Não me deixes

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Em algum lugar entre a costa do Rio de Janeiro e o Porto Inglês, junho de 1871.

Carmen

Abri os olhos e uma dor de cabeça insuportável me invadiu. Alguém batia na porta da cabine. Que gente irritante!

Virei para o lado e cobri minha cabeça com o travesseiro na esperança de parar de ouvir a insistência da empregada do navio.

- Saco! – Levantei quando me dei conta de que ela não sairia dali. – Sim?

- Senhora... – Ela me olhou com os olhos arregalados, talvez pelas minhas olheiras ou porque não me dei o trabalho de vestir um robe e abri a porta com as roupas de dormir ou pela minha cara de poucos amigos. – Trouxe um chá...

- Eu pedi? – Perguntei ríspida.

- Não, mas a senhora não tomou café da manhã e acabei de levar a bandeja com o seu almoço para a cozinha... pensei que estaria com fome.

- Pensou errado! – Respondi grosseira e me arrependi um pouco, ela só estava preocupada. Suspirei e me forcei a sorrir. – Estoy bien... sem fome, mas prometo que te procuro quando precisar de algo.

Tentei ser um pouco mais gentil e ela sorriu agradecida. Assim que saiu eu me tranquei no quarto outra vez. Vi pela janela que chovia bastante, mas não haviam raios e trovões, era uma chuva passageira.

Despejei a jarra de água em uma bacia e lavei meu rosto. Procurei na mala um vestido qualquer e vesti. Eu evitava espelhos ultimamente, mas precisava deles todas as vezes que arrumava meus cabelos, tentei não olhar para o meu rosto mas, no fim das contas, passei longos segundos observando cada traço meu que eu detestava agora e desconfio que só saí dali para vomitar.

Era o sétimo dia de uma longa viagem. Faziam anos que não viajava, sabia que seria assim nos primeiros momentos, mas acredito que essa crise de vômitos esteja relacionada com a quantidade de aguardente que bebi ontem e a falta de comida em meu estômago.

Vi pelo relógio de bolso em cima da escrivaninha que já passava das quatro da tarde. Precisava de um banho.

A senhora que me ofereceu o chá à pouco estava próxima a cozinha do navio, procurei por ela como uma forma de me desculpar pela minha grosseria mais cedo.

- Gracias... – Sorri quando ela terminou de preparar o banho.

- Por favor, Madame, venha jantar. – Disse preocupada e concordei.

Alguma coisa nela me lembrava Marta e isso me fez voltar diretamente para o lugar em meus pensamentos que eu mais evitei nesses dias.

Passei um longo tempo chorando em silêncio. Pensar em tudo doía tanto...

Me obriguei a ir até o salão na hora do jantar. Primeiro porque eu não conseguiria me manter de pé se não comesse alguma coisa, segundo porque, por mais gentil que aquela senhora fosse, ela me irritava.

Me sentei em uma mesa no canto do salão, o mais longe possível de todos aqueles olhares. Alguns homens eu conhecia e isso me causou um desconforto considerável, mas resolvi me concentrar na comida.

- Senhora... – Um menino me chamou em pé em minha frente. – Posso me juntar a ti? As outras mesas estão cheias...

Olhei ao redor e a única mesa com uma cadeira vaga estava ocupada por dois homens bêbados e o olhar de desespero do jovem em pé me fez aceitar.

- Sente-se. – Disse à ele e o garoto abriu um sorriso largo.

Analisei suas feições com atenção, mas sem deixar que ele percebesse. Eu tinha a estranha sensação de que o conhecia e esperava que não fosse dos meus aposentos na capital.

Carmen y Isabel - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora