CAPITULO XIX

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- Senhorita Cavalcante. – Jane chamou através da porta fechada. – O jantar será servido daqui a alguns minutos. – Informou.

- É Manu. – Corrigiu pela milionésima vez, não gostava de ser tratada com tanta formalidade. – Já estou indo. – Avisou abaixando-se para amarrar o cadarço da bota de cano curto estilo coturno, puxou a barra da calça de sarja grafite se erguendo e arrumando o suéter marsala de modo a cobrir seu abdômen.

Assim que abriu a porta encontrou Jane ainda parada diante dela lhe sorrindo simpática e anunciou.

- O jantar será servido no terraço.

- Por quê? – Estranhou, desde que chegara ali sempre fizera as refeições na sala de jantar, em geral sozinha, o que lhe dava um grande alívio, pois a presença de Leon lhe travava a garganta e comprometia seu apetite.

- O senhor Roberts pediu que fosse assim. – Explicou simpática.

- Ele também vai jantar lá? – Perguntou nervosa, ansiando por uma resposta negativa.

- Acredito que sim. – Sorriu suavemente e se retirou em seguida.

Por um instante Manuela cogitou se trancar no quarto e assaltar a geladeira na madrugada quando não houvesse mais ninguém circulando pela casa, mas sabia que seria tolice, não poderia fugir de Leon para sempre, principalmente quando dormiam sob o mesmo teto e não conseguia deixar aquela cobertura para nada, uma vez que não tinha o código de acesso do elevador.

Respirou fundo buscando reunir coragem para enfrentar seu primeiro jantar com seu algoz, sabia que algo assim iria acontecer em algum momento, Leon não era o tipo de homem que desistia fácil ou mesmo que se dava por vencido, cedo ou tarde a convivência entre eles passaria a ser uma realidade, não havia como fugir disso, assim como não havia como escapar dele.

Caminhou até o terraço a passos lentos, perdida em pensamentos, desde que conheceu Leon vivia confusa e assustada, ele era muito intenso e boa parte do que fazia não tinha o menor sentido para ela, Leon a confundia de muitas formas, as coisas que dizia, a maneira como a olhava, o que fazia ao mesmo tempo em que inflavam seu ego a amedrontava.

Não confiava nele, algo que não sabia definir a mantinha em estado de alerta perto dele, não era apenas o fato de não ser humano, de ter poderes inimagináveis ou de controlar sua vida com mãos de ferro, estava além disso, duas forças gravitavam entre eles, uma a puxava diretamente para ele de forma irresistível ao mesmo tempo em que outra a repelia com igual potência.

Talvez as conversas que tivera com Antônia ao longo dos anos a estivessem influenciando de alguma forma, ainda que duvidasse da afirmação categórica da conselheira espiritual que afirmava que Leon era o Diabo, havia momentos em que se perguntava se ela não teria alguma razão.

Leon nunca havia dito de maneira clara o que era um eterno, de onde vinha, do que era capaz, se referia a si mesmo como um amaldiçoado, parecia lhe falar por metáforas e a fazia temer o que não dizia, o que se escondia sob a elegância e o luxo com que vivia lhe era uma incógnita, sabia que havia muito mais do que era capaz de perceber ou que ele já tinha lhe mostrado e esses segredos e mistérios só a faziam desejar voltar para sua vida de antes, imperfeita é verdade, mas tranquila e infinitamente mais simples.

Tinha medo de um dia acordar e descobrir que tudo que Antônia dissera sobre ele ser verdade, que Leon era o mal encarnado, que o pecado e a corrupção existente no mundo vinha dele e de tudo o que ele representava, as vezes achava que não saber, era bem melhor que ter certeza, pois a última coisa que queria era se descobrir capaz de se sentir atraída pelo demônio.

E para completar essa estranha equação havia a forma como agia na presença dele, não se reconhecia, se tornava impetuosa, agressiva, até um pouco má, se comprazendo em machuca-lo, em diminuí-lo e mostrar seu próprio poder sempre que podia, não que houvesse desenvolvido alguma habilidade superior, mas só o fato de arrancar aquele ar arrogante do rosto bonito e fazê-lo se sentir tão confuso quanto ela própria se sentia lhe dava um prazer que chegava a ser pecaminoso, não gostava dessa sua versão, sempre fora uma pessoa preocupada com os sentimentos do próximo mesmo não gostando da pessoa, com Leon seu pouco caso beirava a crueldade.

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