Fui torturada a vida inteira.
Antes de receber minhas primeiras chicotadas, já fiquei semanas sem comer direito, somente por ter negado uma colherada de grãos quando já estava satisfeita com minha refeição. Antes de ser agredida fisicamente, experimentei meus piores medos das formas mais bruscas, como o escuro e altura. Horas e mais horas presa em armários pequenos e com ar escasso. Horas sem fim segurando o beiral de uma janela fechada no quinto andar, sem nenhuma corda me segurando.
Vi minha mãe apanhar na mesa de jantar nas raras vezes em que ele aprecia. A vi chorar escondido para não me assustar. Quis acreditar que ficaria tudo bem, quando ela me falava que não era nada.
Cresci acreditando nisso, mas foi tudo uma mentira.
Experimentei vários tipos de inferno.
Mas nenhum se compara a esse.
O mundo está caindo e desabando e acabando diante dos meus pés, mas não sinto nada. É a primeira vez que vejo Judith se desesperar desse jeito, mas não consigo me mexer. O turbilhão de sentimentos e medos e derrota e verdade me batem de todos os lados, até que não sei mais aonde ir.
Percebo que estou no chão quando vejo os pés dos outros correndo de um lado para o outro. Percebo que estou chorando quando minha vista fica embaçada. Percebo que estou gritando quando minha garganta pega fogo.
Percebo que estou berrando seu nome quando Trade nota a mesma coisa que eu notei há vários segundo atrás, e seu desespero se torna um choro sofrido e quase vejo seu peito se abrir ao meio e sangrar sangrar sangrar até a morte.
Não perdemos somente uma Sede da Resistência hoje. Não somente centenas de pessoas morreram. Não somente fomos atacados da forma mais baixa e cruel que alguém pode atacar, mas também, hoje foi o dia em que Trade e Judith perderam seu filho.
O dia em que eu perdi a única pessoa que me tirou desse inferno.
Não lembro quando foi a última vez que meu subconsciente tomou conta assim de mim. Não lembro qual foi a última vez que estive na companhia da minha mente maléfica e perigosa, mas agora, vejo que estou totalmente entregue à ela. Entregue à escuridão.
E o mais interessante, é que dessa vez eu não luto.
Não tenho mais controle sobre o meu corpo.
Não tenho controle sobre mais nada.
Se alguém tiver gritando para mim nesse exato momento, não escuto. Se estiverem me levantando e me culpando por algo, não revido. Se estiverem me dando ordens, não obedeço.
O mundo virou uma grande bolha sem som, e estou bem no centro dela.
Sou levada por minhas pernas pelos corredores que devem estar um caos. Pego um elevador que deve estar lotado e não presto atenção quando sou arrastada passo por passo até uma porta que é igual a todas as outras, mas que ao mesmo tempo, é diferente para mim. Minha mão tira um cartão que sei que mantenho com todo cuidado no bolso da calça e abro a porta a qual encaro sem entender de verdade.

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LIGHTS - Livro II
Fiksi Umum"Fui torturada a vida inteira. Experimentei vários tipos de inferno. Mas nenhum se compara a esse." Depois da missão falha na Capital e descobrir que tem um irmão gêmeo, Lorely, Hunter e toda sua equipe da Resistência se encontra prisioneiros do Sup...