Me conte tudo

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Três batidas na porta colocaram em alerta uma jovem rata gigante tão adornada com colares e pulseiras coloridas que os sons dos acessórios se fazia ouvir por todos os lados quando ela se mexia.
Ao abrir a porta a rata gigante encarou uma Lebre desengonçada e fofa, parecendo ser um filhote.

- Ah, Maise! - A pequena Lebre exclamou e entrou sem ser convidada na casa da rata de nome Maise, que bateu a porta contrariada e suspirou.

- Lebre, eu já lhe disse que não quero que venha na minha casa, esse aqui é o meu pedaço do mundo.

- Estou com fome. - A Lebre sorriu e mostrou dentes tortos, parecendo mais abobalhada e inocente ainda. - E eu soube que você adora filhotinhos, coisa que eu sou.

- Ah, mas não me falta nada. - Maise a seguiu rumo ao cesto de frutas. - Eu jamais gostaria de você, sua maluca! Pule para fora de uma vez.

- Certo, você não gosta de mim, mas também ouvi boatos de que não gosta de ninguém, o que indica que posso vir aqui já que nada vai mudar mesmo.

- Espere. - Maise arrancou a manga das patas da Lebre. - Você não acabou dizer que lhe disseram que eu gosto de filhotes? Então como agora você diz que lhe disseram que eu não gosto de ninguém?

- Ah, bem. - A Lebre admirava agora as laranjas. - Se o que me disseram for o que você disse à alguém, acaba por não ser uma mentira. A questão é: Qual é a verdade? Você odeia a todos, inclusive os filhotinhos, ou odeia os filhotinhos, inclusive à todos?

- Isso não dá no mesmo?! - Maise segurou a Lebre pelas orelhas e a carregou até a porta. - Vá contar as suas maluquices à outro e não me apareça aqui de novo.

- Mas eu trago novidades! - A Lebre respondeu quando a porta se abriu. - Eu vivo pulando por aí e ouço de tudo, o que pode ser bom para quem deseja trabalhar no castelo!

- Novidades? - Maise ergueu a Lebre até poder encará-la e vê-la tremendo de medo. - O que uma maluca como você poderia falar de certo?

- A princesa mais nova aprontou novamente. - A Lebre sorriu de nervoso. - Ela manifestou a magia que a irmã também tem, mas diferente da Princesa Bianca, a Princesa Beatriz coloca fogo em tudo que toca.

Curiosa com as notícias, Maise voltou para o cesto de frutas e colocou a Lebre lá, que agora comia com pressa.

-E o menino Chapeleiro? Ele se machucou?

- Não! - A Lebre exclamou e seus olhos sobressaltaram. - Quem poderia machucar o amado menino? Ele estava o tempo inteiro costurando em seu quarto.

Alívio tomou conta de Maise, pois como todos, ela também amava muito o Chapeleiro.

- E a Princesa Beatriz, como eles estão lidando com ela?

- Ah, isso é o pior. - A Lebre começou a engolir as uvas rosa uma por uma, parecendo ter pena por estarem acabando. - Eles chegaram a controlar a princesa de fogo, mas, ainda que esteja desacordada, ela voltou a queimar. Agora eles a trancaram em um quarto sem mobília nas masmorras, obviamente temendo pela segurança de todos. Os gritos da jovem se ouvem por todo o castelo. Não demora nada ela enlouquece, é sim.

- Oh… - Maise estava impactada com o acontecido. - Isso é terrível. Não consigo imaginar o quanto a jovem Beatriz está se sentido abandonada e assustada.

- Sim, mas eles também se sentem assim, digo, os familiares. - Agora as bananas de cascas coloridas estavam ao alcance da pequena Lebre. - Pude ver o quanto a mãe teme a filha, o pai está desorientado, e a irmã sofre sem saber como ajudar. Você sabe o que eu ouvi sobre a Rainha Charlote?

- Como eu poderia saber se você ainda não me disse. - Maise retrucou.

- Ah, é mesmo. - A Lebre riu de si mesma e deu uma pancadinha na cabeça, em seguida ficou muito séria e apontou com uma banana roxa para Maise. - Há boatos de que a Rainha Charlote não consegue encarar os olhos agora vermelhos da filha, dizem que é como encarar os olhos de um dragão Asa de Morgan.

- Pelo brilho das fadas… - Maise não sabia o que dizer diante dos detalhes, em seguida se lembrou de perguntar algo importante. - Ela nunca para de queimar?

- A palavra “Nunca” tem um peso imenso. - A Lebre respondeu sombriamente. - “Nunca” está nas costas da princesa de fogo agora, algo muito pesado que ela está tentando suportar.

Deitada no chão do quarto sem mobília, Beatriz via as chamas para além de si, quase alcançando o teto, e seus olhos vidrados e de cor vermelha continham olheiras profundas por estar tanto tempo sem dormir. A repulsa por ser como era, por ter uma magia que a privara de estar com os outros era tanta que Beatriz chorava em silêncio, como se a dor de ser um monstro houvesse lhe paralisado.
As lembranças de Lolita no chão com as mãos machucadas, o medo no olhar de sua mãe e até mesmo as duras palavras que recebeu do pai rodavam em sua mente.
Por fim, ela se lembrou de Gottan e Bianca logo atrás, boquiabertos e temerosos. Foi então que as chamas voltaram a queimar mais forte e Beatriz fechou os olhos, agora com raiva.
O fogo se tornou tão intenso que tomou conta do quarto vazio e as chamas escaparam em grande quantidade pelas grades que a mantinham presa, assustando os guardas mais uma vez. Em seguida os gritos grotescos voltaram, tão intensos como o grunhir de um dragão imenso, fazendo o castelo tremer.

Charlote segurava com força o apoio de braço de seu trono, os olhos fechados com força e o rosto úmido pelas lágrimas, sentindo o tremor do castelo lhe causar tremores internos.

- Não podemos fazê-la parar?! - Ela exclamou num pico de pânico. - Como não podemos ordenar sobre ela?! Isso está me matando! Ordeno que pare! Ordeno!

- Não podemos fazer nada. - O Rei Magno se ajoelhou diante da esposa, exausto e assustado. - Charlote, por favor entenda, a magia dela despertou de uma forma incontrolável, nossas ordens Reais não conseguem cair sobre alguém que está enlouquecido e não consegue ouvir.
Beatriz terá que aprender a lidar com si mesma, terá que superar sozinha.

- Ela é muito nova. - Charlote agarrou o rosto do marido com força, descontando sua raiva nele. - Será que você não vê que Beatriz nunca soube e nem saberá lidar com quem é?! Será que você não percebe que a nossa filha não vai parar nunca, Magno?!

Quando Charlote soltou o rosto de Magno ele caiu no chão completamente aturdido e tentando se lembrar do momento em que passou a desconhecer a filha.

- Por quê? Por que você diz isso? Eu… Eu não a conheço, não conheço a filha que tenho. Por que ela não saberia lidar com isso? Bianca soube, ela foi perfeita. Eu não entendo.

Levando as mãos aos olhos, Magno chorou pelo choque que teve, agora sem esperanças de que Beatriz melhorasse e aquele momento terrível sobre seu castelo nunca acabasse.

- Bianca… - Magno ficou de pé e encarou a filha paralisada no canto do salão. - Volte lá e congele Beatriz.

- Não posso, Papai. - Bianca olhava dele para a mãe, tão assustada quanto eles. - O frio que vem de mim machuca muito a Beatriz, ela pode morrer se eu fizer aquilo novamente.

- Nós precisamos arriscar! - Magno foi até a filha e a pegou pelo braço, estando mais frio que o normal e fazendo ele se afastar receoso. - Você também está mudando. Charlote! Ela também está mudando!

Charlote rapidamente se ergueu de seu trono e se colocou entre ele e uma Bianca trêmula de medo.

- Já chega, Magno. - Seu olhar era determinado ao encarar o marido assustado. - Não podemos encarar as nossas filhas como se elas fossem monstros. Pouco importa se elas estão mudando, o que importa é que nós também precisamos mudar.

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora