Um

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Apaguei.

Em algum momento desde que fui solta das correntes e deixada no chão por James, paguei. A dor faz isso, sabe. Tira suas forças e te deixa sem chances de resistir. Tudo o que tenho agora é a têmpora aberta, o ombro esquerdo deslocado e feridas infinitas nas costas. Não sonhei com nada desde que dormi. Nada além da dor.

Estou deitada de bruços quando acordo. Sinto a cabeça latejando e o rosto está inchado e sei que ainda estou coberta de sangue. Noto que estou no chão, e tudo o que tem debaixo de mim, é um colchonete fino. Quase sinto o frio do piso arranhado tocar meus ossos.

Respiro lentamente. Puxo o ar com calma, mas mesmo assim, a sensação é horrível. As feridas que secaram enquanto eu estava apagada, agora se abrem e rasgam e expandem no simples ato de respirar, e estou soltando gemidos baixos, porque minha garganta também não existe mais. Não tenho mais cordas vocais. Estou muda.

— Lore... Lore, calma. Fica calma, por favor...

Reconheço essa voz e acho que ainda estou dormindo. Estou sonhando, só pode, porque nesse exato momento estou ouvindo a voz de Hunter, e ele está perto de mim e quero ser capaz de me virar e ver seu rosto, mas não consigo me mexer. Qualquer movimento significa mais dor, e não sou capaz disso.

Reconheço sua dor, somente de ouvir. O cansaço e o medo e a pena e a dor e o ódio. Sinto tudo, e não preciso nem olhar para ele para saber e decifrar o que está sentindo. Logo ele que prometeu que nada disso aconteceria de novo. Logo ele que conheceu meu passado de forma tão profunda. Logo ele que sentiu minha dor. Logo ele... Que viu sua promessa sendo quebrada diante dos seus olhos, e aqui estou eu, deitada de bruços com as costas abertas, sangrando até a morte.

— Desculpe... – tento dizer. – Desculpe... Eu sou uma idiota, eu...

— Ssssssh. – ele diz e se abaixa com dificuldade ao meu lado. Seu rosto está quase colado ao meu e vejo que está tão ferido quanto eu. – Não foi culpa sua. Não foi, eu...

Sei que o nó em sua garganta está insuportavelmente grande, tanto que ele não consegue terminar de dizer. Sei que quer chorar, e é isso que eu vejo. Mesmo com seus olhos inchados e sua face irreconhecível, suja de sangue e a sobrancelha aberta, vejo seus olhos ficarem úmidos, e quero chorar por ele.

Quero chorar por nós.

Desvio o olhar por ser fraca e não conseguir ver seu sofrimento. Encaro qualquer lugar que meus olhos alcancem sem mexer a cabeça ou qualquer parte do corpo. Sei que vou ter que pôr esse maldito ombro no lugar. Sei que vou ter que sentar para começar a me acostumar com a cicatrização lenta e dolorosa das feridas. Sei que elas terão de ser limpas. Sei disso. Sei que a dor será insuportavelmente maior, e é por isso que quero prolongar esse momento o máximo possível.

— Apaguei por quanto tempo? – pergunto.

— Três, quatro horas. – Hunter responde e se senta ao meu lado, soltando um gemido de dor. – O Superior disse que mandaria cuidados médicos depois de 24 horas, mas aquele garoto deixou um kit aqui. Disse que você precisa ser limpa.

Engulo em seco e respiro devagar. Preciso ser forte, agora mais que nunca. Preciso ser forte. Já passei muitas vezes por isso. Já sei como funciona, e sei que se não limpar logo as feridas, elas vão inflamar e a cicatrização será terrivelmente pior, sem contar que não terei o luxo de ter antibióticos e anti-inflamatórios a minha disposição. Preciso ser limpa, e logo.

— Ok. – digo e respiro fundo pela milésima vez, tentando me acostumar com a dor nas costas sendo expandidas. – O que tem na caixa?

Ouço o barulho de algo sendo puxado para perto de mim e uma trava sendo aberta. Hunter está olhando tudo o que tem lá dentro, e espero ter boas notícias.

LIGHTS - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora