Capítulo 45

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- Não vai levar isso a sério, né?

- Claro que vou, ganhei benção para ser a líder do recinto, vou aproveitar. E isso me fez a calhar, planejou ir embora levando algo meu, minhas facas! - Sua cara demonstrava nítida raiva porém no fundo havia mágoa, deu para ver - É uma vaca desgraçada você.

- Super ofendida - Revirei os olhos e me direcionei para a cama com a intenção de me jogar nela - Não iria ficar aqui, onde todos me desprezam, enquanto minha vida fosse moeda de troca para uma vida tranquila. A desgraça me persegue... - Sussurei baixo para mim. Sacudi a cabeça e me espreguicei no colchão - Se meu corpo não é mais uma arma mortal eu precisaria de armas, as suas facas são as melhores que tem nessa cama, que eu saiba. Amigos não são para isso? Ajudar e compartilhar?

- Agora eu sou sua amiga? Não me diga que você só iria pegar minhas coisas para dar uma voltinha e que depois voltaria? - Disse com desprezo - Amigos conversam, discutem, alertam e se despedem. Eles pensam nos outros.

Eu me sentei bruscamente incrédula.

- Pensa que eu queria isso? Queria estar nesse estado e situação? Que prefiro pegar armas brancas ao invés de eu mesma destroçar meus inimigos e adversários com meus dentes e garras? Eu... - Dei uma pausa para respirar - eu só quero viver, parar de ter que sobreviver a tudo que me aparece. Aqui eu não consigo, não dá. - Desvio meu rosto dela um pouco abalada

- A vida é isto! Tudo se resume a sobrevivência, sempre há uma nova barreira a ser derrubada ou um obstáculo para pular. Não tem haver com o lugar. - Disse elevando o tom do voz

- Se baseia nele. - Interrompo com uma tonalidade fria

- Se baseia nas pessoas que residem no lugar, elas que fazem os problemas, mas ao mesmo tempo você precisa delas para viver. - Ela suspira - É tudo questão de seleção, você precisa escolher bem e com sabedoria quem você quer por perto e quem você não deve criar laços. Escolha quem você quer para viver, quem você deseja criar ou assegura ter em reciprocidade um laço emotivo. Estou cansada de ter que limpar os restos dos laços que eu fiz. - Ela desviou o olhar deixando uma lágrima de mágoa cair - Somos lobisomens, amaldiçoados em não  conseguir viver só e com o instinto de proteger algo físico. Se esconder de tudo e de todos não funciona, nunca funcionou, você só vai morrer dolorosamente sem energia para se manter em pé. Crie um laço com uma planta se não quiser ninguém na sua vida medíocre, assim você só vai precisar carrega-la e rega-la. - Sua voz era ríspida dirigida a mim.

- Eu não preciso de ninguém para viver, não preciso de ninguém. - Alterei minha voz também.

- Pare de mentir, é impossível isso, é contra a nossa natureza. Para de ser teimosa, ingrata e falsa! - Disse com raiva passando a mão na cabeça de olhos fechados e os abriu me confrontando com a postura ereta.

Eu me levantei da cama e a olhei determinada e irritada.

- Não me insulte. Não me insulte, julgue e fale de minhas limitações. Se coloque no seu lugar e não crie suposições de minha vida. - Minha voz saiu grave e potente destacando cada palavra.

- São fatos, não suposições. Encare a realidade e não fuja. - Disse alto

- Por que está com raiva de mim? Por que estamos discutindo? - A questionei gesticulando com as mãos

- Por que? Minha Deusa. - Ela deu um sorriso sem humor olhando para cima - Você tentou ir embora com minhas coisas, minhas facas, elas foram presentes dados por meus pais. Você falou que seria minha amiga e tentou ir embora da minha vida, como todos, mas ainda por cima tentou levar consigo uma das poucas coisas que me ligavam aos meus pais. Puta vida - Seus lábios se estenderam na forma de um sorriso contido como se quisesse achar humor na situação mas acarretou no início de suas lágrimas - Por que todos entram na minha vida, me forçam a me apegar a eles e depois vão embora?  - Suas pernas falharam e ela alcançou o chão se rendendo as lágrimas. - Só apareçam, sem buscar empatia e apego, e vão embora. Por favor. - Disse em súplica.

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