03 | PARIS HALL

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03
PARIS HALL
ADAM

6 MESES ANTES
1 ANO E 3 DIAS DEPOIS DE SAIR DO INFERNO
FINAL DO VERÃO EM BAYFIELD

— Adam, não faça isso — Finley ordena a plenos pulmões.

O ignoro. Me jogo na escuridão. Não consigo enxergar nada. Sou engolido pelo nada com gritos agonizantes.

A culpa é sua, Adam a voz conhecida não mente — Sua o grito ecoa.

Abro os olhos. Ofegante. Suado. Abro os malditos olhos que encaram o mesmo clarão de minutos atrás. Ou o tempo tinha corrido entre uma piscada e outra ou se escondido. Fosse como fosse os malditos gritos estavam lá.

— Adam — a batida acompanhada do chamado, recordam-me de que não estou sozinho.

Droga.

Mais uma noite sem dormir. Um novo maldito dia que chegava.

Impulsiono meu corpo, deixando para trás o lençol molhado, esbarro em uma garrafa de uísque vazia – meu sonífero da noite passada — assim que me afasto da cama, em direção a porta do pequeno loft, em cima da antiga marcenaria do meu pai. Era melhor do que morar no meu antigo quarto ou na garagem do meu pai.

— Porra, Adam.

Antes que Elliot pudesse terminar o seu praguejo, giro a maçaneta. Revelando sua figura devidamente vestida para o trabalho — com uma calça jeans manchada e camiseta preta —, sustentando em sua mão uma bandeja de papelão com dois copos de café e um saco. Porém ele não me entrega a comida, apenas passeia seus olhos pela minha figura coberta apenas uma calça de moletom.

— Você ainda estava dormindo? — o questionamento vem acompanhado do seu tom de censura.

— Perdi o horário — murmuro, dando dois passos para o lado, abrindo passagem.

Seus lábios se calam, sem nenhuma resposta rápida ou constatação lógica.

— Percebi — mas lá estava.

Fecho a porta, tempo o suficiente para esbarrar onde seus olhos estavam focados: na garrafa de uísque jogada ao lado da cama desarrumada. Porém seus comentários morrem ali. Ele sabia que eu bebia para dormir. Um número ridículo de pessoas sabiam. E ninguém falava nada, como se uma palavra fosse me quebrar.

No fim do dia não me importava com o que achavam, afinal ninguém tinha estado no inferno e voltado para contar. Meus pés tocam o velho assoalho de madeira - que range tabua sim, tabua não – caminho em direção a retangular ilha que perde sua pintura.

— Trouxe seu café — o homem de cabelos castanhos arrasta o copo de café em minha direção.

Meus dedos envolvem o recipiente de papel quente. Enquanto não ignoro o barulho do papel, assim que meu velho amigo arranca um sanduíche do Pops de dentro, mesmo sem desenrolar o papel, já sabia pelo aroma, que o recheio era de bacon, rosbife, muito queijo e ovo, bem acomodado em um pão baguete.

A primeira vez que tinha visto Elliot Evans, ele era o menino deslocado em uma cidade estranha, despertando a curiosidade de todos, que apenas o observavam, mas não chegavam perto. Aquilo era constrangedor para ele e para quem via de fora, por isso me aproximei dele naquele primeiro dia de aula, chocando os curiosos e encorajando os covardes a se aproximarem.

Até conhece-lo achava que entendia a definição de amizade, contudo com o passar dos anos, percebi o quanto estava equivocado. E quando retornei para Bayfield, foi a vez dele de me acolher, enquanto todos me olhavam com curiosidade e medo.

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