O Reencontro

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Maise velava o sono do jovem Chapeleiro, temerosa por deixá-lo um instante e ter o azar de ele acordar sozinho e assustado. As imagens de todo aquele fogo ainda aqueciam o corpo trêmulo da rata e, não conseguindo fechar os olhos para dormir, terminou por estar ali, protegendo o Chapeleiro como se fosse seu próprio filho.

- Maise. - A voz sussurrada da Lebre veio da porta, e Maise saiu do quarto para ir somente até o corredor. - Você precisa comer algo.

- Não tenho tempo para isso. - Maise se virou para voltar ao quarto, mas o alerta da Lebre lhe parou.

- Você deve comer antes de ir, Maise.

Ao ouvir aquela frase, Maise só podia acreditar que a Lebre estava tendo mais um de seus surtos de loucura, pois não havia quem pudesse tirá-la do lado do Chapeleiro.

- Está doida? Para onde você pensa que eu irei sem o Chapeleiro? Que bobagem é essa que você está dizendo, Lebre?

Passos foram ouvidos no andar de baixo da casa e Maise engoliu sua teimosia e desceu até lá às pressas. Imagine a sua surpresa ao encontrar duas imensas cartas de baralho com rostos de homens e lanças nas mãos. Suas pernas eram tão finas que pareciam não sustentar com facilidade o próprio corpo, mas suas expressões faciais guardavam tanta irá que Maise não ousou ser a primeira a se pronunciar.

- Viemos por Ordem da Rainha Vermelha. - A carta de baralho falou e sua voz era grave e rude.

- Vocês adentraram o pedaço do mundo do Chapeleiro. Por favor, saiam sem fazer barulho, ele está dormindo.

- Nos acompanhe agora ou a fúria da Rainha Vermelha cairá sobre essa casa.

Não faltava mais nada! Maise pensou. Seu olhar vacilou para a Lebre escondida por detrás do sofá azul e torceu para que ela cuidasse bem do Chapeleiro.

- Não façam nada, eu irei com vocês.

Maise saiu da casa acompanhada pelos dois soldados da Rainha Vermelha, seu destino era um mistério e seu coração batia acelerado. Naquela caminhada silenciosa seus pensamentos a levaram para um tempo em que Beatriz era apenas uma menina correndo às gargalhadas pelo País das Maravilhas, tão inocente que ninguém poderia dizer que se tornaria o mal que reinava sobre aquele mundo.
Logo, eles chegavam a clareira e passavam pelos grandes portões vermelhos, e foi naquele instante que Maise sentiu seu estômago revirar quando sentiu o forte cheiro de sangue no ar.
Entraram no semi escuro salão de cores vermelhas nas cortinas fechadas e Maise sentiu tremores quando viu ao longe as duas chamas vermelhas nos olhos da Rainha Vermelha sentada em seu trono que parecia ser feito de carne e sangue.
De repente, tomada pelo pavor, Maise precisou se esforçar ao máximo para continuar andando, pois seu corpo parecia não obedecer seus comandos.

- Rata Maise. - A voz sombria e surpreendentemente suave ecoou pelo salão, e foi inevitável para Maise abaixar a cabeça e fechar os olhos. - Posso sentir o seu medo, e ele fede.

- Eu não... - Maise gaguejou e apertou os olhos antes de conseguir abri-los e tomar coragem para encarar os olhos de fogo de Beatriz. - Não temo pela minha vida. Porém, temo a possibilidade de deixar o Chapeleiro sozinho. Sei que não se importa com ele, mas eu imploro, me deixe...

- Ordeno que cale esta boca. - Beatriz disse simplesmente e viu Maise engasgada com suas próprias palavras. Seus pensamentos eram um mistério, a cabeça levemente inclinada para baixo, como se desafiasse Maise apenas por vê-la respirar. - Conheço sua história, rata Maise, toda ela. Sei que você nunca foi das piores, mas seu passado lhe moldou dura como uma rocha. Sua espada poucas vezes é erguida, no entanto, não podemos falar o mesmo de sua língua ferina. Uma rata como essa me faz afundar em dúvidas que odeio.

Paralisada de medo e sem conseguir falar, Maise não pôde gritar como queria quando seus olhos arregalaram ao ver grossos tentáculos de carne e sangue deslizarem do trono da Rainha Vermelha e virem em sua direção. Beatriz quase sorriu ao encontrar o pavor da rata, por fim ficou satisfeita quando um dos tentáculos alcançou a pata direita de Maise, que rapidamente caiu de quatro no chão.

- Preciso Ordenar que você não o traia?

Maise negou com a cabeça, o que não foi uma boa idéia. Seu estômago revirou e o corpo convulsionou para frente quando sangue jorrou de sua boca.
Beatriz deixou escapar uma risada sombria e seus olhos de fogo brilharam mais forte.

- Terei um imenso prazer em arrancar sua cabeça, assistir todo o seu sangue sujar o meu chão e por fim, atear fogo em seu corpo morto. Ordem desfeita.

- Não farei isso! - Maise cuspiu aquelas palavras junto com o sangue novamente. Seu corpo inteiro tremia jogado no chão. - Eu o amo, por favor... Eu imploro. Ele foi deixado na minha porta, estava assustado e sozinho! Era tão pequeno ainda! Não vou trai-lo nunca! Eu amo o menino! Você não faz ideia do quanto!

Intrigada, Beatriz ponderou as palavras de Maise e ergueu o queixo quando novos tentáculos de carne e sangue agarraram a rata, que gritou de dor.

- Eu imploro! Não me mate! Ele não pode ficar sozinho!

Os tentáculos no corpo de Maise cresceram conforme sugavam o sangue dela, deixando seu corpo tão fraco que sua vista ficou turva e escureceu. Antes de perder completamente os sentidos, a voz de Beatriz ecoou nos ouvidos Maise, que nunca esqueceria daquelas palavras.

- Monstros não conhecem a misericórdia, rata Maise. Eles simplesmente não conhecem.



The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora