Dez

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Dois dias é tudo o que preciso para sair de vez da enfermaria. Gerda fez mais milhares de exames e acompanhamentos para que enfim, pudesse me liberar. Esses dias que passei confinada, foram os piores de todos. Por sorte, estive confinada por uma semana inteira enquanto estive na Central, então, meio que me acostumei. Mas na Central, pelo menos, eu tinha Hunter. Aqui, não tenho ninguém além de Gerda que me visita vez ou outra.

Ganhei uma tipóia que virou minha melhor amiga e uma pomada para passar todos os dias em minhas costas. Graças à forças maiores, a cicatrização tem sido mais rápida com cuidados médicos qualificados. As poucas pessoas que viram, não perguntam na verdade como as consegui ou se foi a primeira vez que isso aconteceu. Ninguém quer saber como as consegui, o que, de certa forma, me deixa menos preocupada.

É impossível voltar a ter uma rotina, porque toda rotina foi quebrada quando pomos nosso plano em prática. Agora, percebo, toda a Resistência está trabalhando por uma solução desse fiasco. Ver tantas pessoas tentando achar uma saída para algo que eu deixei partir, me deixa péssima. Ninguém me culpa de verdade. Bem, ninguém que não sabia da verdadeira história. No final das contas, ninguém nem mesmo sabe sobre James, somente algumas pessoas que frequentam a mesa de reuniões, e olhe lá. Não sei bem porque Trade não contou a todos, mas, pensando bem, talvez tenha sido uma boa ideia.

Estou sem saber o que fazer, na verdade. Não posso treinar por causa do braço, não posso lavar pratos por causa do braço, não posso trocar fraldas de crianças por causa do braço, e acaba que percebo que não posso fazer muita coisa por causa do meu bendito braço. Queria poder arrancar essa tipoia e ser útil de novo. Não suporto ficar parada.

E é no quarto dia após minha volta dos mortos, que não aguento mais e me mexo. Sei exatamente aonde encontrar Hunter, e é para lá que vou. Atravesso todo o prédio da Resistência e vou direto para a área de treinamento. Estou nervosa como se fosse a minha primeira aula. Respiro fundo e penso no quanto ele ficará aborrecido por interromper sua aula. Às vezes esqueço que Hunter não é o mesmo Hunter quando está na frente das pessoas, e é por isso que penso em desistir, mas já é tarde demais, pois a porta está aberta e ele me vê, bem do outro lado da sala, enquanto dá uma aula tão avançada e pesada, que tenho certeza que essas pessoas são treinadas para o campo de guerra.

Viro de costas e tento voltar pelo corredor e pegar o elevador, mas sei que já é tarde demais e ele vem caminhando para a porta. Chego na metade do caminho e percebo o quão idiota estou sendo por correr assim, então paro, respiro, tomo coragem e me viro, bem a tempo de vê-lo chegar a porta.

Sua blusa está completamente suada, e os músculos dos braços e pernas me dizem que treinou a manhã inteira e agora estão em ponto de fadiga, mas Hunter continua de pé. Em sua testa tem um vínculo de preocupação.

— Aconteceu alguma coisa? – pergunta num tom baixo, como se não quisesse que ninguém ouvisse que está falando manso comigo.

— Não, eu só... – engulo em seco e me pergunto porque estou tão nervosa. É Hunter! – Eu só queria...

Como não consigo falar mais nada do que isso, ele revira os olhos e se encosta na porta, cruzando os braços. Há um sorriso querendo escapar de seus lábios.


— Sério que você está sem jeito de falar comigo?

LIGHTS - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora