O Fim é o Começo

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O Chapeleiro, já um homem feito, estava sentado no degrau de madeira da varanda de sua casa e comia um fruto de cor verde e formato triangular, o gosto era doce, mas não enjoativo. Ouvia Maise atentamente, a rata não parava quieta, levantando pouca poeira do chão de terra da floresta.

- Como ele pode ser tão maldoso? Eu não entendo!

- Guilhermo cresceu e está aprendendo muitas coisas. - Sorriu para a Lebre, que vinha com um cesto abarrotado de outros frutos. - Tenho certeza de que a juventude dele justifica muitos dos seus atos.

- Chapeleiro, seu sobrinho maltrata os outros por puro prazer! Eu só disse que ele não podia criar decretos de enforcamento no Castelo da Rainha Branca, mas isso bastou para que me ameaçasse como estreante da ideia absurda! E agora veja só, ele insiste em dizer que as terras de gelo são muito pequenas...

- Mas elas são! - A Lebre se meteu na conversa e jogou um fruto na cabeça de Maise, que resmungou e passou a mão onde doía. - A Rainha Vermelha prendeu a Rainha Branca num montinho de terra!

Desatou a rir da situação, mas se engasgou com a boca cheia e tossiu desenfreadamente, recebia batidinhas nas costas, da mão Chapeleiro.

- Bem, o que importa é que eles ainda têm um belo castelo, um lago muito bonito e que estão juntos. - Suspirou aliviado ao ver a Lebre melhor e comendo desesperada outra vez. - Mas não entendo o porquê de ele não ter afeto por mim. Ah, isso me deixa muito triste.

- Guilhermo me tira do sério! - Maise retrucou ao vê-lo triste. - Eu queria entender por que ele é assim. Algo me parece muito errado com aquele rapaz.

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Uma fila de pessoas de expressões preocupadas ocupava a parte central do salão de gelo, eles tremiam de frio, como também de medo do rapaz de asas nas costas e olhos estrelados e brilhantes. Guilhermo era um jovem muito belo, seus cabelos negros entravam em contraste com a pele clara como porcelana, os lábios vermelhos como maçãs, o corpo forte, porém, elegante.

- Você. - Parou em frente a uma jovem de cabelos longos e negros, analisava o rosto sem medo, um caso raro. - Se lembra do seu nome?

- Não.

- O quer de volta ou sua permanência no País das Maravilhas?

- Lembro-me vagamente do que vivi em meu mundo, foi uma vida muito difícil para mim. Chame-me como preferir e me deixe ficar.

Guilhermo se agradou da personalidade direta da jovem, por isso deu um nome à ela e a viu ser guiada para descobrir sua nova função naquele mundo. Ele se colocou na frente de um rapaz loiro e de olhos provocantes e verdes. Sim, era muito belo, mas Guilhermo não conseguia se impressionar.

- Por que me olha assim? - Perguntou e franziu o cenho quando a mão do rapaz tocou seu pulso.

- Alteza, desculpe a minha indiscrição, mas estou encantado com sua beleza.

Contrariado com tamanha audácia, Guilhermo livrou seu punho daquele toque e não se afetou com o elogio. O maxilar endureceu e duas bolas de fogo queimaram as estrelas em seus olhos, assustando o homem.

- Como ousa me tocar sem a minha permissão?! Ursos! Devorem esse pedaço de Gnomo Finense!

O homem desesperado foi pego por dois grandes ursos brancos e levado aos gritos para fora daquele salão, seu fim era certo e ninguém poderia fazer nada para lhe salvar.

Inquieto, Guilhermo passou pela fileira de pessoas, iria para o seu quarto, os outros que ficassem esperando por si, no entanto, parou sua caminhada rápida ao ouvir alguém fungar num choro reprimido.
Virou a cabeça e encarou um jovem mais baixo que si de cabelos ondulados ruivos e olhos negros e angelicais. O rosto corado apresentava linhas de lágrimas. Confuso, Guilhermo voltou seus passos e cravou o olhar atento no rapaz trêmulo na sua frente.

- Por que está chorando? - Perguntou num tom de voz tão gentil que nem parecia ser o mesmo homem irado de antes. - Vamos, me responda.

- Eu sinto muito, fiquei assustado.

A voz doce e falha pelo choro atingiu o lado brando de Guilhermo em cheio e ele sorriu minimamente e viu o rapaz crescer os olhos angelicais para si, estava encantado com sua beleza.

- Deseja o seu nome, a volta ao seu mundo ou ficar no País das Maravilhas?

Confuso, o rapaz deixou escapar mais lágrimas e pediu aos céus que se lembrasse de mais coisas além de tristeza no mundo de onde veio, porque não sabia se estava pronto para ficar em um lugar tão diferente. Mas, ao ver a beleza de Guilhermo, sentir o toque da mão dele na sua e um beijo delicado ser deixado nela, arfou em surpresa e se decidiu.

- Por favor, me deixe ficar.

- Venha. - Guiou o rapaz com uma das mãos em seu ombro para os jardins, mostraria as coisas lindas daquele lugar à ele. - Vou chamá-lo de Lovely porque o considero adorável.

Conseguiu deixar o rapaz mais vermelho ainda, lhe enchendo de gracejos e o fazendo se sentir muito importante. Guilhermo era um exímio galanteador, era um de seus dons.

No alto das escadas, Bianca repreendia com o olhar a atitude do filho, ela sabia que ele partiria o coração de mais uma pessoa, era sempre assim. Não tinha o que fazer sobre Guilhermo, seu filho foi amaldiçoado e tinha somente raiva, mentiras e desejo de matar em seu coração. Por diversas vezes, ela tentou desfazer o mal que Beatriz fez, prejudicou Guilhermo mais ainda, o deixando mais estressado, por isso se rendeu e prometeu a si mesma que sempre cuidaria dele. A pior fase, ao menos ela julgava ser a pior fase, que foi quando o filho lidou com a rejeição do pai, havia passado. Seu único receio agora era as reclamações de Guilhermo quanto ao desejo de ter mais terras, o que não poderia acontecer se não fosse por meio de um embate com a Rainha Vermelha.

Entretanto, Guilhermo seria capaz de chegar tão longe por poder? Ele seria capaz de arriscar a própria vida para alcançar seus objetivos?

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No Castelo de sangue, no céu seguinte, Beatriz dava mais uma de suas festas e não se movia de seu trono, admirava o povo dançando alegremente no salão bem iluminado e repleto de comida. Tinha muito gosto de ver a felicidade alheia porque não tinha sua própria, o passado era um borrão de imagens desconexas, mas sabia que um dia amou alguém incondicionalmente. Algo em seu coração lhe dizia que coisas grandiosas estavam para acontecer, os boatos de que o filho de sua irmã era um rapaz terrível provocavam risos enlouquecidos em si, tudo estava voltado para um novo ciclo de caos; E Beatriz adorava aquilo.

E foi justamente naquele momento de certeza que um forte baque caiu sob o seu campo de plantação de sangue, ela sabia quem era e qual o seu propósito; Guilhermo, o filho de sua inimiga, estava muito bem preso em sua teia do destino. O sorriso perverso se abriu, o peito se encheu de desejo de matar, o queixo se ergueu e ela ordenou que deixassem sua presa no campo, para perder o sangue que fosse necessário. Era hora de fazer de Guilhermo seu servo, o nomeá-lo como seu Carrasco.

Fim

The Queens (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora