32. COSTURANDO OS RETALHOS

267 28 50
                                    




O cálido ar contra seu pescoço estremeceu seu corpo, preguiçosamente pousou a mão sobre o braço em torno de sua cintura – o acariciando com o polegar – esqueceu por um momento de tudo.

— Emilia — o ronronar de seu nome alcançou seus tímpanos.

Sem força, abriu suas pálpebras, encarando as finas cortinas que escondiam a escuridão que anunciava ser consumida pela luz do Sol. Inspirando aquele aroma amadeirado misturado com sexo, girou a cabeça e encarou o homem com as pálpebras cerradas ao seu lado, tão relaxado e distante que fez seu coração parar.

Sentia—se vulnerável e sentia algo a mais por aquele homem que não deveria sentir, o queria em sua vida, no futuro, cada dia, queria tanto quanto o quis anos atrás, de todas as formas, sentidos e lugares, o queria de uma forma que doía em seu interior. E o encarando, naquele momento, na escuridão e no silencio ela teve certeza do quanto o queria e da forma que poderia ser quebrada.

Infelizmente sabia que não suportaria ser traída novamente. Jamais havia permitido que um homem entrasse em sua vida depois dele, mas não era porque queria apenas o vazio, era pelo simples fato de que Tobias  jamais havia saído de sua vida, agora se dava conta disso, durante aquelas horas de pura paixão e calorosos toque ela soube, com uma dor tão profunda.

Ele era o melhor erro que já havia cometido em sua vida, mas ainda assim era um erro, pois poderia quebra—la com apenas um toque – como se seu corpo fosse um sensível cristal – e infelizmente parte de si tinha certeza de que ele a quebraria, mesmo outra boba parte – crédula – acreditar que o fato de haver uma foto escondida, o apoio no aniversário da morte de seu pai, a ajuda com o pneu, o fato de haver se escondido no desfile, tantas noites de sexo e devoção,  deveriam significar algo.

O braço ao redor de seu corpo se tornou mais apertado, não conseguia respirar, sentia—se em pânico, queria fugir e correr para longe. Inspirando o ar com dificuldade ergueu o braço de Tobias  que parecia tão exausto como ela deveria estar e deslizou seu corpo para fora da cama.

Com uma enorme destreza vestiu—se em silencio, escreveu o breve bilhete e o deixou sobre o pequeno criado mudo, apenas se detendo para encarar a aliança em seu dedo. Lentamente – com melancolia – a deslizou pelo dedo, pousando sobre o bilhete, encarou aquela serena face – que a levava ao passado – inspirando o ar para conter teimosas lágrimas, sabia que aquilo era o melhor, tinha que se salvar, proteger e viver.

Não podia se afogar em sentimentos, uma vez mais, seria tolice.

Incapaz de deixar qualquer palavra escapar de seus trêmulos lábios, apenas deu as costas e partiu no silêncio da escuridão.

Sua mente a obrigou retornar a realidade, afinal tudo o que tanto sonhara estava acontecendo e finalmente poderia viver em paz. Tragando a amarga saliva, inspirou o ar pelos lábios ao processar aquelas palavras

Confere—se, na integralidade, o espólio de Germano Field , bem como sua administração a herdeira Emilia Field , obedecendo o rito estabelecido em seu testamento cerrado.

Seus castanhos olhos vagaram sobre o papel entre seus dedos, sua respiração era regular e a luz aconchegante dos raios solares traziam consigo a sensação de liberdade. Não leu todas as palavras do papel, apenas aquele final, que trazia consigo certa melancolia. Podia sentir o olhar atento do velho advogado sobre si – como um déjà vu – algo que comprovou assim que encontrou aqueles olhos negros e inexpressivos.

— Seu pai ficaria orgulhoso — proferiu com certa emoção em sua voz.

Os lábios de Emilia se curvaram em agradecimento, afinal havia completado aquela jornada. Pousando o papel sobre a mesa de vidro inspirou o ar com calma, sem pressa, assim que viu os lábios indecisos de Ramalho se movimentarem diante de si, sem proferir uma palavra – ou a procura delas.

Duas vezes Você [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora