XXXV - Em outro plano

10 4 0
                                    

Sun:

— Papai, pode ficar com esse, eu já comi — o pequeno príncipe devorava sem cerimônias um macaron de laranja quando o seu pai entrou na cozinha o procurando.

— O que sua mãe falou sobre sobremesas antes do almoço?

— Que estava tudo bem se fosse só uma? — o garotinho sorriu inocente vendo sua mãe entrar e o pegar no colo enchendo-o de beijos na bochecha.

— Ah Nehal, você não tem jeito mesmo.

Sorrio me vendo um garotinho de cinco anos obeso comendo sobremesas, era a única coisa com que eu me importava naquela época.

Saudades do tempo que nunca mais vai voltar, nem me lembro a última vez em que coloquei um macaron na boca.

— Dale, isso é um péssimo exemplo para o menino — mamãe estava furiosa.

— Fique tranquila, ele sabe o que é certo e o que é errado.

Eu achava o máximo quando era o meu pai que vinha em minha defesa quando a minha mãe ficava brava, isso aconteceu muito nas faixas dos sete anos de idade.

Me sentia muito parceiro do rei e ficava feliz, meu pai era o meu melhor amigo.

Tudo o que eu faço é certo, não existe verdade absoluta. Sou eu quem julgo se o que estou fazendo está de algum modo me beneficiando ou me prejudicando, então só cabe a mim mudar os meus conceitos e fazer o que eu acredito, não os outros.

— Está enganado, é herdeiro do trono, o certo e o errado é tudo o que existe para você.

— E para você é só me dar sermões. Me diga pai, deixar o seu filho de lado é certo ou errado?

Lembranças não tão boas também fazem parte da gente, foi um choque de realidade ver o meu pai vivendo ocupado e sem nenhum tempo para mim.

Me sentir jogado de lado foi a pior fase da minha infância.

— Sun.

— Vou para o meu quarto, majestade.

A pré-adolescência também não foi muito amigável entre o meu herói e eu, ele passava metade do dia resolvendo as coisas do reino e eu passava metade da noite aprontando para chamar sua atenção.

Minha mãe era a que mais sofria, quando ainda era criança ela adorava cultivar nossos momentos juntos com fotos e vídeos.

— Perdoe o seu pai, ele é muito ocupado, um dia você entenderá — mamãe sempre justificava os erros do meu pai.

— Eu jamais vou deixar os meus filhos de lado, entendo que terei responsabilidades, mas a felicidade deles também será responsabilidade minha.

Eu não entendo, por que estou vagando por minhas memórias? Será algum tipo de teste? Não consigo me lembrar do que aconteceu.

— Ah, Dale.

Mamãe estava abraçando o meu pai, estranho, não me lembro desse dia.

— Sun?

— O que? — meu pai se separa do abraço e olha para mim.

Os dois vem correndo em minha direção me deixando estático.

— Não, o que está fazendo aqui? — minha mãe deveria estar feliz por me ver, não deveria?

— Acho que estou sonhando — dou umas batidinhas na testa para ver se volto a realidade.

— Filho — meu pai me abraça se acabando em lágrimas.

Fiquei constrangido, jamais tinha visto o rei chorar e nem estar assim tão vulnerável.

Alguma coisa está errada. Estou muito feliz por reencontrar os meus pais, porém o meu coração sente que falta um pedaço de mim.

— O que houve? — mamãe acaricia o meu cabelo — Não deveria estar aqui, ainda é muito cedo.

— Encontrou sua kodashi.

Eu estava despencando, caindo cada vez mais fundo sem saber onde seria o destino dessa escuridão.

Meu coração se encontrava destroçado, era tanta dor que eu não conseguia suportar sem que deixasse rolar algumas lágrimas.

De repente o meu corpo ficou inerte suspenso no ar e daqui de cima eu conseguia ver algo acontecendo abaixo de mim. Era a minha deusa, ela estava de joelhos, chorando em cima do meu corpo.

— Me perdoa — suas lágrimas não paravam de cair em meu rosto.

Então é isso, eu morri...

Vi inúmeras sombras a cercando por trás, sem saída ela seria atacada e eu não podia fazer nada.

Isso está errado.

— NÃO — grito quando todos a atacam de uma vez, mas já era tarde, meu corpo foi arrastado para um quarto escuro e vazio.

Tudo estava claro, dei minha vida para salvar a mulher que amo e falhei.

Se ela morrer eu jamais vou me perdoar, nada disso era para ter acontecido.

— AAAAAAA — grito dando socos na porta, preciso sair desse lugar.

— Pare — uma voz indefinível surgiu na minha cabeça.

— Não posso deixar ela morrer.

Minhas mãos sangravam, mas não iria parar.

— Pare, você falhou, portanto suas tentativas serão inúteis.

— Será que nunca vou conseguir proteger aqueles que amo? — me jogo no chão chorando fracassado.

Fui egoísta, não pensei nenhum pouco em como ela ficaria ao receber o meu poder.

Apesar da maldição, Lunar tinha o coração mais belo e puro que eu conhecia, mesmo não conseguindo me amar eu sei que no fundo não era isso o que ela queria.

Eu deveria ter ficado e lutado, morrido por mim, não transmitindo esse peso para um ser tão iluminado como ela.

Eu a amo mais que tudo, estou aqui por ela, por pensar que seria o melhor para ela.

Mas o meu coração sente algo errado, aquela visão não saia da minha cabeça.

Não aguentaria ficar aqui sem ela, sem ver seu lindo rosto, sem sentir seu coração unido ao meu. Não posso aceitar que o meu amor vai sofrer, minhas intenções foram boas, isso não deveria estar acontecendo.

— Escute — era aquela voz de novo.

— Quem é você?

— Sou Pandora, posso te reviver se conseguir completar uma missão, mas...

— Eu aceito — fico de pé esperançoso — Pelo meu amor eu faço o que for preciso.

— Fique sabendo que ninguém nunca conseguiu antes, se falhar ficará preso em suas piores lembranças para sempre.

— Eu já disse que aceito.

Não importa que missão eu terei que fazer, vou reviver e quebrar a maldição da minha deusa, vou reviver para fazê-la feliz e só isso que importa.

Mesmo que eu jamais recupere os meus poderes, só quero poder senti-lá em meus braços pela primeira vez.

Astros: Lua MinguanteOnde histórias criam vida. Descubra agora