XLV - Estilhaços

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Hunter:

São poucos os momentos que eu fico sozinho comigo mesmo, tendo que encarar os meus demônios. E todas essas vezes eles tomam partes de mim e vão se apoderando.

Acho que estou me tornando algo que sempre fui, porém agora terei consequências se eu me deixar libertar.

Eu sei que o meu pai não confia totalmente em mim e é por isso que ele quase nunca me deixa sozinho, a única pessoa que acha cegamente que eu não tenho problemas é a minha irmã e mesmo assim as vezes eu penso que ela só finge muito bem.

Infelizmente esse é um dos momentos em que eu preciso extravasar, as sombras dentro de mim pedem muitas coisas, sangue, sofrimento, morte.

Coisas que eu era acostumado a fazer se eu quisesse sobreviver. Onde eu cresci você precisa matar se quiser continuar vivo, então comigo não foi diferente. Após anos sendo escravizado e torturado, só tive autonomia quando derramei sangue pela primeira vez.

Não sou um louco, sociopata. Eu realmente me importo com a minha família e até os amo, entretanto, será verdade que uma vez que você se entrega para o mal, será do mal para sempre? 

— Release — sussurro colocando a mão no chão e matando todo o solo atingido com meu lado sombrio.

— Hunter...

Ele ter chegado cedo me deixou surpreso e constrangido.

— Oi pai — evito olhar para ele até que o meu rosto volte ao normal e as manchas negras tenham desaparecido.

Não consegui encará-lo, me sinto uma abominação e o jeito que ele deve estar me olhando com certeza me confirma isso.

— Tá tudo bem, vou retirar essa grama morta.

— Por que fez isso? Eu vi — ele se refere as minhas manchas negras, no fundo eu sabia que ele tinha visto, isso não muda nada — Você não é meu filho agora, é?

É difícil, mas eu realmente não sou filho dele, não quando estou assim. Porém, isso é uma parte de mim e dói ter algo que você não teve culpa de se tornar ser repudiado por alguém que deveria tentar te ajudar.

— Vou chamar sua irmã, não sei como lidar com essas coisas.

Não demorou 15 minutos que ele chamou a Lunar e ela apareceu junto com o Sun, os dois estão diferentes.

Prestei pouca atenção sobre a conversa deles sobre Lunar e Sun estar emprestando seus corpos para os pais do Sun.

Focado em meus próprios pensamentos eu não demonstrei muita coisa escutando o meu pai contar a eles tudo o que estava acontecendo comigo, não pensei que ele tinha reparado em todos os sinais que eu dava.

— Irmão.

Lunar é a única que sempre tenta me entender, não sei se é coisa de irmã mais velha, mas ela quer de verdade me salvar. Então devo ser sincero com ela, mesmo que depois disso ela não queira mais saber de mim.

— Conta para ela, Nehal a devolveu o controle temporariamente quando o seu pai a chamou — Sun fala indiferente, acho que não é ele e sim o pai dele.

— Contar o que?

— É a Bessie — assim que cito o nome da nossa avó eu tenho a total atenção de todos presentes, não posso falhar agora, mesmo sentindo medo — Eu fui o responsável pela sombra que tomou posse do corpo dela.

— Você o que?

— Sabia que ela estava doente e isso iria te afetar — lágrimas escorriam dos nossos olhos, porém desacredito que choramos pelo mesmo motivo — Encontramos ela esses dias quando o príncipe voltou. Ela queria o meu corpo, foi o acordo que fizemos já que ela não gosta muito de estar em corpos limitados.

— Não.

O primeiro soco me fez cair no chão, foi quando ela montou em cima de mim e continuou a me socar forte o suficiente para me desmaiar, porém a minha resistência aguenta muito mais que isso.

— Não, não, não, não — cada "não" dolorido que saia da boca dela era um soco desferido em minha face que sangrava e doía.

— Lunar — meu pai está decepcionado, só que isso não foi o suficiente para ele querer ver sua querida filha me matando.

— Eu mereço, deixa ela —  confesso derrotado, acabo de perder a única família que tenho.

— Ela pode matar você, idiota.

— Não vai — de repente Lunar se levanta e sua expressão estava mudada, Nehal retomou o controle eu acho.

— Sr. Rey, pode por favor ir para a casa de alguém? Pedirei para que a amiga da sua filha o leve e o mantenha em segurança — o pai do Sun fala fazendo o meu pai ficar em alerta.

— Não vão fazer nada com o meu filho, ele não é do mal, não fez isso com consciência.

Mesmo fazendo tanto mal ele não quer me ver sofrendo, isso me machuca mais ainda pois não mereço a compaixão dele.

— Não iremos fazer nada a ele, estou no corpo da sua filha, mas isso não me dá o direito de ir contra suas vontades.

Então Lunar não me quer morto?

— Sua irmã está quebrada aqui dentro, pude sentir cada pedacinho do seu coração se estilhaçando quando contou o que fez, usar uma senhora de idade doente para afetá-la e ainda permitir que a mesma matasse a sua mãe? Isso é repugnante para qualquer um. Entretanto, ela não te quer morto, o seu pai está te defendendo, se você não for capaz de honrar esses corações maravilhosos que te cercam garoto, você não é capaz de mais nada que seja do bem.

Cada palavra que saiu da boca dela me atingiu com uma força surreal, eu sou muito capaz de honrar a família que tenho, os amo demais para querer fazer mal hoje em dia.

Naquela época eu era alienado, pode não justificar a minha falta de empatia por uma senhora doente, mas eu fui moldado para ser desse jeito.

— Não muda muita coisa, mas eu não sabia que ela tinha matado a Violet, não sabia mesmo — não sei se acreditaram em mim, porém é necessário deixar claro.

— Quando a Sammy chegar, eu, você e Nehal vamos atrás da Bessie — o pai do Sun fala — Aquela senhora não merece o que está acontecendo com ela, é muita crueldade para que possamos ignorar.

— Muito obrigado — agradeço um pouco baixo.

Eu ainda estou no chão, me sinto derrotado demais para levantar e o meu rosto dói muito.

— Não fazemos isso por você, fazemos isso pela prometida do nosso filho.

Astros: Lua MinguanteOnde histórias criam vida. Descubra agora