Emboques

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9 de janeiro de 1981, Sexta feira.

Já dormiu muito e quando acordou achou que estivesse em outro dia? É uma sensação bem diferente.
Dormi muito e acordar no outro dia é até que normal, mas dormi muito e acordar em dias que já passaram é bem inusitado.
Bem, a sensação de abrir meus olhos e acordar como uma louca perdida foi de súbita a pior a coisa que me ocorreu. Acordei dentro de uma biblioteca, assim como eu escrevi que deveria acordar, uma biblioteca bem estranha, não tinha ar condicionado, apenas ventilador de teto e janelas abertas.
PARA A MINHA SORTE, a biblioteca estava vazia, só havia uma mulher com óculos redondos de fundo de garrafa, ela escrevia com veemência em uma ata preta. Catalogando os livros, provavelmente era a bibliotecária, e sua identificação era “Stephanie”.

— Bom dia.
Ela me olhou surpresa, aqueles óculos aumentavam gradativamente sua visão, olhos azuis, pelo menos eram bonitos de se ver, a não ser pelas carnes crescidas, credo.
— Bom dia, uma jovem tão cedo na biblioteca, eu devo desconfiar de algo?
Parecia que os jovens não vinham tanto à biblioteca nesta época, não que em 2006 seja tão diferente...
— Apenas vim estudar um pouco, mas gostaria de perguntar se a senhora conhece alguma menina chamada Jasmin, conhece?
Ela não parava de me encarar, estava me examinando, isso era bom?
— Que roupas curiosas essas suas, moda nova? Onde esses jovens vão parar, hein meu Jesus? — uma revirada nos olhos, eles faziam isso antigamente? Parece que sim — Conheço apenas uma Jasmin, com N. Seria essa?
— Sim, essa mesmo, sabe onde ela se encontra?
Seria tão fácil achar ela assim? Eu estava com muita sorte...
— Não, não sei onde ela está. Mas ela vai vir às 10 horas, ela reservou um horário para estudos. Se quiser aguardar.
Meu azar voltou.
E ela voltou o olhar à ata.
— Oh, e que horas são?
Com certeza ela já me queria fora dali, só por aquele olhar de desprezo quando me respondeu que horas era.
— Sete e meia.  De nada. Agora, pare de me perturbar, preciso trabalhar.

Eu não podia esperar até as 10, ainda mais naquela biblioteca. O meu único dever era não deixar com que minha mãe te pegasse, mas como iria acontecer só mais tarde, nada mais do que justo do que dar uma volta pelas ruas, conhecer um pouco de mil novecentos e oitenta e um.
As ruas não eram nem um pouco parecidas com as de 2006, o trajeto estava todo estranho, as ruas não tinham os cruzamentos, eram retas que destinavam a sempre ir em frente ou para trás, parece que minha cidadezinha ainda não concluiu todas as ruas.
Eu estava nos anos 80. O que significa o que? Nem eu sei. Nunca prestei atenção nas aulas que falavam dos anos 80 e nem no modo em que as pessoas se comportavam ou se vestiam. Mas agora de perto, observei que todos me olhavam de jeito incomum, minhas vestes nem era tão curtas e ousadas assim, ora, 2006 nem é tão diferente assim, eles que são discretos até demais. Percebi que eu devia ter ficado na biblioteca mesmo, pelo menos aquela bibliotecária estaria ocupada demais pra perceber que eu não fazia parte disso.
— Onde pensa que está indo mocinha? Devia estar na escola!
Era um militar, ele não parecia satisfeito por me ver na rua, e assim como os outros avaliava minha roupa.
— Eu não moro aqui, estou apenas de passagem, senhor.
— Me leve até sua hospedagem para que eu a leve aos seus pais, e essas roupas... Você faz parte daquele movimento feminista? As raparigas brasileiras adoram seguir essas tendências internacionais. Fique sabendo que aqui, nós não aturamos isso. É tudo frescura. Agora me leve a sua hospedagem.
Ele apertou meu pulso, droga! Eu estava esquecida disto, 1981, era o ano da ditadura militar...
— Anne Belle? Então você esta aqui? Eu estava a procurando, querida.
Um jovem se aproximou com um sorriso no rosto, ele piscou pra mim, enquanto o militar me soltava.
— Ela é sua esposa? Parece muito uma noviça fugitiva da escola, eu estava a prender.
O jovem deixou seu braço se enroscar em minha cintura. Eu estava assustada demais pra reagir, estava acontecendo tão rápido.
— Sim, é minha esposa. Sinto muito pelo engano, mas ela tem dezenove anos, casamos bem jovens, e hoje ela resolveu sair cedo pra fazer alguma surpresa, aliás, hoje fazemos aniversário de casamento. Quatro anos de casados, não é querida?
Ele sorria e falava tão naturalmente, o militar parecia convencido, parece que a palavra de um homem era bem mais confiável.
— Sim, querido. E nós precisamos ir, eu encomendei o bolo e ele deve estar chegando ao hotel.
Eu menti como a atriz que estava ensaiando há anos com Kelly, até que ela me ensinou algo...
— Devo me retirar, peço desculpas pelo mal entendido, e parabéns pelo aniversário.
E o militar finalmente estava se retirando, demos a costas e fomos andando a algum lugar bem distante dali, até aquele militar sumir de vista.
— Muito obrigada, muito obrigada mesmo.
Ele sorriu, me soltando. Ele me era familiar...
— Tudo bem, mas tome cuidado quando for sair sozinha e com estas roupas, destes muita sorte hoje, ele acreditou em minhas palavras, imagine se ele não acreditasse, estaríamos presos agora.
— Sinto muito, tinha esquecido o risco que eu poderia passar.
— Eu sei que manifestamos para adquirir a nossa liberdade de se vestir como quisermos, mas a realidade é diferente. Tem que tomar cuidado, ainda mais que ano passado houve a epidemia, os militarem não querem ver nenhuma moça na rua, ainda mais tão jovem.
— Epidemia?
— Sim, HIV, vírus da imunodeficiência humana. Impossível não se lembrar.
— Mas é se transmite por relação sexual.
Ele me olhou como se eu fosse uma demente, o que não podia ser mentira naquele momento.
— E você acha que eles querem tirar as moças das ruas por quê? Evitar que vocês... Você sabe.
— Sinto muito, estou ainda assustada.
Claro, foi só uma desculpa pra ele não me achar uma tola qualquer...
— Tudo bem, olha, eu sou estudante, manifestante como você, eu quero direitos iguais, eu quero que tenha democracia. As coisas estão melhorando, a assinatura da Lei da anistia é um exemplo, mas as mudanças estão muito lentas, ainda. Eu tenho fé que as coisas vão mudar, e nós somos a mudança. Você não deve se assustar com isso, deve lutar para que nunca mais aconteça, mas até isso não mudar, devemos nos precaver.
Ele sorriu novamente, e desta vez acariciou meu queixo.
— Obrigada pelas palavras, Senhor.
— Meu nome é Robinson Cunha, mas pode me chamar apenas de Robinson. E como você se cha...
O relógio de pulso dele estava tão próximo que pude ver as horas, 09h30min.
— Desculpa Robinson, estou atrasada, nos vemos por ai.
Mesmo não estando atrasado, andar até a biblioteca seria demorado, até porque os minutos que perdi andando pelas ruas podiam ser horas, eu sou distraída.

Quando estou atrasada par algo, digamos que não controlo a intensidade em que corro, e que quando chego ao local eu não paro, eu continuo por causa da velocidade, e nessa de não controlar a velocidade acabei abrindo a porta forte demais, chamando a atenção da bibliotecária e de todos na biblioteca - ao qual eram muitas e muitas pessoas - ao qual não me receberam com olhares agradáveis.
— SILÊNCIO é o lema da biblioteca, senão o puder cumprir convido a se retirar.
Aqueles olhos azuis esbugalhados não eram nenhum um pouco atrativo quando se estava com raiva...
— Desculpinha...
Andei para o meio das prateleiras dos livros, me escondendo dos outros olhares furiosos. Eles logo voltariam aos seus livros... E eu voltei a minha busca pela minha querida ex-futura mãe.
Até que não foi difícil identificar ela, ela parecia concentrada em um livro grande de geografia. Então a única coisa que devia fazer era observar ela até a garota misteriosa aparecer, o que devia ser logo...

— Cinco minutos para a biblioteca fechar, horário de almoço.
A Jasmin não tinha tirado o olho do livro, e nenhuma garota misteriosa apareceu pra dar você a ela.
Será que eu havia chegado tarde demais, e ela já havia entregado antes de eu aparecer?
Droga!
Eu devia te pegar de volta. E minha ex-futura mãe já estava guardando o livro, eu fui bem rápida e apareci bem à frente dela.
— Ei, oi.
Ela franziu a testa, eu era a garota estranha com jeito de estranha, ok. Era normal essa reação das pessoas...
— Olá. — a voz dela foi bem baixa.
Ok, seja rápida.
— Uma garota misteriosa da sua idade, apareceu a você e lhe entregou um caderno preto?
Ela balançou a cabeça em negação, se afastou e pegou a bolsa. A retardada estava fugindo na minha frente, DROGA. Eu fiquei novamente na frente dela.
— Por favor, era um diário, como este aqui...
Eu te mostrei pra ela, antes que ela se retirasse novamente. Ela te segurou, e ia te devolver com um olhar de repulsa.
— Não, ninguém me deu nada.
Ela ia se afastar novamente, e eu a segurei.
— Tem certeza?
— Sra. Stephanie, tem uma moça aqui que me segurando, me ajuda...
AI QUE ESTÚPIDA.
Soltei-a imediatamente, e me escondi.
Claro, a bibliotecária me encontrou e me expulsou de lá.
E a vadia da minha ex-futura mãe havia levado você.
ENTÃO FUI EU QUE ENTREGUEI O DIÁRIO A ELA?
Sim, fui eu.

E sim, eu registrei esse momento em um caderno normal até que eu pudesse te recuperar, e depois de um longo tempo, aqui estou eu, te escrevendo novamente. Não sabe como fiquei ansiosa por isso. Pelo momento em que eu finalmente escreveria como fui parar em 1981, e viver durante todo este tempo entre anos a qual era apenas conhecido como passado para mim, e agora estou de volta ao meu ano novamente, 2006.
Meu nome? Elle Cunha, casada com Robinson Cunha e mãe de Cley Cunha.
Sim, eu tive que inventar um nome. Mas isso é outra história, aliás, são muitas histórias...

~ FIM ~

PARABÉNS, VOCÊ CHEGOU A UM DOS FINAIS DA NOSSA HISTÓRIA, A CONTINUAÇÃO DESDE FINAL AINDA NÃO É CERTA, POIS ESTÁ HISTÓRIA É APENAS UM TESTE, SE VOCÊ CHEGOU A ESTE FINAL, POR FAVOR, COMENTE.
E SE QUISER, PODE COMEÇAR NOVAMENTE.

Bolinha de Lã - Livro InterativoOnde histórias criam vida. Descubra agora