Delinear

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16 de janeiro de 2006, Segunda Feira.

Não sabia se realmente iria funcionar, mas eu o fiz mesmo assim.
Meu dia acontecera da mesma forma em que eu escrevi.
Acordei em minha cama, totalmente disposta – coisa que não acontece – e tomei um banho demorado sem o chuveiro parar de repente – o que sempre acontecia, mas desta vez, não aconteceu -. E depois de me arrumar e ir à escola, tudo estava conforme o normal.

Entrei na sala esperando que alguém me desse um oi, porque eu escrevi que hoje, alguém muito legal, me daria um oi e se tornaria minha amiga ou um amigo, não descrevi quem, até porque não importava.  Já que Maicon seria mais que meu amigo, eu acho, pelo menos foi isso que ficou nítido na sexta-feira.
Ninguém me deu oi até a professora de português chegar e dizer:
— Dê às boas vindas à aluna nova.
Olhei para todos os lados possíveis, mas não havia ninguém novo, e todos me olhavam com caras de paisagem, se entreolhando confusos com minha ação.
— Eu?
Foi uma burrice responder isso, mas eu estava confusa no momento.
— Sim, levante-se e se apresente, não temos o dia todo. Além do mais, se continuar se fazendo de sonsa não é de bom agrado, espero que aprenda hoje e não repita. Agora...
Ele fez o sinal com o dedo para eu me levantar. Eu podia suspeitar de um trote, mas se tratando desta professora, meu plano deu errado. Levantei-me.
— Olá, meu nome é...
— Desculpe me interromper, professora. Mas a aluna nova tem que vir comigo, tem algo de errado nos registros, preciso resolver imediatamente. — Era a diretora, ela interrompeu a minha fala ao abrir a porta quase assustando a professora.
— Claro, pode ir.
Era minha salvação, me retirei imediatamente da sala de aula, levando a minha mochila, mas o pior estava por vir.

— Por favor, seu nome é Kelly, certo? — A secretária da escola insistia para que eu fosse a Kelly, isto já fazia uns quinze minutos. A diretora estava impaciente, e eu não ia assumir que era Kelly, até porque, não sou.
— Não, meu nome não é Kelly. Eu não sou Kelly, pegaram a garota errada.
A diretora bateu na mesa com força.
— Olha aqui, não estamos com paciência para molecagem. Assuma que é a Kelly e pode voltar para a sua aula.
— Eu não sou Kelly, eu sei que na última semana tivemos uns conflitos, mas eu não sou a Kelly. Achei que ela tinha sido expulsa, você a expulsou, como pode me confundir com ela?
A diretora e a secretária se entreolharam.
— Querida, escute. Nunca vimos você antes de hoje, e não sabemos que é Kelly, e a única garota nova aqui é você. Kelly foi matriculada pelo antigo secretário da escola, cujo morreu semana passada, por este motivo não tivemos aula na quarta em diante. Só temos o registro escolar de tal de Kelly e mais nada. Acho que isso tudo é um terrível engano. Vamos chamar sua mãe, talvez você tome algum medicamento controlado e...
Oh porcaria.
EU ACABEI ESCREVENDO TUDO ERRADO.
O que eu fiz?
Apenas escrevi uma página em que Kelly não pudesse interferir em minha vida.
O que deu errado?
Kelly sempre interferiu em minha vida, tanto agora quanto antes. Então fiz um mundo em que Kelly não existe. Então se Kelly não existe. Quem sou eu?
— Sua mãe está ai. — A diretora praticamente me levou obrigada a falar com ela, eu não gostava de nada disso...

Engraçado o jeito em que as coisas começam a se transformar numa bolinha da lã, enroladas e traçadas em um só lugar. Acho que minha vida é assim, por mais que eu fuja de uma coisa, mais tarde vou ter que encontrar novamente a mesma coisa, muitas das vezes mais terrível e assustador do que na primeira vez, mas vamos lá, a única coisa que evitei te contar foi sobre minha mãe, então é a hora.

Meu pai morreu quando eu tinha seis anos de idade, sim, morreu. É muito comum ver um filho sem pai, então, não sou a estranha da minha escola, mas já perceberam o quanto faz falta ter um? Se você nunca passou por isto, que sorte a sua. Eu passei, e parece que quanto mais você se nega a passar, mais aquilo vem pra cima de você, como uma bomba atômica preste a explodir e você ainda nem sabe o que é bomba atômica, ter medo do desconhecido acho que é muito mais racional do que ter medo daquilo que conhece.

Bolinha de Lã - Livro InterativoOnde histórias criam vida. Descubra agora