Capítulo 1 - Velha mocoronga

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"Esse jogo de espaçonaves é irado! Nunca joguei algo tão divertido", ouviu Aneline do garoto loiro sentado no corredor da escola. Ele se entusiasmava com seu videogame portátil.

Em todo canto que ela ia, isto parecia lhe afligir. Nunca teve gosto por jogos, e recentemente ainda menos. Eles pareciam lembrá-la do fracasso de seu pai como desenvolvedor. Para piorar, sempre tinha que lidar com as maldades de Taruska nos intervalos. Este dia não seria diferente. A garota de longos cabelos azuis estava reunida com suas amigas. Elas bloqueavam o caminho de Ane e se comportavam de maneira implicante.

— E então, como está seu pai? Aposto que deve estar fazendo um jogo incrível — disse Taruska. As amigas puxa-saco começaram a rir.

— Deixe-me passar — pediu Aneline, chateada, abraçada aos seus vários livros.

— Não se preocupe, não irei perturbar você. Só quero te lembrar que a Planpagun acontecerá em dois meses. Meu pai irá anunciar seu mais novo jogo no evento. Fique à vontade para ir, caso queira conhecer um criador de jogos de verdade. Adeusinho! — finalizou Taruska, virando as costas e saindo de maneira esnobe.

Normalmente, Aneline não se irritava com isso, mas a cada dia este assunto se tornava mais sensível para ela.

Após guardar seus livros no armário, ela pegou sua mochila e foi para casa. Saiu do território da escola, chegando ao vale gramado. De trás das altas montanhas que circundavam Laguna, ela podia ver os raios alaranjados do sol preencherem o lugar. As pessoas transitavam de um lado para o outro, indo em cada loja que havia por ali. Ane foi adiante até a floresta de árvores pardas. Após passar por algumas pontes de tronco acima dos riachos, chegou ao seu barraco, o seu lar.

Sua casa de madeira era muito pequena. Hector, o pai, arriscou-se ao construir moradia num lugar tão privilegiado, mas não chegou nem perto de conseguir uma casa dos padrões locais. Este era o único modo de manter Aneline na escola, o que ele considerava prioridade. Ane não sabia dos detalhes, não sabia das contas que ele tinha que pagar, mas conseguia perceber a cara de preocupação que o homem esbanjava.

Ao chegar na sala, que também era a cozinha, e o seu quarto e o de seu pai, Ane foi até sua cama no final do cômodo e jogou sua mochila sobre a cama. Ali desabou exausta. A claridade do monitor do computador irritava seus olhos, mesmo que ela os fechasse.

Como sempre, seu pai estava ali, tentando criar algo, criar um jogo de sucesso. Sua pose curvada, com o rosto próximo da tela, irritou Ane. Ela logo se preocupou em alertá-lo. Precisou falar duas vezes para que ele a ouvisse. Depois disso, a garota tentou puxar assunto, mas o homem estava concentrado demais para dar atenção.

Ane decidiu ligar a TV de tubo antiga. Pulava de um canal para o outro procurando algo interessante. Após alguns vários minutos, ela começou a se entediar. O momento foi interrompido pelo alerta de seu pai:

— Querida, desligue essa TV. Preciso me concentrar — disse, sucinto.

Ela se aborreceu com isso.

— Mas, pai, não tenho nada para fazer! Já fiz todas as lições de casa...

Ele não respondeu.

— Posso ir à biblioteca então? — ela insistiu.

— Tudo bem... Vá, mas volte antes das 18 horas. Prometo que farei o macarrão que você tanto gosta para o jantar.

Ane olhou o relógio na parede, eram 15h27. Sorriu ao ver que teria muito tempo para se divertir. Tirou seu uniforme da escola e vestiu sua roupa preferida: uma camisa rosa e um short jeans. Calçou seus tênis, e penteou o cabelo crespo, amarrando-o no estilo maria-chiquinha. Também limpou seus óculos. A biblioteca não era longe de sua casa.

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