27. EPITÁFIO

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Germano Field 

✯ 1979 —  ✞ 2020

Amado filho, pai, marido e amigo.

Exemplar homem. Admirável ser humano.

Em um piscar de olhos a vida pode começar ou acabar. O tempo perdido em pensamentos transitórios se tornam tão significativos se comparado com a verdadeiras ações que definem o ser humano. A vida representa os planos do amanhã e a morte o esquecimento.

Encarando a lapide de pedra, com uma singela e pouco significativa foto – que não representava aquele homem em sua gloria— Emilia, percorreu os olhos por aquelas letras douradas destacadas no cinza. Ao lado estava uma lapide que conheci bem, talvez pela frequente visita em sua infância onde confidenciava seus problemas a uma pessoa que pouco – ou nada conhecera— mas amava como se tivessem passado a vida juntas: sua mãe.

Um ano

Memorou, ao curvar com melancolia os pálidos lábios, enquanto seus ágeis dedos se apressaram e capturar a fujona – ou não – gota de água que escapava involuntariamente de seus olhos. A saliva era tão amarga e espessa. Os pensamentos se misturavam com as recordações.

Inclinando a cabeça para o alto, seus castanhos olhos encararam o azul do céu— tão azul, com poucas nuvens – descendo sua atenção, observou a junção daquela cor celestial com o verde e vivo gramado, onde árvores majestosas completavam a cenário, algo tão contraditório para a paisagem de um cemitério.

— Um ano? Mas parece uma vida senhor Field  — tristemente seus lábios se curvaram, enquanto as lágrimas teimavam em escapar de seus olhos.

Com as pequenas folhas verdes entre seus dedos, remexeu seu corpo sobre o gramado – sentada em uma posição pouco habitual, com a pernas cruzadas como índio, sem mencionar o jeans surrado e o velho all star  – sentiu—se mais à vontade naquele momento do que nos últimos doze meses de sua vida. 

— Sei que não venho muito discutir minha vida com você, pai — com dificuldade engoliu a obstrução em sua garganta — Mas o senhor merecia uns bons sermões — advertiu, gesticulando com o indicador em um tom autoritário que se suavizou tão rapidamente como se formou — Confesso que fiquei brava e magoada com a sua falta de confiança em mim. Mas depois — inspirando o ar, olho para seus dedos — Eu entendi. Exceto a parte em colocar o Tobias  de volta no meu caminho. Essa eu achei a mais absurda, você não sabe a mulher que tive que me tornar para lidar com aquele cretino. Perdi noites de sono. Me tornei perfeccionista — apressadamente enumerou as mudanças — Mais ainda. E não aprendi nada com aquele ...

Seus lábios se calaram em um ordem silenciosa. Estreitando os olhos fitou a foto de seu pai – uma foto de um pouco mais de um ano atrás – como se ele a estivesse repreendendo com palavras ou olhar, mas obviamente deveria ser apenas sua mente.

— Ele me ajudou — rendeu—se, tombando os ombros — Evitou muitos negócios que seriam mal sucedidos ou pouco vantajosos e apesar de diretamente não me ensinar absolutamente nada, aprendi o porquê de muito de seus atos — expirando o ar, apreciou o canto dos pássaros sobre as árvores espalhadas por aquele lugar — E mesmo sendo uma mentira, seu sonho se realizou. Estamos juntos — confidenciou em um tom embargado de emoções — Ele me chantageou, diabolicamente me chantageou — reclamou como quando era criança — Me tornou uma megera da qual não me orgulho— seu tom se tornou decrescente.

Passando a mão por sua face, algo – uma repreensão – ecoou em sua mente, com a voz de Germano, enquanto expirava o ar e sentia o gélido vento bater contra sua face e movimentar os fios de sua franja e os presos em um rabo.

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