Acabe com o Frio!

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Pelos corredores do castelo o Chapeleiro e Ariela corriam por causa de uma brincadeira de jovens. Se deram tão bem logo de início que eram inseparáveis aos olhos de qualquer um que os visse.

Sorte dos jovens que tem tempo para se divertir, pois no escritório de Magno uma conversa tensa não lhe deixava nada alegre.

- Gottan, você ficou com uma responsabilidade em mãos! Como assim todos aqueles habitantes morreram congelados?! Você estava dormindo para que não impedisse isso?! Onde está Bianca?! Ela vai me ouvir!

- Charlote não me deixou sair desse castelo! Você não pode abrir a boca para dizer que eu não fiz nada quando tudo o que fiz foi cuidar de um mundo inteiro sozinho!

- E é assim que você cuida do País das Maravilhas?! - Apontou para a janela, depois bateu na mesa, que fez um ruído abafado. - Eu confiei em você! Acreditei que tivesse pulso firme! Se a sua mulher estava despejando gelo por estar solitária, que fosse até ela mais cedo! Quem lhe disse que Charlote pode lhe dizer onde é que você tem de estar?! Isso é ridículo! Que espécie de Rei é você, Gottan?!

Frustrado e furioso, Gottan não respondeu, apenas cruzou os braços e encarou um canto qualquer.

De fato, Charlote lhe dominou como uma sereia domina sua presa, foi fácil até demais.

A única alta do período sem Magno era que novos habitantes estavam caindo no País das Maravilhas e decidindo ficar.

- Outros estão vindo.

- Mas o gelo continua a bater na sua cintura! - Magno ainda tinha o que reclamar. - Vá agora até o seu castelo e diga a Bianca para desfaça isso! Estou cansado de tanto frio!

- Ela não pode saber, Magno. Temo de que a ideia de um mundo de gelo lhe agrade e as coisas piorem. Estou aliviado que Bianca não sai daquele quarto.

- Derreta aquele gelo com o seu poder de fogo! - Ergueu as mãos para o ar, exausto de ter que falar o óbvio. - Não é para isso que essa sua magia serve?

- Tenho trabalhado em algumas áreas, mas me canso e o gelo volta quando tiro um tempo para me recompor. Não dou conta de derreter um mundo inteiro sozinho!

Um certo nome passou pela mente de Magno, nome este que ele odiava com todas as suas forças. Era o momento final, a humilhação havia chegado.

- Onde está Beatriz?

Longe dali, no Lago das Sereias Selenas da Lua, Ouromiia deslizava sua mão pela água negra, o corpo deitado na grama e trêmulo pela neve. Não havia brilho em seus olhos, era como se nem estivesse ciente dos movimentos que fazia.
Por todo aquele tempo, ninguém ousava se aproximar da sereia, diziam que ela era uma perda de tempo. Até mesmo os Gnomos Finenses resmungavam que estavam cansados de cuidar dela, e não tinham mais a mesma paciência de antes.
Sempre calada e indiferente ao que acontecia ao seu redor, Ouromiia ficava muito sozinha no frio e silêncio da floresta.

Sorrateiro pelo ar, Chershire surgiu no alto da cabeça dela e se acomodou numa pedra ao lado.

- Minha Rainha, como está?

Não teve resposta, por isso assentiu sozinho e continuou a ver o movimento da água em contanto com a mão da sereia de rosto sereno.

- O Rei Magno está de volta. Isso é muito bom, você sabia? Sinto que as coisas vão melhorar para todos nós. Ah, não pense que não tem mais jeito, é só o inverno, certo? Vai passar.

Uma brisa fria fez a sereia tirar a mão da água e se encolher, fechando os olhos e respirando fundo.

- Sei que está com frio, eu também estou. Para falar a verdade mal saio de meus aposentos, dormir me parece mais certo em tempos como este.
No entanto, tenho sentido uma necessidade muito grande de ver como estão os outros, entende?
Eles vivem dizendo que sou um gato intrometido, e eu não nego, mas sei que é muito chato ficar sozinho.

Ficou quieto de repente e admirou a floresta coberta de neve. Estava tudo tão calmo que Chershire desejou gritar para acabar com aquilo. O gato se perguntou se Ouromiia não se cansava daquele lugar, mas lembrou que ele era o seu Reino, e que não poderia abandoná-lo. As memórias com suas irmãs ainda estavam vivas ali, foi tudo o que restou no final.

Você também acha que é chato ficar só, eu sei que sim. Sabe, é por isso que eu sempre imponho minha presença adorável por todos os cantos e, no fim das contas, não tem que não me queira por perto.

Um leve repuxar no canto do lábio da sereia alertou Chershire para que continuasse a falar, já que a sombra de um sorriso em alguém tão destruído era um ótimo sinal de melhoras.

- Está pensando que sou um gato prepotente e orgulhoso, não é? Ah, e também sou lindo, não se esqueça. Maise vive me xingando, o que significa que ela me adora, já que se empenha tanto em suas reações ao falar comigo e de mim.
Prefiro ver as coisas desse lado, mas confesso que gosto de implicar com aquela rata velha reclamona.
Sejamos francos, quem mais poderia discutir com ela sem medo? Ah, esse mundo precisa tanto de mim.

E assim Cheshire continuou a falar sem parar ao lado de Ouromiia. Mesmo que ela dormisse em certos momentos ele continuava lá, paciente e sempre disposto a informar para a sereia todas as novidades, como fazia sempre há muitos céus.

Em algum céu depois Ouromiia ficaria boa e se lembraria de quem esteve ao seu lado sem lhe fazer cobranças, de quem lhe tentou fazer sorrir, e ela nunca esqueceria disso.
Chershire não esperava gratidão, não, não; ele só queria sorrir largo de novo, mas não conseguia fazer isso no meio de tantos amigos tristes.

Charlote abriu a porta do quarto, agora sem gelo, de Bianca e deu uma olhada no bebê dormindo, antes de ir até a filha na varanda.
Tocou o ombro gelado e Bianca virou o rosto para vê-la. Não havia nada em seu olhar de gelo.

- Gosto assim. - Voltou a ver a paisagem branca e fria. - Me sinto melhor quando o País das Maravilhas se parece mais comigo. Quero isso para sempre.

- Você não pode. - Charlote se colocou ao lado da filha e tinha uma expressão apelativa no rosto. - Minha filha, eu presenciei o que o gelo pode fazer com a vida de alguém, foi terrível.  Por favor, você tem um bebê que não gosta de frio, acabe com todo esse gelo que nos maltrata.

- Não. - Foi direta e apertou a barra de ferro da varanda com força, a congelando sem perceber. - Vocês vão se acostumar. O gelo é bom, aproxima uns dos outros. Quero saber até onde está o meu gelo, em seguida farei mais dele. É disso que nós precisamos, mamãe. Acredite em mim. Precisamos de mais gelo.

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora