Desatino

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Falar com minha mãe não seria uma péssima opção, aliás, eu a conhecia, pelo menos acho que sim.

Não sei qual a pior coisa, encarar minha mãe depois de tudo que aconteceu ou ir tentar falar com ela como se nada tivesse acontecido, qual você acha pior?
Engraçado o jeito em que as coisas começam a se transformar numa bolinha da lã, enroladas e traçadas em um só lugar. Acho que minha vida é assim, por mais que eu fuja de uma coisa, mais tarde vou ter que encontrar novamente a mesma coisa, muitas das vezes mais terrível e assustador do que na primeira vez, mas vamos lá, a única coisa que evitei te contar foi sobre minha mãe, então é a hora.

Meu pai morreu quando eu tinha seis anos de idade, sim, morreu. É muito comum ver um filho sem pai, então, não sou a estranha da minha escola, mas já perceberam o quanto faz falta ter um? Se você nunca passou por isto, que sorte a sua. Eu passei, e parece que quanto mais você se nega a passar, mais aquilo vem pra cima de você, como uma bomba atômica preste a explodir e você ainda nem sabe o que é bomba atômica, ter medo do desconhecido acho que é muito mais racional do que ter medo daquilo que conhece.

Nome: Jasmin
Idade: 42 anos
Profissão: Minha mãe

Minha mãe nunca superou, aliás, nunca te contei sobre ela. Talvez, porque é muito pouco o que eu sei sobre minha própria mãe. Eu sei que ela vive muito ocupada, trabalha muito e não merece que eu lhe dê mais problemas. Pelo menos é isso o que eu já a ouvi falar.
Se você achar minha mãe pelas ruas, com certeza vai pensar que ela é do tipo que treme quando fica sem tomar cafeína, porque ela treme muito.
Ela não se parece nenhum um pouco comigo, e às vezes fala sozinha, e nunca me pergunte onde ela trabalha, porque nunca vou saber, é um mistério que um dia podíamos solucionar juntos.
Mas ao menos de tudo isso, ela me deu você. O que foi muito legal da parte dela, e agora eu me pergunto, o porquê ela me deu você?

— Mãe? Por que você me deu o diário?
De tantas coisas que eu podia perguntar pelas situações das besteiras que estavam acontecendo comigo, me voltar a essa pergunta pode parecer bobo e estúpido, mas era essencial.
— Então, a culpa de tudo isso acontecer é dele?
— Não, não, a culpa é completamente minha, eu decidi assim.
— Não, eu te dei este diário pra te ajudar, mas eu sabia que você podia se prejudicar. Você deveria o usar com sabedoria, não deixar com que ele decidisse tudo.
— Eu não... Você sabia que ele pode decidir as coisas?
— Claro que sei, achou que fosse louca da cabeça? Que estava falando com um amigo imaginário?
— Não, eu sinto que é real, desde quando eu escrevi nele pela primeira vez, eu fiquei convicta de que estava conversando com alguém.
— Este diário é somente para emergências, não era pra você conversar com ele.
— Mas é um diário, claro que eu conversaria com ele.
— Não achei que você fosse tão sozinha ao ponto de realmente conversar com um caderno velho.
Desculpa se ela te ofendeu...
— Sim, porque você não fez questão de me falar o que realmente significava. E ele não tem culpa de nada.
— Então me explique como você acordava ou se sentia quando ele tomava uma decisão por você? Como se não houvesse outra opção?
Eu já estava zangada neste momento com ela, ela sabia de coisas sobre você ao qual nem quis me contar, porém ela estava certa a contar a maneira em que eu me sentia.
— Esta não é a questão, e sim sobre o que realmente você quer comigo? Por que me deu este diário e de onde ele é? Que tipo de diário ele é?
— Ele era o meu diário, o diário que ganhei de uma menina quando eu tinha sua idade, foi na biblioteca. E quando comecei a escrever não conseguia parar, no inicio me fez coisas maravilhosas, mas quanto mais eu o deixava decidir, mais eu me sentia controlada, minhas verdadeiras vontades não existiam, todos os meus sonhos eram diferentes, e eu percebi que eles mudavam de acordo com o que eu deixava esse diário decidir a minha vida. Eu casei com seu pai por culpa dele, eu me tornei uma viúva por culpa dele, virei uma mulher horrível por causa dele. E quando seu pai morreu, ele parou de funcionar. Todos esses anos, eu busquei saber sobre o diário, como o fazer funcionar, e só descobri uma coisa, na biblioteca em um pedaço de papel todo rabiscado dentro de um livro sobre tarô. Estava escrito “2006, o diário funcionara novamente, apenas a aquela que estiver à sucessão”. E era você, o diário não funcionava mais comigo por conta de que eu tinha uma herdeira, e não foi quando seu pai morreu, foi quando completou seis anos, igual 2006. Por alguma razão ele só funciona quando atinge a sua idade.
— Então me deu o diário para quê? Para refazer a sua vida?
— Não, eu lhe dei para que pudesse refazer a sua.
— Isso não faz sentido. Como você saberia que eu precisaria disto? Sendo que você que me deu isso.
— Você não tem noção de quão poderoso é “isso”.
— Acho que já entendi, e você me deu ele para que pudesse de alguma forma refazer a sua vida. Sempre foi insatisfeita com sua vida, não casou com quem queria, não teve a filha que realmente queria. E agora depende e precisa de mim pra alguma coisa
— Você entendeu tudo errado...
— Não, eu entendi da melhor forma possível.
— Não, você não entendeu, eu amo você, você é minha filha, eu nunca voltaria atrás pra mudar nada.
— Você não, mas eu sim, e é isto que você quer. Quer que eu escreva algo que não exista para que o meu diário possa decidir a existência.
— Você não entendeu, é sobre o quanto mais você o faz escolher, mais possibilidades aumentam, pense em quantos mundos alternativos existem apenas com as decisões em que ele escolheu pra você, em quantas ela se repetiu e forçou a escolha, e voltou neste exato momento?
— Então há uma possibilidade em que você é realmente feliz? Você não vê? Tornou-se obcecada com as coisas que lhe aconteceram, o passado não volta, lembra-se de quando me disse “não importava quantas vezes erramos, o importante é contar quanta vezes tentamos de fato acertar”. Não importa tudo isso que aconteceu, você não se sente feliz com os erros? Não sente feliz a me ter?
— Você acha que não sou feliz com você? Queime o diário e veja que não sou obcecada.

QUE LOUCURA, Diário. Você sabia disto? Aposto que não.
Nós dois sabemos o que vai acontecer se eu reescrever a história da minha mãe, eu não vou existir. Assim como se eu te queimar, eu não vou mais te ver.
Não aguento escolher uma coisa dessas, ajudar a felicidade de alguém que não soube te utilizar ou te queimar e nunca mais pedir sua ajuda, ambos os modos me farão ficar mal, então, por favor, decida com sabedoria.

REESCREVER – SIGA O CAPITULO EMBOQUES

QUEIMAR – SIGA O CAPITULO CONFLAGRAR

Bolinha de Lã - Livro InterativoOnde histórias criam vida. Descubra agora