A Doença de Ouromiia

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Cerca de cinco céus se passaram no País das Maravilhas, e neste período de tempo o povo sofreu com o gelo que nunca cede. Até mesmo o lago das Sereias Selenas da Lua ainda não havia descongelado, sendo impossível tirar os corpos das pobres vítimas de lá.

O choro de Ouromiia se fazia ouvir pela floresta, e ele soava como um mal agouro vindo da própria natureza, como um sinal frequente de que, depois do gelo, tudo só iria piorar.

Em uma atitude rara, Charlote andava pela floresta em passos curtos e receosos, e Chershire lhe seguia, flutuando sob sua cabeça.

- Magno já vai voltar. - Charlote repetiu tantas vezes aquela frase que fez Chershire suspirar e revirar os olhos.

- Por que esperar que um homem resolva o problema? Acaso se esquece de que é tão capaz quanto ele?

- Eu ainda lhe corto a cabeça! - Ela retrucou e apontou para o gato. - É claro que sou capaz de fazer qualquer coisa. Apenas não quero ter que me preocupar com tudo isso que está acontecendo! Ora, deixe de ser tão enxerido e pare de me seguir!

- Humm, não, não. Não ser enxerido vai contra a minha natureza. - Ele teria rido se o clima não estivesse tão pesado. - E não adianta me ameaçar, minha Rainha, porque já estou bem acostumado com pessoas que não sabem lidar com o sábio que sou, e por isso me detestam.

- Vou fingir que você não insinua que eu tenho inveja de você, e me poupar de mais uma enxaqueca.

Charlote limpou o suor da testa e abriu caminho com as mãos, tirando galhos endurecidos e brancos da frente da passagem para o lago das Sereias Selenas da Lua.

- Ah...

Sua mão direita cobriu o nariz quando sentiu o cheiro podre no ar, e seus olhos semicerram quando encontrou as Sereias mortas no lago, com metade dos corpos fora próximo a margem. Estavam numa posição estranha, como se tivessem desistindo de tentar sair da água e apenas deitado suas cabeças para descansar um pouco. Porém, Charlote sabia muito bem que aquelas criaturas não estavam mais vivas, morreram há muito tempo e nem mesmo tiveram chance contra o frio que veio tão depressa.
O som de um choramingo chamou a atenção da mulher, que voltou seus olhos apreensivos para a sua esquerda.
Gnomos Finenses, pequenos, feios e desengoçados ofereciam uma refeição numa lasca de madeira para um montinho de terra e neve no chão, o que deixou a Rainha curiosa.

- Chershire.

- Espere um pouco.

Aquele montinho de sujeira se moveu e Charlote deixou o queixo cair em perplexidade quando avistou os cabelos brancos sujos, os braços trêmulos e cobertos de terra, em seguida o rosto retorcido de frio de Ouromiia, a Rainha das Sereias Selenas da Lua.

- Como uma Rainha pode cair tanto? - Charlote perguntou.

- Ouromiia está imersa em uma tristeza profunda. - Chershire respondeu e ponderou a situação de forma delicada, para só depois mostrar sua perspectiva do caso. - Acredito que ela não se encontra consciente das coisas que faz. Os Gnomos Finenses me disseram que Ouromiia não fala desde a morte de suas irmãs e não aceita comer ou dormir. Eles perguntam o que podem fazer para ajudá-la, mas ela parece não ouvir nada do que lhe dizem, está muito perdida em sua dor. Temo que se cansem de estar por perto pois, se já acho perigoso que ela não se comunique e cuide do corpo, mais perigoso ainda será se ficar sozinha.
Preciso vir aqui para ter certeza de que, apesar de sua paralisia, ela ainda siga respirando.

Algo como aquilo era assustador demais para Charlote. Como era possível sofrer tanto à ponto de perder o controle sob sua própria existência?

- Me parece algo contagioso. - Seu decreto veio depressa. - Não permitirei que esta doença estranha se infiltre no meu mundo.

- Não se preocupe. - Chershire tomou posse da situação com determinação e encarou os olhos arregalados da mulher. - Essa doença não é do tipo que se espalha facilmente. Um caso ou outro pode estar acontecendo, e precisamos lidar bem com eles, o que significa que não é o caso para matá-los. Não está no corpo, e sim na mente.

- Viver em sociedade é estar em um ciclo! É inevitável que isso se repita cada vez mais, Chershire!

- Apenas não os deixe saber, e apartir disso se evitará a histeria coletiva. - Chershire voltou seu olhar para Ouromiia ao longe. - Entenda, Rainha Charlote. Diante de tantas mortes, não podemos perder mais ninguém. Precisamos cuidar daqueles que estão sofrendo, dar o melhor que pudermos. Se é dá histeria que você tem medo, vamos evitá-la ao máximo, e em meio a isso manteremos os quase vivos mais vivos ainda.

Charlote engoliu em seco e franziu o cenho quando Ouromiia deitou a cabeça no chão, ignorando a comida e voltando a sumir em sua bola de sujeira e silêncio.
Não poderiam declarar com exatidão como aquilo começou, mas Charlote tinha muito medo de que só aumentasse e se aproximasse de si. Seja qual fosse aquela doença que deixava alguém em frangalhos, ela só queria que se acabasse e nunca mais voltasse a entrar no País das Maravilhas.


O jovem Chapeleiro cavava ao redor das casas vermelho e branco da vila para tirar a neve em excesso das portas e janelas. Seus corpo, com o passar do tempo, ganhavam definição, mas ainda era um garoto de rosto angelical com olhos verdes que se arregalavam com o menor ruído.

- Você quer um chá? - Um dos gêmeos entregou uma xícara verde para ele, que aceitou e suspirou cansado.

- Obrigado, você é muito gentil. - E foi então que ele se atentou para um fato. - Você nunca me disse o seu nome.

- Eu não sei o meu nome. - O rapaz respondeu e baixou a vista. - Esqueci faz alguns céus. Meu irmão também não se lembra do dele. Somos chamados de Gêmeos.

- Vocês sempre estiveram aqui? - O Chapeleiro estava realmente curioso.

- Tome o seu chá. - O outro irmão surgiu da casa de Maise e sorriu. - É só disso que você precisa agora, Chapeleiro, de uma xícara de chá.

Não havia raiva no rosto dos rapazes, mas o Chapeleiro não demorou a entender que eles decidiram juntos que falar de si era proibido, e só restou ao jovem aceitar.

- Chapeleiro! - A Lebre veio aos pulos e ofereceu uma cenoura à ele. - Está com fome?

- Ah, sim. Muito obrigado, Lebre. Você é muito gentil, todos vocês, na verdade.

O jovem comia a cenoura e tomava o chá doce, mas volta e meia lançava olhares curiosos aos Gêmeos, desejando que eles sentissem confiança para conversarem sobre o que quisessem com ele no futuro.

- E Maise? - Ele perguntou e a Lebre lhe respondeu sem tirar os olhos da neve, que comia depressa.

- Está descansando um pouco. - Respondeu e riu da língua mole para fora da boca. Estava adormecida por conta do gelo. - Puh...

Sua risada desengonçada se ouviu brevemente, e aquilo fez o Chapeleiro sorrir brevemente, o que era algo muito bom para todos ao redor.

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora