—Aonde você está indo?—meu irmão grita da cozinha.
Quando me viro para encara-ló, ele percebe a câmera em meu pescoço respondendo a sua pergunta voltando a fazer sua vídeo chamada com a noiva.
Eu saio de minha casa começando a andar pela vizinhança. Uma casa em particular chama minha atenção, uma mulher de cabelos loiros está no jardim cuidando de suas plantas. Seu marido sai da garagem dando um pequeno tchau antes de ir trabalhar. A porta se abre bruscamente entrando duas crianças de cabelos ruivos e olhos verdes brincando e correndo.
Eu tiro uma foto daquele momento, analisando em minha câmera a expressão de cada personagem em minha história.
Eu começo a imaginar: provavelmente se conheceram no colégio, ela fica em casa enquanto ele trabalha. Cuida dos filhos e participa de festas e reuniões da vizinhança. Vai no supermercado com suas amigas e fofoca sobre as mães desleixadas. Faz biscoitos e bolos para os filhos e todo dia de manhã faz um lanche e café da manhã para a família. Limpa a casa, faz yoga ou pilates e no próximo dia repete sua rotina. Uma típica família americana.
Continuo andando deixando essa história para trás. Uma mulher em torno dos seus quarenta anos passa correndo com seu labrador. Eu tiro uma foto e observo nossa nova personagem.
Ela usa roupas de exercício apertadas e não parece ter uma aliança, o cabelo preso em um rabo de cavalo e o rosto de botox parece ter saído de um filme. Novamente começo a criar: ela deve morar sozinha depois de seu divórcio, recebe os filhos duas vezes por semana e tem um novo encontro a cada mês, nunca achando o cara certo.
Às vezes eu me pergunto o que as pessoas pensam quando me veem na rua. Elas imaginam tudo isso como eu? Criam uma história por trás de minha aparência? Eu acho que não. Eu nunca entrei em rótulos. Nunca fui observada, talvez as pessoa passem nas ruas sem me perceber.
Como um carteiro ou um vendedor. Eu sou um daqueles detalhes que você retira de sua mente ao repassar seu dia.
Aquela pessoa no fundo do filme enquanto os personagens se beijam na praça principal. Eu sou aquela menina passando sozinha entre as pessoas enquanto a câmera segue a protagonista.
Quando criança discutíamos o que faríamos se fôssemos invisíveis, nós mal sabíamos que não precisa ter poderes para ser assim.
Assim como a neve. Você sente a neve, sabe que ela é fria. Pensamos em lugares congelantes e árvores mortas, mas sempre nos esquecemos de detalhes ou não nos importamos o suficiente para grava-los.
Nós sabemos duas coisas sobre a neve: ela é branca e gelada. Muitos ficariam surpresos ao saber que pelo menos um fato desses é falso. A neve não é branca, é transparente. Podemos encontrá-la em vários tons de azul, mas não tem uma cor.
Então cada vez mais descobriremos que somos como a neve. Cada floco de neve é diferente, você nunca encontrará dois iguais, eu te garanto isso.
Como nós. Cada um de nós é diferente, cada um com seu tipo, cada um com sua aparência e cada um com sua personalidade, mas acabamos esquecendo desse fato. No final de tudo somos apenas neve: branca e gelada.
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Coração de Gelo
RomansaSydney Parker nunca ficou no topo do mundo. Sempre com suas roupas largas, o cabelo escondendo o rosto e a língua afiada afastando qualquer contato. A única coisa que a faz feliz é patinar. Mudar de escola não vai ser exatamente sua grande chance. V...