Capítulo XV - L.: Sirvam - se da salada.

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A maior parte das bonecas desapareceu, ficando apenas algumas e estas já estam todas velhas e gastas. Umas sem um olho, outras sem um braço ou uma perna e outras com ainda em pior estado!

Este quarto está bastante diferente, as paredes em vez de rosa e com papel de parede, estão pintadas de verde; a cama agora encontra - se em frente à janela e também parece - me que já não é a mesma. Tudo foi mudado...! 

Saio do quarto e vou até ao quarto buscar a minha escova de dentes. Tiro - a juntamente com a pasta dentífica e vou até à casa de banho que pertence mesmo ao quarto. Começo a lavar os dentes e, ao lavar a escova com água, com a ajuda dos meus dedos, faço um corte no dedo, não sei como. 

Preciso de um penso rápido! Encontro um no armário em baixo do lavatório e ponho - o sobre o dedo. Reparo nos nomes dos medicamentos que estão no armário: aspirinas, calmantes,... Calmantes, preciso de um calmante! 

Pego no frasco de calmantes e começa a ter outra visão. Desta vez, vejo o Lourenço a retirar dois comprimidos do mesmo frasco e dirige - se ao balcão da cozinha. Está um cheiro agradável aqui na cozinha, acho que é da carne assada que está no forno. Lourenço pousa os comprimidos sobre uma tábua de madeira e começa a esmagá - los com uma faca, tornando - os em pó branco. De seguida, deita o pó sobre a salada pelos vistos preparada por ele e mistura - o bem, para não se notar a sua presença. 

Entretanto, a Patrícia chega à cozinha acompanhada pelo mestre. 

P.: Hum, que cheirinho...!

L.: Fiz lombo de porco assado.

Mestre Pedro.: Lourenço, eu e a Patrícia precisamos de falar contigo.

P.: Pedro, falamos nisso a seguir do jantar.

 M.: Não, falamos disso já aqui, sem rodeios! 

L.: Digam lá, o que é que se passa?

P.: Lourenço, tem calma...

M.: Credo, Patrícia, eu estou bem! - começa a falar com um tom de voz cada vez mais irritado e arrepiante - Não sou louco...!

P.: Eu não disse que eras louco, pedi - te apenas que te acalmasses. - olha para Pedro assustada e irritada ao mesmo tempo - Vá, vamos pôr a mesa e começar a comer e depois falamos.

Pedro olha para ela e suspira.

Lourenço parece estar mais calmo, mas continua a não conseguir disfarçar a sua raiva. Pega nos pratos e nos talheres e coloca - os bruscamente sobre a mesa.

Patrícia pousa o lombo de porco assado, a salada e a panela de arroz na mesa, muito nervosa, enquanto, Pedro põe os copos.

Os três sentam - se à mesa e cada um se serve de comida, sempre muito calados, tornando o ambiente entre eles ainda mais constrangedor. 

M.: Bem, já que estamos à mesa, posso começar, Patrícia?

Patrícia prepara - se para falar, mas Lourenço interrompe - a.

L.: Diz lá de uma vez! - e começa outra vez a ficar irritado...!

M.: Muito bem - faz uma pausa e olha para Patrícia - O pai deixou - nos a casa.

E então, Lourenço levanta - se da mesa tão bruscamente que quase que esta e a sua cadeira viraram. Patrícia deu um pulo, mas o Mestre parecia já estar à espera daquela atitude do Lourenço.

L.: Repete lá. - dá voltas à cozinha, com o punho fechado enconstado à boca.

P.: Lourenço, nem eu nem o Pedro percebemos a atitude do pai...

Lourenço vem rapidamente, quase a correr, até Patrícia e põe - se tão próximo dela, como se lhe estivesse quase a bater.

L.: Cala - te! - grita, agora nem sequer tenta esconder a sua raiva - Tu e o Pedro sabem exatamente porque é que o pai vos deixou a casa!

Pedro levanta - se para defender a irmã.

M.: Hey, vamos ter calma... - afasta com a mão o irmão de Patrícia.

L.: Tu não me digas para ter calma! - grita, furioso com o gesto e com a frase do Mestre.

P.: Por favor, Lourenço, senta - te. Vamos falar como três adultos.

Lourenço continua a olhar para Pedro, mas desvia o olhar e volta a se sentar.

P.: Nenhum de nós pensou que o pai faria tal coisa...

L.: Ai não? Deves achar que sou tonto...!

M.: Nós podemos te dar a tua parte, se quiseres.

L.: Qual parte?! - inspira fundo - Que eu saiba o sacana do nosso pai deixou a casa onde cresci aos meus dois irmãos e nem sequer me deixou nada. 

P.: Não chames o pai de sacana! - começa a ficar irritada.

M.: Lourenço, às tantas o pai deve ter - se enganado no testamento...

 L.: Não, ele não se enganou, Pedro. E tu sabes perfeitamente. O pai nunca gostou de mim. A Patrícia era a «menina do papá» e tu eras a versão pequena dele, o Mestrezinho!

M.: Não digas disparates...!

L.: Tem piada, ele olhava para ti com tanto orgulho... E, para mim... Com desprezo!

P.: Lourenço, o pai não tinha filhos preferidos... E não adianta nada estarmos para aqui a dizer se o pai gostava mais daquele do que d'outro, isso não importa. - faz uma pausa - O mais importante é que vais receber a tua parte, tal como eu.

L.: Vais vender a tua parte?

P.: Vou. - faz uma pausa, olha para Pedro - Não faz muito sentido mudar - me para cá se tenho a minha própria casa e mesmo no centro do Funchal. Se me mudasse para aqui, precisava de um carro para ir trabalhar, coisa que não tenho, e também precisava de me levantar mais cedo todos os dias. Nâo... Não faz sentido mudar - me para aqui, é por isso que acho que o Pedro é que deve ficar com a casa, ele tem a garagem do pai onde ele trabalha e dá - se melhor a viver aqui do que nós.

M.: Mas não se preocupem que eu compro - vos a vossa parte.

Lourenço fica uns segundos parado, sem dizer absolutamente nada, apenas a ouvir e a pensar para si mesmo.

P.: O que é que achas, Lourenço?

M.: É óbvio que eu não te vou conseguir pagar logo, vou pagando a prestações...

L.: Não te preocupes com isso. - diz pausadamente, o que foi muito estranho.

M.: Então estás de acordo?

Lourenço não responde, continua a pensar para si mesmo.

P.: Lourenço?

L.: Hã? - acorda - Sim, estou de acordo.

M.: Ok... Não dizes mais nada...? - Patrícia fica surpreendida com a atitude de Lourenço.

L.: Heee... Vamos comer antes que a comida arrefeça...?

Patrícia e Pedro dão uma ligeira gargalhada e os três começam a comer.

L.: Sirvam - se da salada.

 

Desculpem a demora, o que é que acharam?

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