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Bianca

Olhei para o pijama que Manu tinha colocado na sacola e decidi vestir uma camiseta da Rafaella que estava junto. Uma lágrima desceu pelo meu rosto quando o cheiro do seu perfume invadiu meu nariz. Sua camiseta cheirava a roupa lavada, mas ainda assim tinha um resquício do seu aroma. Cheiro da minha Rafaella.

Caminhei até o lado da cama e peguei o telefone do hotel para ligar para o meu pai. Tinha certeza de que ele se recusaria a ajudar Rafaella, alegaria que ela tinha se machucado fora do trabalho e que não tinha responsabilidade nenhuma pelo ocorrido. Na verdade, um mês antes, eu pensaria da mesma forma. Mas algo havia mudado. Rafaella, Manu, Igor, Zé Luís e até Petrix estavam entrando em minha vida de uma forma que nunca pensei que pudesse acontecer. Tudo isso, somado às lembranças da minha mãe e aos sonhos estranhos que vinha tendo, estava me deixando confusa e perdida.

Porém, uma coisa era certa: Rafaella! Ela me balançou.

O telefone tocou até cair na caixa postal. Olhei para o relógio na parede e vi que já passava das 22 horas. Liguei novamente, e então ele atendeu com a aspereza de sempre.

— Você sabe que horas são, Bianca? Eu trabalho amanhã — disse ríspido, mas pela primeira vez eu não retruquei. Tinha um plano B caso meu pai se recusasse a ajudar Rafaella, mas tudo seria mais fácil se ele se prontificasse a pagar o tratamento.

— Preciso da sua ajuda — disse, me deitando na cama. Eu me sentia profundamente sozinha. Estava acostumada a ficar só, mas daquela vez era diferente. — A Rafaella caiu de um touro e está hospitalizada — expliquei, e meu pai ficou alguns segundos em silêncio.

— Foi na Girassol? — Sua pergunta me fez ter a certeza de que ele se recusaria a ajudar. Mas ele continuou antes que eu respondesse. — Ela está bem? Qual é seu estado clínico? — Eu me sentei na cama, realmente surpresa com a preocupação repentina do meu pai.

— Ela corre risco de ficar sem andar apenas por um tempo. Não sei explicar muito bem o que o médico disse.

— Você está no hospital? — Foi a vez de o meu pai ficar surpreso.

— Eu... Nós... Eu e Manoela nos tornamos muito próximas, e eu acompanhei ela até aqui —  respondi sem dar muitas explicações. A verdade poderia atrapalhar, então menti.

— Vou ligar para o Zé Luís e informar que o tratamento da Rafaella será por minha conta —meu pai afirmou com convicção, sem dúvidas na voz, o que realmente me pegou desprevenida. — Vou reorganizar minha agenda para visitar vocês. — Certo! A história realmente estava ficando estranha. Meu pai não mudava sua agenda por ninguém, e por que faria isso por uma simples veterinária? Não fazia sentido. — Bianca? — Ele chamou minha atenção, pois eu havia ficado muda.

— Ok! — Respondi, ainda tentando imaginar o porquê de tanta preocupação do meu pai com a Rafaella, mas não questionei. Fiquei com medo dele voltar atrás. — Amanhã falo com o Zé Luís  também.

Eu me despedi e tentei relaxar um pouco, pois sabia que dormir seria impossível. Me sentia perseguida pelos olhos da Rafaella me encarando enquanto estava imóvel naquela arena.

Passei horas me virando na cama até que não consegui mais suportar. Peguei uma calça jeans e uma camisa branca da malinha, calcei as botas e saí. Olhei para o relógio, e eram cinco da manhã. Foda-se! Precisava ir ao hospital.
...
Rafaella

Ouvir de um médico que eu corria o risco de ficar até meses sem andar foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Acho que, tirando o dia em que soube da morte dos meus pais, eu nunca tinha sentido tanto medo. 

Eu era Rafaella, a veterinária que vivia em cima dos cavalos, a Perigosa que dançava e curtia a vida com toda a alegria de uma jovem da minha idade, a Kalimann que sentia a adrenalina pulsar nas veias ao permanecer oito segundos em cima de um touro. E naquele momento, o que eu era? Um monte de ossos em cima de uma cama, uma mulher que dependeria de alguém até para tomar banho.

Domando Corações - RabiaOnde histórias criam vida. Descubra agora