Capítulo 27 - Planpagoon

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Era o dia do grande evento de jogos. Vários investidores da capital estavam ali, assim como várias pessoas visitando as barracas e conhecendo cada um daqueles novos jogos.

Uma luz azul preenchia o grande salão. Um carpete preto cobria o piso. Várias pessoas tirando fotos e fazendo cosplay. A Planpagoon estava bombando. Nas caixas de som tocava Abracadabra das Brown Eyed Girls.

O pai de Taruska havia construído um palco, com várias estátuas dos personagens do seu novo jogo de ação. Aneline observava várias pessoas admiradas com as belas artes dentro das caixas de vidro. Taruska, a de cabelos azuis, fazia cosplay de atiradora. Parecia a versão de nariz empinado da Lara Croft. Ela tirava fotos com vários entusiastas do novo jogo.

A situação de Ane era diferente.

Tudo que a equipe de seu pai conseguiu montar foi uma barraca simplória próxima aos banheiros. A maioria das pessoas que passavam por ali estava em emergência intestinal e não queria saber da barraca deles. O nome "Mundo das Bizarrices" foi feito com EVA e colado junto a uma decoração que eles mesmos fizeram.

Também destinaram parte do orçamento para fazer fantasias dos personagens. Ane vestia sua túnica de elfo. Hector vestia-se de Shad, com fantasia de vampiro. Junires, o ruivo, estava fantasiado de Besouro KPopper. Cerebelto, o moreno baixinho, vestia-se de duende. E Flavinho, o loiro rechonchudo, vestia-se de marshmallow.

Até que funcionou para chamar atenção. Algumas pessoas riam das fantasias bobas deles.

Aneline sentia um grande medo. Ela jogou o jogo por bastante tempo durante os últimos dias. Flavinho havia feito um ótimo trabalho de programação. Junires conseguiu fazer uma modelagem bonita, que usasse poucos recursos gráficos. Em resumo, um jogo bonito e acessível.

Mas do que adiantaria tudo isso se ninguém nunca o jogasse? Ela sentiu a boca seca. Havia enfrentado vários inimigos dentro do livro, mas as pessoas da vida real lhe davam pavor.

— Como está a minha mascote favorita?! — Taruska bateu na bancada de madeira, dando um grande susto em Aneline.

A garota se afastou, recuperando-se do susto. Encheu-se de raiva ao ver também a de cabelo loiro amarrado e a outra de cabelo escuro. As duas fiéis puxa-saco de Taruska. Todas riam da sua barraca.

— "Mundo das Bizarrices", que coisa pífia! — zombou Taruska. Nem mesmo se intimidavam com a presença dos adultos ali. A de cabelos azuis estava acostumada a depreciar funcionários. Seu pai costumava mandar em todo lugar que ia. Um homem muito influente na política e na economia local. Ela via Ane como um divertimento. Colou na garota como um carrapato e não a largaria até vê-la rastejando no chão.

Taruska olhou alguns panfletos do jogo de Ane. Deu risada e os jogou ao vento, espalhando pelo local. Aneline mostrou a língua para as três quando deram as costas ao saírem rindo dali.

— Não se deixe levar por essas provocações, Ane — seu pai a repreendeu.

Aneline não tirou os olhos da de cabelos azulados. Sentia sua pele queimar com a indignação. Também viu um senhor se agachar e pegar um dos panfletos. Ele se aproximou da barraca. Era o primeiro visitante da noite.

— Bem-vindo ao Mundo das Bizarrices! — A garota o recebeu. Sabia ser simpática quando necessário. Seu sorriso chamava a atenção.

— Olá. Esse me parece um jogo interessante para crianças. Quero dar um de presente para meu filho, e quero evitar algo violento demais — disse o senhor de barba e cabelos grisalhos.

— Este é perfeito! Mundo das Bizarrices o levará para um lugar fantástico, além da imaginação humana. Acredite em mim, é bem surpreendente o que pode haver nesse mundo novo...

— Corta o papo... — O homem soava divertido. — Isso todos dizem de seus próprios jogos. — Estava cético.

— Me diga algum jogo que tenha um elfo pagodeiro. Me diga! — Aneline encarou o homem, que recuou.

— Não dê spoilers, Ane! — Hector repreendeu sua filha. — Me desculpe, senhor. Ela pode ser um pouco estressada às vezes. Veja, os gráficos são simples, porém bem feitos. O jogo se destaca por sua jogabilidade. É bem fluída e funciona em computadores mais fracos. Também pretendemos levá-lo para dispositivos móveis...

Hector explicou os detalhes do jogo para aquele homem, que também pôde ver um pouco da gameplay. Junires colocou o jogo para rodar. Transmitiam por um monitor de tubo. Não precisariam de uma imagem de ultra definição para jogar aquele jogo, pois se divertiam e imergiam naquele mundo ao longo dos primeiros minutos.

Não só aquele homem ficou interessado. Mais pessoas surgiam e se acumulavam na frente da barraca simplória. Boatos sobre um jogo ultra divertido começaram a circular na Planpagoon. As pessoas estavam cansadas de jogos que seriam mais do mesmo. Queriam conhecer as bizarrices daquele jogo. Elas davam risada, e gostavam de ouvir as músicas do Besouro KPopper. O personagem logo ganhou a simpatia de crianças e até de adultos. Gostavam de ouvir a trilha sonora do jogo, cantada e interpretada pelo inseto rosa dançante.

A movimentação incomum chamou a atenção do locutor do evento. Ele anunciou o nome do jogo e todos puderam ouvir, inclusive Taruska e seu pai. A azulada se encheu de raiva, pois fazia um bom tempo que ninguém aparecia ali para ver as estátuas e os cosplayers do seu jogo de ação. Eles só queriam saber do jogo bobo da Aneline Cara Feia.

Todos faziam fila. Cada um poderia criar seu próprio personagem jogável. Shad aparecia logo na primeira fase. Ele era o responsável por dar as dicas iniciais de jogabilidade. No começo, todos os jogadores tinham medo dos demônios azuis, porém riam ao ver que eram inofensivos e muito gentis.

Ane via tudo aquilo através da tela de pixels, e se lembrava de cada momento que viveu ao lado do vampiro. A alegria pelo sucesso do jogo de seu pai se confundia com a saudade do amigo vampiro. Ela se apoiou na bancada e assistia as pessoas jogarem, deixando sua mente ir para bem distante.

Várias pessoas queriam jogar por mais tempo o novo jogo Mundo das Bizarrices, mas o tempo acabou. O evento chegava ao fim e as barracas começavam a ser desmontadas. Hector e seus sócios estavam radiantes. Receberam inúmeras propostas de contratos, inclusive com a plataforma digital mais conhecida. Eles tinham conseguido!

Depois de recolher tudo e colocarem na caminhonete de Flavinho, eles foram para a casa de Hector para comemorar. Já que era um dia especial, pediram pizza. Estava com a borda queimada, mas Aneline gostava. Não se lembrava de comer algo tão bom.

Hector deixou seus amigos por um momento, que festejavam merecidamente. O homem se aproximou de sua filha e a abraçou pelos ombros.

— Parabéns, filha. Você conseguiu! Não vamos precisar nos mudar — ele beijou a cabeça dela. — Vamos alugar um lugar melhor por enquanto. Você terá seu próprio quarto. — Hector estava radiante.

— Você merece, papai! — ela deixou a pizza de lado e se rendeu aos braços dele.

A garota chorava novamente, mas dessa vez de alegria. Para ela, a maior alegria não era que finalmente teriam uma vida mais tranquila, embora isso fosse essencial. Ela sentia uma leveza em sua alma. Finalmente percebeu que sua mãe se sentiria orgulhosa. Ane evoluiu, aprendeu e encontrou o que queria fazer. Ajudaria seu pai a criar mundos imaginários, mundos incríveis que pudessem guiar pessoas a novas expectativas. Algo que as tirassem do chão, assim como ela foi tirada.

Às vezes, precisamos nos desprender para então nos encontrar. E ela sentia isso. Tudo que ela viveu foi falso? O Besouro KPopper sequer existiu? Shad era apenas um personagem? Aneline se recusava a acreditar nisso.

Todos eles estavam em sua memória e jamais seriam esquecidos.

Para sempre, no coração da garota.

Existe algo mais real do que isso?

...

...

FIM

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