Mais um Pedido

80 8 8
                                    

Gottan já estava de pé e andava apressado até Beatriz, mas estava tão cego de amor que não ouvia o que ela dizia sem parar, nem notava os braços estendidos num pedido de espaço. Seu corpo se chocou contra o dela e ele a abraçou forte, como sempre quis fazer deste que a viu pela primeira vez.

- Gottan.

Ele fechou os olhos com força e ergueu o corpo dela para dar um meio giro, a tirando do último degrau da escada de pedras. Sua felicidade era tanta que ele não sabia o que estava fazendo.
Quando os braços de Beatriz o abraçaram de volta foi o seu ápice, grunhiu de medo de ter que soltá-la.

- Gottan, eu...

- Eu sei. - Ele sorriu largo e virou seu rosto para encarar a amada.

Beatriz tinha uma expressão de espanto em sua face. E foi então que ele percebeu que ela não tinha magia nenhuma em seu corpo, a palidez era evidente, os olhos negros piscavam como se fossem os únicos a demonstrar a dor que sentia no corpo.

- Me solte!

Beatriz cambaleou quando se soltou dele e por pouco não perdeu a consciência. Sua respiração estava ofegante e seu corpo levemente inclinado para frente.

- Meu amor, o que... - Gottan não compreendia.

- Por favor, eu quero, mas... Gottan, não me toque.

Eles se encararam e era fácil imaginar uma linha vermelha os ligando pelo amor que sentiam um pelo outro, mas a distância só aumentava conforme falavam. Beatriz lançou um olhar suplicante à Gottan.

- Você tem razão. Você me ama e eu te amo, mas nós não podemos ficar juntos.
Não tenho muito tempo, e estar aqui na sua frente só me fere mais ainda. No entanto, Gottan, eu precisava vir depois de tudo o que ouvi.

- Temos tempo! - Ele respondeu afoito. - Ainda tenho muito o que lhe dizer. Por favor, me deixe abraçar você.

- Não. - Ela decretou, mas não estava totalmente firme. - Eu fiz algo irreparável. Amar você não é mais a minha alegria, na verdade, nunca fui feliz por conta desse amor. - Ao que parecia, cada palavra dita por Beatriz soava como um lamento, e sua postura decaída e olhar suplicante só deixava seu desespero mais evidente. - Eu insisti em lutar por nós dois, mas agora estou proibida de seguir com meus feitos. Depois de me submeter a um forte baque, me coloquei em sono o máximo de tempo que pude, porque dói muito estar vivendo no mesmo mundo que você está. Mas eu continuo cansada, Gottan, não importa quanto tempo eu durma. Também estou cansada de nunca poder ser sua, e ambos sabemos que será assim até o fim dos tempos.

Como discordar das coisas que Beatriz dizia? Gottan sabia que tudo aquilo era verdade, o que ele não tinha conhecimento era do que ela havia feito contra seu corpo.

- Beatriz, por favor, eu...

- Meu corpo está rejeitando o amor que ainda tenho por você. - A mão direita de Beatriz foi até o próprio peito, onde estava seu coração. - Em algum céu não haverá mais nada dentro de mim que não seja ódio.

- O que você fez? - Só então Gottan se deu conta de que havia um motivo muito grande por trás do sumiço de sua amada, e ele não tinha mais dúvidas de que estava envolvido naquilo. - Beatriz, você está ferida?

- Sim, estou muito ferida. Você não faz ideia do quanto. Dei uma Ordem sob mim mesma, estou viva por um castigo do Céu e não sei até quando vou continuar destroçada física e mentalmente. Ordenei poder não amar você. Estou rejeitando a sua existência, mas meu amor é tão forte que acabo por negar a Ordem. Antes apenas o meu coração doía quando podia lhe amar, Gottan, mas agora todo o meu corpo dói porque não posso amá-lo.

- Meu amor. - As lágrimas voltaram a deslizar pelo rosto chocado de Gottan, e ele ameaçou dar um passo até ela, mas recuou quando ela ganhou uma expressão de dor em seu rosto pálido. - Me perdoe, por favor, eu imploro. É tudo culpa minha. Me diga o que fazer e eu farei! Nada mais importa!

- Me mate. - Beatriz decretou e encarou o olhar vidrado dele. - Estou vivendo com um garra dilacerando o meu peito a cada vez que eu penso em você. Nunca vou ter paz, e dentro de mim só haverá ódio no futuro. A única forma de me ajudar é me matar.

- Eu não aceito isso! - Aquelas palavras ecoaram no salão velho. Se Beatriz tinha o coração dilacerado, ainda que para Gottan não fosse físico, ele sentia uma dor quase igual a dela. - Tenho meus motivos que nos impede de ficar juntos, coisas que não posso controlar, mas não aceito ter que matar você. Eu sempre vou amar você e nunca vou esquecê-la! Por favor... - Gottan queria tanto unir seus corpos num abraço que quase cedeu ao próprio desejo, mas não poderia machucar sua amada mais uma vez. - ... não conseguirei viver em um mundo onde você não está.

- Você conseguirá. - A mão trêmula de Beatriz foi até o próprio lábio e um soluço do choro foi engolido. Preferia não estar ali, não suportava mais sofrer tanto. - Sei que está muito cedo para você, que recebeu essa informação e não está pronto para fazer o que eu lhe peço. Então vá, fique o mais longe possível de mim, mas volte quando estiver pronto para me livrar do meu tormento. Não vou ceder aos meus inimigos, não será pelas espadas deles que eu vou morrer. Só permitirei ser morta pelas mãos do meu amado, pois esse será o maior gesto de amor que você dará à mim.

- Eu nunca vou fazer isso! Não importa quanto tempo passe, nem para onde eu vá! Beatriz, eu não posso fazer o que você está me pedindo! Nunca poderei! Olhe, daremos um jeito, faremos...

- Não há o que fazer. - Beatriz ignorou a dor no peito e se aproximou de Gottan até tocar seu rosto rígido e perplexo. O toque quente acendeu os corpos dos dois. - Cometi um erro gravíssimo contra meu corpo e minha mente, estou sofrendo tanto, meu amor. Não importa quanto tempo passe, quando você voltar, por favor, não demonstre me amar, pois isso só me machucaria mais, apenas me mate e me liberte.

- Desculpe. - As testas se uniram e ele segurou as laterais do pescoço dela com as duas mãos. - Por favor, me perdoe, meu amor.

- Eu não tenho nada o que perdoar. - Os lábios se tocaram ao falar e Gottan estremeceu em ansiedade e desejo, mas Beatriz só conseguiu sentir dor em todo o corpo. - Não me arrependo de nada, meu amor. Eu não seria quem sou se não lutasse por aqueles que amo.

- Eu te amo. - Gottan voltou a chorar e esfregou seu rosto ao dela, num carinho único e doce. - Vou te amar até o instante de minha morte.

- Eu te amo. - Beatriz uniu seus lábios e gemeu de dor no peito, mas nunca se arrependeria de beijar seu amado. Gottan não poderia estar mais destruído. - Agora vá, Gottan. Vá para bem longe de mim, meu amor.

Contrariado e aos prantos, Gottan abriu suas asas pesadas e, antes de ir embora, olhou uma última vez nos olhos negros de Beatriz, em seguida levantou vôo para fazer a vontade dela.

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora