XLVII - Anel de fogo

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Sun:

Poucas vezes o calor me incomodava, nada nunca foi tão doloroso quanto as lágrimas quentes que escorriam pelos meus olhos.

Só quando o meu pai deixou o meu corpo que revivi a sensação de me sentir sozinho e pela primeira vez eu chorei a morte dele.

— Por que o tempo não volta?

Esse é o pior dos questionamentos, é cruel e doloroso você não poder reviver momentos bons com as pessoas que ama e depois que eles morrem ter que aceitar que simplesmente acabou, é o fim de tudo.

Já imaginou nunca mais sentir o toque da sua mãe? O abraço que só ela tem, as broncas que vem seguidas de um olhar ameno e um beijo na testa como se dizendo que tudo o que ela faz é para o seu bem? A delicadeza em cada gesto ou frase quando você não está muito legal e olha que não é nem necessário falar já que ela sempre sente quando você precisa de um colo acolhedor e confortável.

E o seu pai? Que mesmo sendo distante e você tendo mágoas dele, sempre esteve lá quando você precisou e do jeito dele garantia a segurança da família? Que quando necessário dava duras lições de vida, que se empenhava para te fazer se tornar um homem digno com palavras que no momento você não gostava, porém, anos depois você se via em situações e acabava concordando com cada vírgula do que um dia lhe foi dito?

Se para os humanos a morte é difícil de superar, imagina para seres como eu então que vou viver ainda bilhões de anos? Não é fácil, principalmente quando a pessoa que morreu tem pendências contigo.

Foi preciso muita sabedoria para perdoar o meu pai e entender cada palavra que ele me disse enquanto dividimos o mesmo corpo.

O meu pai não era um homem desprezível, somente falhou comigo em momentos que precisei dele e não o tive.

Viver com remorso muda a gente, eu finalmente pude me libertar do passado e com o perdão sincero, tapei o buraco que havia em meu peito.

Agora estou pronto para caminhar sem olhar para trás. Finalmente posso seguir, olhar para o meu futuro.

O meu futuro está em minha frente se preparando para o primeiro dia do resto de nossas vidas, juntos como deveria ter sido desde o primeiro momento em que nos encontramos naquela rua.

— As vezes Mayn exagera — Lunar fala se olhando no espelho, ela está linda vestida de noiva, parece uma rainha.

— Esse vestido é lindo e em você ficou perfeito — falo arrumando a manga da minha túnica.

— O que entende sobre vestidos? Não me diga que é ligado na moda.

— Minha mãe era, entendo o suficiente para saber que você está vestindo um digno de realeza.

— Conte-me mais — ela acabou de me desafiar.

— Esse é um modelo de corte sereia na cor azul bebê, um vestido todo ajustado até o joelho que deixa suas curvas, muito belas por sinal, bem a mostra e quando chega no joelho ele vai abrindo formando uma cauda — me divirto com o olhar curioso dela, mas ainda não acabei — A manga é longa, o decote em formato de coração, não lembro muito bem qual é o tecido, porém está todo bordado com renda e... Isso são pontos de diamante?

— Mayn — ela enfatiza e eu dou um sorriso.

— Ok, tem uma sobressaia de tule removível com abertura na frente que está presa com... Licença — analiso mais de perto para ter certeza — Botões de pressão.

— E tem sete camadas — Lunar sorri e eu só quero gravar esse sorriso na minha mente para me lembrar desse momento por toda a eternidade.

— E por último, mas não menos importante, a cauda detalhada e toda coberta de estrelas.

— É agora — minha deusa sussurra e mesmo estando um pouco longe eu consigo escutar o ritmo acelerado das batidas de seu coração.

Eu estou trajando uma túnica dourada, com calça preta e botas.

Hoje é o dia em que iremos nos casar, contudo respeitando a vontade dela não iremos ter nenhum tipo de vínculo afetivo que ultrapasse os limites da amizade até que ela acredite de fato que o amor que sente por mim é verdadeiro e não algo que ela esteja forçando só por uma profecia.

Não fiquei chateado, era bem pior quando ela me odiava.

Devo acreditar que talvez pensem que se estamos nessas condições não deveríamos nos casar, portanto a realeza é bem mais complexa.

No momento em que os meus pais morreram eu deveria ter assumido o meu posto como rei, todavia não tinha encontrado a minha kodashi e sem ela o meu poder não era absoluto, não poderia proteger o meu reino como os meus pais fizeram juntos enquanto ainda eram vivos.

Por isso eu perdi e Galzart matou o meu povo, não posso mais falhar com aqueles que ainda confiam em mim.

Lunar entendeu o meu lado, a minha mãe e o meu pai salvou a mãe e a protetora dela, isso fez ela entender que o meu povo é o povo dela e vice versa.

Temos nossas individualidades, agimos em tempos diferentes, mas também temos a consciência de que juntos nós construíremos um reino impenetrável.

— Quando você quiser, minha lua.

— Tudo bem.

Ela está nervosa, esse não é um evento que está marcado no calendário dos humanos, nem os nossos amigos das galáxias sabiam que iria acontecer. Com excessão de Mayn.

O meu sol já está posicionado, tudo o que Lunar precisa fazer agora é colocar a lua dela entre a Terra e eu. Assim ela irá me encobrir, porém não totalmente, apenas o suficiente para que o meu sol crie um anel de fogo em volta da lua dela, formando assim um eclipse solar anular.

Esse é o nosso ritual de casamento, íntimo e raro, um momento somente de nós dois, entretanto com um evento maravilhoso que todos podem apreciar.

Não sabemos em qual parte da Terra a nossa união ficará visível, só sei que em mim ficará até o dia que eu morrer.

— Cum enim una summitate caeli sol et luna — Lunar recita trêmula posicionando sua lua, espero que esse nervosismo não seja arrependimento.

— Est quando fiet unum pendet ex altero — finalizo fazendo assim o eclipse acontecer e vendo o meu sol liberar um brilho nunca visto antes.

Por mais que tenhamos conversado e decidido ir com calma, agora estamos casados. Ela é a minha lua e eu sou o sol dela, nossos destinos foram selados e nada é capaz de nos separar agora.

— Diante de mim está minha bela e maravilhosa deusa Luny Lunar, aquela que vai governar junto comigo um reino que nunca mais sucumbirá as sombras — dou um delicado beijo em sua testa — Eu a declaro agora Rainha de Lumaris.

— Como se você tivesse poder para declarar isso.

Ela me abraça e juntos nos teleportamos para Lumaris.

O grande momento chegou.

Astros: Lua MinguanteOnde histórias criam vida. Descubra agora