de seu passado, mas tinha consciência de quem deveria sofrer ou não.
Pediu para estar ali, entre eles, pois seu objetivo era não esquecer uma única coisa: Vingança.

Se curvou numa breve reverência, sem abandonar os olhos de Magno, e se deliciou ao ver o queixo dele tremer um pouco.

- Meus pais.

Magno meneou a cabeça um tanto rígido, mas Charlote não conseguiu se mover. Para ela, até mesmo a reverência vinda de Beatriz era como uma piada, porque era fácil notar o quanto estava se divertido com o temor dos presentes.

- O que faz aqui? - Bianca disse entre dentes, e o chão congelou onde estava, fazendo Magno fechar os olhos e se negar a sair daquele campo de frio que ela criou. - Você não é bem-vinda.

O corpo magro de Beatriz voltou a posição normal e sua atenção foi tomada para aquele ponto congelado nos pés de Bianca, que ainda lhe encarava como se fosse expulsá-la à ponta pés.

- Ah, você não considera sua irmã mais nova da família? Quer que eu vá embora?

- Não considero e quero que saia daqui imediatamente! Está claro para você agora? Vamos, suma da minha frente!

- Hmm. - Um bico se formou nos lábios de Beatriz, expressando uma falsa mágoa.

Em seguida, seus olhos negros ficaram vermelhos pelo fogo neles e encarou a mancha de gelo nos pés de Bianca, que agora derretia rapidamente, para o desespero desta.

Bianca tentou manter a temperatura fria, mas já pisava na água que antes foi o gelo, e seus olhos arregalaram pelo calor em seu corpo, e suou e resfogelou sufocada.

Beatriz via a cena com grande satisfação, era como se pudessem ler em seu rosto a frase "Você sabe que eu posso te matar agora, certo?". E podia, era tão forte, graças ao poder que ganhou de Gottan, que conseguia pulverizar Bianca, e faria aquilo sem arrependimentos.

- Pare. - Charlote ficou de pé e Beatriz cruzou os braços para trás, acabando com o tormento da irmã e parecendo muito inocente.

Sem ar, Bianca voltou a resfriar seu corpo e apertou os olhos com força, tendo muito esforço para se recuperar do mal que sentiu. Seu ódio por Beatriz conseguiu ficar maior, um feito e tanto, mas andou para trás do trono do pai, visivelmente atemorizada.

- Beatriz. - Magno engoliu em seco e mostrou o salão com uma mão no ar. - Veja, os convidados esperam uma linda festa, não vamos decepcionar o povo.

- Mas é claro, Magno! Eu adoro festas! Quem está ali? Oh, é o meu irmãozinho? Como está grande! Vou falar com ele antes que o tempo o tome de mim!

Quando Beatriz correu e abraçou o Chapeleiro com força, mataram a saudade e conversaram alegremente. No entanto, Magno tinha a atenção presa nos dois, até que Charlote puxasse a manga de suas vestes.

- O que ela está fazendo?! Magno, isso não faz sentido! Que Beatriz é essa agora?!

- Papai, mande ela embora! - Bianca se agachou na frente pai e suplicou para que ele a ouvisse. - O Senhor não percebe que ela vai acabar matando alguém?! Veja o que acabou de me acontecer!

- Ela vai esquecer. - Magno ainda encarava Beatriz e o Chapeleiro ao longe, felizes e dançando. - Haverá um tempo em que Beatriz não saberá diferenciar o Chapeleiro de um estranho, e ela sabe disso. Vocês não percebem?! O que Beatriz fez não pode ser mudado, ela é mais forte que todos nós, mas está esquecendo.

- O que você quer dizer, Magno? - Charlote apertou o pulso dele e seus olhos se encontraram, havia medo refletido ali, mas também, esperança.

- Não podemos irritar Beatriz, e assim seremos salvos. Estou implorando para vocês, deixem que ela viva da maneira que quiser, mas não façam nada que permita que ela se lembre de nós. A Ordem que Beatriz deu para si mesma seguirá afetando sua mente, e bastará que fiquemos quietos para não sofrermos tanto com isso.

- Não! - Bianca estava à ponto de sacudir o pai pelos ombros e lhe xingar, porque não podia aceitar o que ele dizia. - Nos curvar como plebeus?! Como súditos de Beatriz?! Você ficou louco?! Temos que nos unir e lutar! Eu entro em guerra, mas nunca serei uma poeira nos sapatos daquela que roubou o meu marido de mim! Morro lutando, mas não abaixo a cabeça! Ouçam bem, eu não vou recuar nunca!

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora