O Gelo que não derrete.

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Os passos desajeitados de Maise sobre a neve imitam um som abafado, seus dentes batiam uns contra os outros por conta do frio extremo e seu olhar atento pela floresta buscava por sobreviventes.
Seu coração encolheu no peito quando encontrou Elefantes-Roxos-Chorões amontoados uns aos outros no chão, desacordados e cobertos parcialmente por neve.

- Não. - Maise tocou as costas de um deles e gemeu quando o sentiu rígido e gelado.

Morto, estava morto.

A rata queria chorar, mas estava tão frio que seus olhos tinham um ressecamento doloroso. Porém, um gemido de dor se fez ouvir no centro daquele monte de animais, e ela ergueu a cabeça para achar um filhote tremendo por debaixo da neve.
Os Elefantes-Roxos-Chorões montaram aquele círculo de calor para proteger o menor deles, e deram suas vidas por isso.

- Estou indo. - Maise passou por eles e alcançou o pequeno, o pondo nas costas e saindo com ele dali.

- A... a minha família não acorda. - A voz aguda do filhote ecoou no silêncio da floresta de gelo. - Eu quero a minha mãe.

Aquilo tudo era muito triste, Maise pensou. O pequeno elefante ainda não sabia que todos da sua família estavam mortos pelo frio, e ela não tinha forças para contar.

- Você precisa se aquecer. Não pense em mais nada agora, vai ficar tudo bem.

Conforme Maise caminhava pela floresta encontrava mais corpos de animais, e seu pavor já era óbvio em seus olhos arregalados.

- Estão dormindo assim como a minha família. - O filhote falou nas costas de Maise, e tomou uma atitude típica de ingênuos. - ACORDEM! TEMOS QUE LIMPAR A FLORESTA!

- Pare. - Maise o sacudiu em suas costas de leve, tomando a atenção dele. - Deixe que eles descansem. É o mínimo que merecem depois de tanto sofrimento.

- Mas...

- Respeite o silêncio, pequeno. Respeite o silêncio.



No castelo da Rainha Vermelha, a Lebre, o Gato Chershire, Aragon e os gêmeos sentavam juntos de uma pequena lareira no chão, que foi feita pelos dois garotos. Nenhum deles falava, todos muito tristes, mas um dos gêmeos cortou o silêncio.

- Passamos pelo lago das Sereias Selenas da Lua. - Ele disse trêmulo. - Foi horrível. Estavam mortas no lago congelado. Nunca vou esquecer aquela visão.

- Ouromiia sobreviveu. - O outro gêmeo disse e esfregou as mãos nas bochechas vermelhas e frias. - Os Gnomos Finenses conseguiram arrastá-la para fora água e envolveram seu corpo seus mantos sagrados. É uma pena só ter apenas para uma sereia e para eles. Disseram que a pobre Ouromiia não para de se lamentar pela morte de suas irmãs.

Chershire era apenas uma bolinha de pêlos ao lado da fogueira e sua voz saiu rouca e arrastada.

- Quem diria que meu refúgio seria no castelo da terrível Rainha Vermelha.

Todos assentiram em silêncio e a Lebre, tão quieta, olhou rapidamente ao redor do salão escuro e destruído.

- Sempre tivemos tanto medo de seu poder de fogo, mas acabamos por sermos sucumbidos pelo gelo que não derrete. Nem mesmo a Rainha Vermelha tirou a vida de tantos de nós e tão rápido. Penso em Maise e no Chapeleiro, temo pela vida deles.

- Não sabemos de nada. - Aragon falou. - Podem estar seguros no castelo da Rainha Charlote.

- Por que isso aconteceu? - Um dos gêmeos perguntou. - O que fizeram para a Rainha Branca se voltar contra o povo?

- Soube que ela andava muito sozinha. - Chershire respondeu. - Não podemos duvidar do poder de enlouquecer que a solidão guarda.

O som de passos se fez ouvir e eles olharam uns para os outros, apavorados e alertas.

- Seria a Rainha Vermelha? - A Lebre gemeu de medo.

- Não quero morrer. - Os gêmeos falaram juntos e ficaram de pé.

Os passos foram se aproximando, mas o eco não permitia que soubessem de onde vinha, o que só os deixava desesperados para sair correndo dali.

- Achei vocês.

A Lebre soltou um grito extremamente alto e pulou para junto de Aragon, porém, sossegou quando viu Maise na sua frente.

- Maise! - A Lebre pulou em cima dela, que deixou o filhote de Elefante no e o viu correr para o fogo. - Vejam, ela está viva!

- Me solte, sua maluca. - Maise se livrou do aperto dela, mas estava aliviada que todos estivessem bem. - Imaginei que tivessem corrido para cá.

- Nos conte tudo! - Os gêmeos pediram.

- Estou exausta. - Ela respondeu e se jogou no chão e também junto ao fogo. - Ah, vocês foram espertos. Trazer fogo para o castelo da Rainha Vermelha é tão sensato.

- Poupe-nos do seu sarcasmo. - Chershire retrucou ainda encolhido e com os olhos quase se fechando por conta do sono. - Onde está o Chapeleiro?

- Está seguro no castelo de Charlote. Muitos estão lá, mas foi por pouco que a neve não invadiu o lugar. Fora daqui não há ninguém que esteja vivo.

- Alguns conseguiram se salvar. - Aragon disse. - A neve está cedendo?

- Não. Acredito que levará um bom tempo para isso acontecer. Jamais vi tanto gelo na vida. Não existe um lugar sequer no mundo que não tenha sido coberto pelo véu da neve.
Precisamos ficar aqui até as coisas melhorarem para nós, e só depois disso poderemos enterrar os nossos amigos mortos.

Um soluço escapou da boca de Maise, e todos ali ficaram chocados ao ver que ela tinha se segurado para não mostrar sua fragilidade, mas não conseguiu por mais tempo.
Nenhum deles queria imaginar quantas mortes a rata viu pelo caminho, e só cuidaram do corpo gelado dela até se cansar de chorar.





No castelo da Rainha Branca, Gottan observava ela dormir tranquilamente sem saber de todo o mal que criou para aquele mundo. A mão dele foi para o ventre dela, sentindo um calorzinho inusitado ali.
Logo descobriu como o filho se mantos vivo, pois eles seriam iguais; o fogo os acompanha dentro de seus corpos.

- Você será tão quente quanto eu, não é?

Gottan suspirou e levantou da cama, indo para a varanda e observando o branco predominante no País das Maravilhas.
Não demorou para as lágrimas deslizarem por seu rosto, se sentindo incapaz de dar conta de tudo aquilo sozinho. Estava aflito, angustiado e maltratado. Sua infelicidade era tanta que desejou nunca ter voltado ao País das Maravilhas. Queria poder contar a alguém sobre sua origem e seus objetivos, pois quem sabe assim teria forças para seguir com seus propósitos.

- Você seria capaz de me ouvir sem me odiar?

Perguntou, mas sabia que não podia ser ouvido, em seguida colocou as mãos nas barras de ferro varanda e abaixou a cabeça para chorar mais.
Depois da tormenta só restava aquilo a se fazer, e só então era possível recomeçar.

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora