Ao Fogo

99 12 1
                                    

Quando o céu perdeu suas muitas cores pastéis e se tornou negro e estrelado, Bianca saiu silenciosamente de seu quarto usando uma longa camisola por dentro do roupão de seda e foi até a varanda no fim do corredor.
Sua ansiedade era tanta que a magia tão fria se expandia para além de seu corpo algumas vezes, o que acabava por lhe obrigar a respirar fundo e se acalmar.
Ao chegar na varanda Bianca voltou seus olhos quase brancos para o céu estrelado e brilhante, mas virou de costas e encarou o teto ali próximo, vendo Gottan sentado lá e estendendo sua mão para ela.

- Eu estava esperando ansiosamente por você, Bianca.

Bianca sorriu por dois motivos; por estar se encontrando às escondidas com um dos conselheiros de seu pai, e por estar trêmula diante do olhar dourado e fixo dele.
Quando Bianca segurou a mão de Gottan, o viu descer num bater de asas e ficar de frente para ela, agora tão próximo que a deixou mais nervosa e fria que o normal para si.

- Você está muito fria. - Ele pegou as mãos dela e as esfregou junto das suas, visivelmente preocupado. - Oh, vamos entrar.

- Não. - Bianca respondeu e seus olhos se fixaram mais uma vez. - Meu corpo é muito frio porque ainda não aprendi a controlar a magia congelante que tenho. Meu estado não tem nada a ver com o clima daqui de fora. Na verdade eu temo por você, tenho certeza de que está com muito frio ao meu lado.

Constrangida, Bianca livrou suas mãos geladas das mãos quentes dele, dando alguns passos para trás em seguida.

- Espere. - Gottan se deu conta da distância entre eles e voltou a se aproximar e segurar as mãos dela. - Eu já estive em temperaturas muito frias, lá no céu é assim. Tenho meus truques para manter meu corpo aquecido e é por isso mesmo que digo que não tem problema nenhum em estar perto de você porque eu me sinto bem e…

O final da frase de Gottan não veio, pois ele estava paralisado diante dos brilhantes olhos quase brancos de uma Bianca corada que prendia uma risada. Por fim ele ouviu Bianca rir e viu ela levar a mão aos lábios.

-Você é muito engraçado quando está nervoso. Ah, você falou tanto que não pude resistir, ri como uma boba.

- Desculpe. - Gottan passou a mão nos cabelos negros e sorriu envergonhado. - E você não é  boba, na verdade, isso soa melhor para mim, já que desatei a falar bobagens.

Ignorando a última coisa que ele disse, Bianca foi até o peitoral da varanda e sentou nele, colocando as pernas para fora em seguida. A altura imensa que terminava em um precipício de árvores lhe assustou, mas ela virou o rosto para ver Gottan segurando seu pulso ao seu lado.

- Você me salvaria se eu caísse? - Bianca perguntou ao fixar seu olhar naqueles olhos dourados e gentis.

- Eu nem mesmo deixaria você cair. - Ele respondeu e em seguida bateu suas asas, passou o braço dela sobre o ombro e a envolvendo em um abraço pela cintura.
Bianca gargalhou, surpresa por estar voando com ele e seus pés pisaram nos dele para que tivesse apoio.

- Vamos mesmo fazer isso?! Eu estou com medo, Gottan. Ah, não me solte!

- Não soltarei. - Ele respondeu e bateu as asas com mais força, fazendo com que Bianca o abraçasse mais forte e ambos pudessem sentir o coração um do outro acelerado. - Eu prometo que nunca soltarei você, Bianca.

A sensação de liberdade sentida pelos dois ofuscava qualquer vislumbre da realidade, pois voar pelo céu repleto de estrelas brilhantes era o único lugar onde desejavam estar. Porém, deixar a cautela de lado é um ato perigoso. Você pode fechar os seus olhos para a realidade, mas não pode evitar que ela lhe acompanhe por onde você for.

De sua janela, Beatriz os assistia com o rosto úmido por conta das lágrimas. Ver Gottan sorridente a voar com Bianca em seus braços lhe causou uma dor intensa no coração. A sensação tão forte de mágoa e raiva aqueceu  seu corpo cinza e rígido.

- Como podem?! - Beatriz abriu as portas da varanda de seu quarto de súbito e a Escuridão recebeu a fúria da jovem, que tinha ódio no olhar negro e os dentes trincados. - Maldita. Maldita! Como se atrevem?! Como ousa?! Como ela se atreve a tirá-lo de mim?!

- Princesa Beatriz! - Lolita entrou no quarto e correu para puxar Beatriz da varanda, obviamente por já ter visto Bianca e Gottan antes, mas sua luta era quase impossível. - Volte para o quarto, a princesa vai ficar doente!

- Maldita seja! - Beatriz mantinha os olhos irados na alegria dos dois ao longe, arranhava Lolita e se agitava enlouquecida pelo ódio. - Eu vou matá-la! Eu não descansarei até que ela morra! Sempre tomando toda a atenção para si, sempre tomando o amor daqueles que eu amo! MALDITA SEJA VOCÊ, BIANCA! MALDITA!

Então um grito estridente escapou da boca de Lolita e ela caiu trêmula no chão ao ver que suas mãos estavam queimadas por fogo.
Aquilo foi suficiente para Beatriz desviar a sua atenção dos dois e se virar para ver o que havia acontecido, e naquele mesmo momento a porta do quarto se abriu e Charlote e Magno entraram assustados acompanhados de guardas, ficando mais perplexos ainda quando viram o estado da filha.
Beatriz, boquiaberta e sem entender o que havia acontecido, estava literalmente em chamas, queimava na varanda sem sequer sentir dor.
Charlote tentou gritar, seu rosto se contorceu de medo e enfim ela desmaiou nos braços de um Magno pálido. Em seguida mais duas pessoas surgiram na porta do quarto, sendo Bianca e Gottan ofegantes e apressados.

- Papai… - A voz de Beatriz soou chorosa e seu rosto em chamas se contorceu de tristeza. - O que está acontecendo? Papai… A mamãe…

Beatriz ergueu a mão na direção da mãe desmaiada nos braços do pai e só então viu que seu braço queimava intensamente. O grito que Beatriz deu foi tão alto que mais fogo saiu de seu corpo, assustando todos. Ela andou para dentro do quarto para pedir ajuda à eles, mas acabou por colocar fogo no carpete e todos se afastaram apavorados.

- Para trás! - Magno exclamou e arrastou Charlote consigo, seu medo era visível em seu rosto. - Eu mandei você se afastar! Ordeno que...

- Papai! - Beatriz chorava desesperada e mais fogo líquido saía de seus olhos negros que se tornaram vermelhos de imediato. - Estou com medo! Papai! Me ajude! O que está acontecendo comigo?!

As chamas tomaram conta do quarto quando acidentalmente Beatriz esbarrou nas cortinas, e, temendo por suas vidas, todos saíram correndo para fora do quarto e deixaram ela sozinha com um poder que não sabia controlar.
Uma profunda sensação de solidão tocou o coração de Beatriz, pois o pavor refletido nos olhos alheios estava fixo em sua mente perturbada, o mesmo olhar que se lança à um monstro grotesco. Observando tudo queimar ao seu redor, desde o carpete, a cama e o papel de parede e móveis, Beatriz desejou morrer ali mesmo, sozinha e magoada com todos os que amava.
Foi então que os olhos vermelhos de Beatriz sobressaltaram quando ouviu gritos do lado de fora, em seguida viu Bianca entrar no quarto coberta com uma aura fria. De suas mãos saíam correntes de água muito frias que congelava tudo, inclusive a própria irmã mais nova em chamas.
A dor intensa que Beatriz sentiu quando a água gelada lhe tocou fez com que ela caísse no chão e tremesse de frio, sentindo agora como se estivesse mesmo morrendo congelada. No instante seguinte, pouco antes de poder ouvir os gritos de ajuda vindos de Bianca, os olhos vermelhos de Beatriz
se fecharam.

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora