Capítulo 12 - Coração do Shad

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Em um universo invisível a alguns compassos de distância...

— Vamos, andem seus frouxos. Não temos tempo a perder! — disse o celulóide.

Ele era como todos os outros daquele lugar, um ser pegajoso que lembrava uma gota de cor rosa. Possuía olhos e boca, bracinhos e perninhas pequenas e gordinhas. Este era o chefe. Carregava uma papelada debaixo do braço e usava um terno marrom.

Entre as artérias, ele se enfureceu com os novos recrutas que chegavam do departamento do intestino. O chefe celulóide chegou diante do supervisor e o olhou nos olhos.

— São essas molengas que você me traz? — Ele apontava para os celulóides mirins usando óculos e cheios de espinhas na cara.

— É o que temos, senhor. Ninguém daqui já recebeu treinamento para trabalhar em um coração antes. Em todos os milênios, nunca se ouviu falar de um vampiro desenvolver um coração... 

— E justamente por isso não quero cometer erros! — O celulóide chefe jogou a pasta com os papéis no chão. Logo o supervisor tratou de recolher tudo.

— Eu entrarei para a história dos arquitetos. — O chefe elevava as mãos para o alto, imaginando o mundo que teria se obtivesse sucesso em seu trabalho. — E não será por ser o arquiteto que arruinou o coração de Shad, o vampiro. Você sabe como é ruim deixar um coração amargurado?! — perguntou o chefe ao segurar a gola da camisa do supervisor. Ele recebeu sua pasta.

— Não sei, senhor — respondeu o supervisor, todo trêmulo.

— Pois não queira saber como é arruinar o coração de um vampiro!

Ele voltou a sonhar, elevando as mãos para o alto e dançando uma valsa.

— Isso é história! Entraremos para a galeria da fama! E não quero saber de erros! — ele gritou para os celulóides mirins. — Estão me ouvindo?! 

"SIM, SENHOR!", gritaram os mirins em resposta. Depois marcharam para seus postos como escoteiros.

O chefe continuou fazendo seu trabalho, seguindo pela trilha do coração e guiando todos os celulóides trabalhadores. Alguns removiam teias de aranha. Outros limpavam o chão. Outros cuidavam da decoração, pintando as paredes com Água Genética, dando vida para aquele coração ressecado que pouco a pouco se transformava em um órgão rosado e bem vivo.

Tudo tremeu de repente, derrubando algumas das decorações.

— Boa! Boa! O coração está começando a pulsar — disse o chefe.

Alguns dos trabalhadores esboçaram um sorriso ao ouvirem o elogio, mas não durou muito.

— Quem foi o idiota que teve a ideia de decorar este coração com flores?!! — bravejou o chefe, levando a mão a sua cabeça e puxando suas orelhinhas líquidas até o chão.

Um trabalhador prontamente chegou diante do chefe em pose de sentido.

— Fui eu, senhor! Sou o decorador dessa reforma.

— Seu tolo! — O chefe o pegou pelos ombros e começou a sacudi-lo. — Você não percebe que corações floridos são o símbolo daquela princesa adorável totalitária?! — Então o largou.

— Me... Me-me me-me... — O trabalhador gaguejava.

— Me me me... — O chefe debochava do gaguejar do trabalhador incompetente. Mas agora tentava manter a paciência para comunicar um fato ao celulóide decorador. — Nosso Shad, nosso querido Shad, é um vampiro adorável?

— Não, senhor. Ele é depreciável. Mas eu pensei que pelo fato de ele possuir sentimentos agora, eu poderia fazer algo mais meigo, representando sua evolução emocional. Há pouco, o departamento de sentimentos me comunicou que eles registraram paixão nos receptores.

— Hmm. Entendi — dizia o chefe, de maneira irônica. — Então você percebeu que nosso vampiro amado sentiu paixão, e pensou: "Ok. Vou colocar um símbolo fascista no coração dele!". Foi isso?

O chefe olhou furioso para o trabalhador. O mesmo ficou sem reação e saiu chorando pelo corredor arterial. Uma garçonete trouxe para o chefe uma taça de Água Genética. Ele bebeu aquilo em uma golada e começou a desabafar.

— Nós, celulóides, somos seres microscópicos, responsáveis por guiar os acontecimentos de Mundo das Bizarrices. Os roteiristas de tudo que acontece! Entendem a responsabilidade que está em nossas mãos?

Todos os trabalhadores pararam para ouvi-lo. Ele subiu em uma mesa e fez um discurso para todos dentro daquele salão cor de rosa.

— Não fomos nós quem transformamos Aneline em uma lutadora no capítulo seis, mesmo isso não estando no roteiro? Não fomos nós quem demos ao Besouro Kpopper a capacidade de fornecer poderes para Aneline a partir do capítulo três? Também não fomos nós quem permitimos Aneline entender o idioma de Mundo das Bizarrices, antes mesmo de tomar a poção da consciência no capítulo dois?

"Sim!", "É isso ai!", responderam os celulóides trabalhadores.

— Fizemos uma baguncinha da boa, chefe! — disse o celulóide puxa-saco usando suéter.

— Sabe o motivo de termos feito isso? — O chefe continuava o discurso motivador. — Porque estamos aqui para tapar qualquer furo que haja no roteiro. Somos os guardiões desse livro!

"Uhul!", eles gritavam e aplaudiam.

— Nosso vampiro vai ser emocional ou não vai, galera?! — O chefe incitou a massa, jogando bebida para o alto.

"Vai!", "Shad lindo!", gritavam as celulóides histéricas.

— E nem mesmo o autor vai nos impedir!!

"É isso aí!"

"Somente nós sabemos o que é melhor para nosso bebê!"

Os celulóides se animaram e começaram a remover as flores.

Cantavam e dançavam alegremente.

"Nada vai nos impedir. Somos os guardiões. Invisíveis são nossas ações. A princesa vai se lascar, porque o Shad vai arrasar!

Aneline é nosso bem. O besouro é também. Poderes e todos os recursos daremos, pois limites não temos.

Esse mundo é bizarro! E o autor é folgado. Tudo fica à nossa custa. Para deixar a história robusta!

Ê ôoo, cante conosco. Ê ôoo, vem celebrar, meu povo. Adorável, medíocre ou depreciável. Quem é você? No mundo bizarro tudo é muito louco!"

Então eles dançaram de mãos dadas, bebendo Água Genética e não hesitaram em trabalhar. O chefe regia todos alegremente. Ele sabia que iriam fazer um bom trabalho no coração de Shad.

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