Capítulo 2

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 - Você pode comer isso aqui! Não é muito gostoso, mas você vai precisar para se recuperar.

Disse ele entregando-me uma tigela com uma espécie de ensopado gurduroso, com pedaços estranhos em quadradinhos laranjas flutuando na sopa. Peguei uma colherada e enfiei na boca, estava quentinho, mas não tão ruim, tinha um leve sabor amargo no entanto ainda assim gostoso  ou talvez fosse minha fome falando mais alto. Ele sentou-se ao meu lado com um pote menor nas mãos e uma espátula pequena, o pote parecia conter algum tipo de pasta verde incomum, ele aproximou-se da minha coxa ferida.

- Vou dar uma olhada, e passar um pouco de gume por cima, vai ajudar a cicatrizar, então se concentra na sua comida e me deixe fazer as mágicas - disse estralando os dedos e em seguida puxando o tecido rasgado da minha calça ao redor do ferimento - Vamos precisar de uma calça nova pra você - disse isso e aproximou uma tesoura do tecido, próximo ao meu ferimento, senti um espasmo rapidamente percorrer minha perna tentando afasta-lo - Vou tomar cuidado, eu juro, mas precisa me deixar limpar.

Dito isso tentei me acalmar, ele cortou o tecido ao redor do ferimento e seu rosto fazia uma expressão tensa, preocupada, contraindo a mandíbula com olhos fixos. Seus cachos do topo da cabeça balançaram levemente pendendo pra frente. Voltei a me concentrar na sopa, várias colheradas de uma vez, eu estava com muita fome. Sentia os dedos dele deslizando levemente ao redor da ferida, uma ardência era provocada a cada contato, se ele pesasse a mão só mais um pouco seria uma dor insuportável. Senti a minha tigela ficando vazia, dei as últimas colheradas e a repousei no canto da mesinha ao meu lado, então voltei meus olhos para o garoto que agora pegara a espátula e passou pela pasta verde juntando uma quantidade considerável na ponta, algo me dizia que o processo seria doloroso. O garoto voltou-se para mim com a espátula suspensa no ar, deu um leve sorriso de canto como se pedisse desculpa.

- Então... Quando é que você vai resolver falar comigo? - disse isso e abaixou a espátula - Porque até o momento eu acho que eu possa estar sendo indelicado e você não saiba falar, mas também tem a possibilidade de você saber falar e não querer falar comigo, é compreensível. Você não dá nenhum sinal então como vai perguntar o que me quer perguntar? E eu sei que quer pois dá pra ver no seu olhar, precisa estabelecer um tipo de comunicação, sabe?  Quero ouvir sua voz. Eu não falo com ninguém há....- ele mudou a expressão com se estivesse distante dali - sei lá... muito tempo. 

Ele baixou a cabeça e voltou-se para minha ferida e com a espátula ele espalhou a pasta sobre a mesma, a dor me consumiu subitamente foi crescendo em proporções avassaladoras até minha nunca tirando o ar dos meus pulmões e me queimando por dentro, senti minha garganta formando um nó e então de forma gradual foi diminuido camada por camada, mas ainda queimava, queimava e eu ainda sentia minha nuca como se tivesse sido espetada por agulhas. Ele foi terminando de espalhar a pasta, e eu fui apagando, a dor roubou as últimas forças que eu tinha pra me manter sentada e antes que eu batesse minha cabeça no piso o garoto segurou minha nuca e a repousou no chão de forma delicada, eu olhava nos olhos dele, o mesmo olhava pra mim.

- Tudo bem. É  ruim assim mesmo, amanhã você vai tá melhor. Eu devia ter avisado. - disse enquanto me olhava, eu não estava feliz e agradecida naquela hora, na verdade me sentia anestesiada pela intensa dor. 

Eu não consegui dormir, fiquei meio consciente e meio desacordada, meus olhos estavam fechados, mas ainda podia ouvir e senti-lo. Ele ficou ali do meu lado por tempo, tratou dos meus arranhões no braço com água e pomadas normais em seguida enfaixando cuidadosamente, no entanto senti que media minha mão com a dele unindo nossas palmas, e mantendo meu braço suspenso sobre o dele. Minha outra perna ele também cortou a calça, e com uma tala feita pelo mesmo a imobilizou prendendo com uma faixa suja de pano puído. Seus movimentos eram cuidadosos, precisos, e em seguida me vi completamente enfaixada e tratada senti que ele se acomodou alguns metros distante de mim  no canto da sala, e que já havia adormecido, minha consciência foi se apagando também. 

Preciso Te Ver Além Do Céu NoturnoOnde histórias criam vida. Descubra agora